Existe, no entanto, a exigência de que os valores arrecadados só poderão ser destinados aos fundos previdenciários que os governos regionais precisarão criar para assegurar o pagamento das aposentadorias e pensões. Esses fundos ficarão apartados dos orçamentos estaduais para evitar o uso dos recursos para outras finalidades.
Os gastos com previdência são os que mais pesam nos cofres estaduais. Se for possível trazer receitas futuras para o presente, será viável abrir espaço nos orçamentos, explicou um interlocutor. Os governadores poderão usar os recursos para pagar aposentadorias atrasadas e cobrir o rombo gigantesco dos regimes próprios - que fechou em R$ 86 bilhões em 2018 no conjunto das unidades da federação.
A antecipação das receitas do FPE consta da minuta da reforma que circulou na semana passada e está sendo defendida por todos os governadores, inclusive os das regiões Nordeste e Norte, por se tratar de um recurso garantido. A União não vai deixar de repartir com os entes a arrecadação decorrente de impostos — o que pode estimular o interesse de investidores no mercado diante da garantia de receitas. Outro argumento é que a reforma vai reduzir as despesas com aposentadorias no futuro e, sendo assim, seria possível trazer esses ganhos para o presente sem prejudicar as contas públicas estaduais.
‘Ideia é usar sobra hoje’
Embora boa parte da equipe econômica concorde com a medida, nos bastidores, há quem mostre preocupação. Alguns integrantes do Ministério da Economia afirmam que a proposta poderia ser usada para elevar os gastos com o funcionalismo.
Mas, segundo o especialista em contas públicas Raul Velloso, que está assessorando um grupo de governadores, o temor de parte dos técnicos da equipe econômica não faz sentido porque o dinheiro será carimbado. Ou seja, só poderá ser usado para fins previdenciários. Velloso mencionou que a medida será atrelada à obrigatoriedade dos estados em adotar planos para resolver o déficit dos regimes próprios de Previdência no curto e longo prazos.
- Você precisa de uma autorização constitucional para transferir sobras de caixa do futuro, que são perfeitamente previsíveis, como é o caso do FPE. Com a reforma, haverá uma redução dos gastos, mas isso vai demorar para acontecer. Então, a ideia é usar essa sobra hoje. Essa medida é importante para tirar os estados do buraco - afirmou Velloso.
Além do FPE, o novo fundo previdenciário poderá receber vários tipos de receitas, como antecipação de débitos incluídos na dívida ativa, aluguel e venda de imóveis, créditos tributários, royalties e qualquer ativo que seja possível mensurar em valores. No caso da dívida ativa, por exemplo, já existe um projeto que trata da matéria no Congresso, mas há dúvidas jurídicas sobre se os estados poderiam antecipar esses recebíveis. Ao incluir a medida na PEC, o governo federal afastaria esses riscos.
Velloso lembrou que o ex-presidente Michel Temer pediu apoio dos governadores na sua proposta de reforma, mas não ofereceu nada de concreto para obter essa ajuda. Desta vez, segundo uma fonte envolvida diretamente nas negociações, será diferente. O ministro da Economia, Paulo Guedes, e o secretário especial de Previdência, Rogério Marinho, estão conversando com os governadores e prometeram apresentar os detalhes do texto no Fórum de Governadores, nos próximos dias 19 e 20.
Decisão só após hospital
O governo federal também incluirá na proposta a possibilidade de cobrança de alíquota extraordinária para solucionar déficits financeiros e atuais dos regimes próprios de Previdência dos servidores estaduais. Governadores poderão ainda cobrar contribuição previdenciária de policiais militares, bombeiros (da reserva e reformados), aposentados e pensionistas. Isso valerá também para a União e será implementado via projeto de lei complementar. No caso dos militares, a mudança ocorrerá em um segundo momento, quando o Planalto enviar ao Legislativo o projeto que ajusta o sistema de aposentadorias das Forças Armadas.
Integrantes da equipe econômica passaram o fim de semana acertando os detalhes da reforma da Previdência a ser encaminhada ao Congresso ainda este mês. Mas o texto não deve ser levado ao presidente Jair Bolsonaro enquanto ele estiver no hospital.
O porta-voz da Presidência, Otávio do Rêgo Barros, afirmou que, por enquanto, isso não está sendo cogitado:
- Inicialmente, estaria descartado que o documento fosse apresentado ao presidente no hospital.
- Com relação à Previdência, a proposta será apresentada assim que o presidente se encontrar em condições de analisar.
Geralda Doca e Eduardo Bresciani, O Globo