quinta-feira, 28 de fevereiro de 2019

Encontro entre Trump e Kim Jong-un termina antes do previsto e sem acordo

Kim e Trump conversam na área externa do hotel Metropole em Hanói Foto: Reuters
Kim e Trump conversam na área externa do hotel Metropole em Hanói Foto: Reuters

HANÓI, VIETNÃ — O presidente americano, Donald Trump, deixou as negociações com o líder norte-coreano, Kim Jong-un, antes do previsto e sem acordo — segundo o chefe da Casa Branca, em razão de "demandas inaceitáveis" sobre a retirada de sanções econômicas contra a Coreia do Norte. Os líderes de Washington e Pyongyang se reencontraram nesta quarta-feira, no Vietnã, para uma segunda cúpula, oito meses depois do histórico aperto de mãos em Cingapura. 

Trump disse que os dois dias de conversa levaram a bom progresso em construir relações e discutir a desnuclearização, mas que era importante não se apressar e evitar o fechamento de um mau acordo.

— Basicamente, eles queriam que as sanções fossem levantadas em sua totalidade, e nós não poderíamos fazer isso — explicou Trump, em entrevista coletiva, antes de deixar Hanói. Kim permanecerá no país para uma visita de Estado que se estenderá até o fim de semana.
As Nações Unidas e os Estados Unidos impuseram restrições econômicas à Coreia do Norte depois que o regime realizou uma série de testes balísticos e nucleares em 2017. Um alívio da pressão financeira passou a ser o foco do Norte em quaisquer negociações. Em seu discurso de Ano Novo, Kim insinuou que vai tomar um “caminho alternativo” se os EUA não cederem na pressão sobre o país. Mas o establishment dos EUA teme que a retirada de restrições leve a Coreia do Norte a não fazer mais concessões. O impasse foi central para a estagnação das conversas desde a cúpula de Cingapura.
Apesar do adeus antecipado, e embora não tenha se comprometido com uma terceira cúpula, Trump ressaltou querer manter o relacionamento com o líder norte-coreano, que prometeu manter a suspensão dos testes balísticos. Segundo a Casa Branca, as respectivas delegações de negociação estão ansiosas para voltarem à mesa no futuro.
Nesta semana, prestes a viajar ao Vietnã, Trump afirmou a jornalistas que não tinha pressa nem tinha a intenção de apressar Kim por um acordo sobre desnuclearização, mas que ficaria satisfeito com as negociações contanto que não houvesse novos testes.
Tanto Trump quanto Kim deixaram o Hotel Sofitel Legend Metropole sem comparecer a um almoço conjunto que era previsto na agenda da cúpula. Confiante, a Casa Branca havia marcado no cronograma do encontro uma "cerimônia de assinatura de acordo conjunto", que também foi cancelada.
— Às vezes você precisa sair [da mesa de negociações], e esta foi uma das vezes — ressaltou Trump, segundo quem a despedida ocorrera de forma "amigável".
A ausência de um resultado concreto nas reuniões do Vietnã marca uma derrota para Kim e para Trump, cuja despedida antecipada contrastou com o tom otimista e os votos de sucesso que trocaram ao se virem pela primeira vez no hotel de Hanói. A interrupção abrupta das negociações também levanta questões sobre os preparativos dos governos para a cúpula. Delegações americana e norte-coreana sentaram-se à mesa na semana anterior para estabelecer as bases do encontro principal. Na visão da diretora-assistente do Instituto EUA-Coreia da Escola Johns Hopkins de Estudos Internacionais Avançados, Jenny Town, no Vietnã, um queria mais do que o outro poderia aceitar.
— É surpreendente que eles não tenham chegado a um acordo preliminar, já que eles claramente tinham o esboço de um na rodada de negociações pré-cúpula. Mas parece que ambos os lados ainda queriam mais do que o outro estava disposto a aceitar. Dar mais tempo para negociar não é um desdobramento ruim, mas deixar a cúpula sem nada provavelmente terá um efeito de deflação do processo como um todo — analisa Town.
Desde a reunião em Cingapura, em junho do ano passado, Trump enfatizou o bom relacionamento que nutriu com Kim, mas pairaram dúvidas se o contato resultaria em progresso substancial na eliminação do arsenal nuclear norte-coreano visto pelos Estados Unidos como uma ameaça.
— Nenhum acordo é uma surpresa, especialmente depois de os dois estarem sorridentes na noite anterior — destacou à Reuters Lim Soo-ho, pesquisador do Instituto Nacional para Estratégia de Segurança. — Mas nenhum acordo não significa que não haja um nos próximos meses. Significa que os parâmetros estavam altos de mais para os dois líderes divulgarem um comunicado fraco como fizeram em Cingapura.
A primeira cúpula entre Estados Unidos e Coreia do Norte resultou em um vago compromisso pela desnuclearização da Península Coreana e selou o fim da retórica beligerante que marcara a relação poucos meses antes. Mas os dois líderes chegaram a Hanói pressionados internamente e com o desafio de, desta vez, virem a público com um acordo mais concreto. Havia a expectativa de que Trump e Kim acertassem, por exemplo, uma declaração formal do fim da Guerra da Coreia, que terminou em armistício em 1953, e o fechamento do principal complexo nuclear norte-coreano.

Sanções dificultam acordo

Nesta quinta-feira, o presidente americano contou que discutiu com o líder norte-coreano o desmantelamento do complexo nuclear de Yongbyon, o principal em que o regime enriquece plutônio e urânio para desenvolver suas armas. Kim se disse disposto a fazê-lo, mas apelou pelo relaxamento de sanções em contrapartida.
— Nós pedimos mais a ele, e ele não estava preparado para isso — acrescentou o secretário de Estado americano, Mike Pompeo, na entrevista coletiva, em referência a Kim.
Trump destacou que os Estados Unidos poderiam inspecionar algumas instalações do programa de segurança da Coreia do Norte, mas não especificou quais nem quando. Autoridades de inteligência dos EUA apontaram, antes da cúpula, que não havia sinais de que a Coreia do Norte abriria mão de seu arsenal, visto como vital pela dinastia para se manter no poder. O temor era de que o presidente americano, conhecido pelo perfil impulsivo, redefinisse a política americana por conta própria e cedesse a apelos em prol de assinar um acordo diante da pressão por fazê-lo.
Enquanto os Estados Unidos demandam há tempos o desmonte nuclear do Norte, este defende a necessidade da retirada do poderio nuclear americano de seus aliados asiáticos, Coreia do Sul e Japão. Kim descarta uma desnuclearização "unilateral". Antes de se reunir com Trump, o líder de Pyongyang sugeriu que estava pronto para um acerto do tipo.
— Se eu não estivesse disposto a fazer isso [abrir mão de seu poderio nuclear], eu não estaria aqui agora — disse Kim a jornalistas, por meio de uma tradutora.
Em nota, a Coreia do Sul afirmou que lamentava o fim sem acordo da cúpula do Vietnã, mas que os dois lados haviam feito "mais progresso significativo do que nunca". Seul enviou 12 delegados para acompanharem as conversas de Hanói, na esteira dos esforços do presidente sul-coreano, Moon Jae-in, para impulsionar o contato entre os líderes e obter garantias de segurança e pulsão da própria economia, com a possível retomada de projetos intercoreanos. As notícias de Hanói fizeram o índice econômico Kospi de Seul cair 1,8%, na maior perda diária no país desde outubro de 2018.



Júlia Cople e agências internacionais