sábado, 27 de julho de 2024
sexta-feira, 26 de julho de 2024
'A inevitabilidade estrutural do 8 de janeiro', por Flávio Gordon
O ministro Alexandre de Moraes, relator dos processos do 8 de janeiro no STF.| Foto: Antonio Augusto/SCO/STF
“O único que realmente conhece o Reichstag sou eu, pois o incendiei!” (Hermann Göring, citado por Franz Halder, chefe do Estado-Maior alemão, em depoimento ao Tribunal de Nuremberg)
Do ponto de vista do regime lulopetista, o 8 de janeiro tinha de acontecer. Tanto quanto, do ponto de vista dos nacional-socialistas recém-chegados ao poder na Alemanha dos anos 1930, tinha de acontecer o incêndio do Reichstag. Em ambos os casos, embora possa haver suspeitas de infiltração e inside job, dificilmente se chegará a uma conclusão definitiva sobre as responsabilidades. O que não faz grande diferença. Parodiando Kaváfis sobre os bárbaros: “Sem os golpistas, o que será de nós? Ah! Eles eram uma solução”.
O caso alemão até hoje é debatido, sem que se apresente uma prova cabal da participação nazista no incêndio, o qual, segundo a versão oficial, foi cometido pelo militante comunista holandês Marinus van der Lubbe. De todo modo, quer tenham participado ativamente do ocorrido, quer tenham apenas se beneficiado da providencial estupidez de um incendiário, o fato é que o evento se inscrevia nas expectativas nazistas de alterar a ordem político-jurídica da Alemanha e passar a governar sob estado permanente de emergência. Afinal, como já escrevera Carl Schmitt, o proeminente filósofo nazista do direito, a soberania política consiste no “poder legal de comandar em uma situação de emergência”.
Do ponto de vista do regime lulopetista, o 8 de janeiro tinha de acontecer. Tanto quanto, do ponto de vista dos nazistas recém-chegados ao poder na Alemanha dos anos 1930, tinha de acontecer o incêndio do Reichstag
Segundo registra William L. Shirer no clássico Ascensão e Queda do Terceiro Reich, em 31 de janeiro de 1933, um dia após Hitler ter sido nomeado chanceler, Goebbels escrevia em seu diário: “Numa conferência com o Führer estabelecemos a linha para a luta contra o terror vermelho. Por ora nos absteremos de contramedidas diretas. A tentativa bolchevista da revolução devia, primeiro, explodir em chamas. No momento adequado atacaremos”.
Como se sabe, no dia posterior ao incêndio, 28 de fevereiro, Hitler persuadiu o presidente Hindenburg a assinar um decreto “pela proteção do povo e do Estado”, suspendendo as sete seções da Constituição que garantiam as liberdades individuais e civis. Apresentado como “medida defensiva contra os atos de violência dos comunistas que punham em perigo o Estado”, o decreto estabelecia que:
“Restrições à liberdade pessoal, ao direito de livre manifestação de opinião, inclusive à liberdade de imprensa; aos direitos de reunião e associação; as violações das comunicações privadas telefônicas, telegráficas e postais; e autorizações para buscas domiciliares, ordens para confiscos, bem como restrições à propriedade, são também permissíveis além dos limites legais prescritos em outras circunstâncias.”
Ou seja, o regime pretendia se estabelecer sob uma lógica defensiva e, portanto, de exceção. Nessas condições, as normas vigentes deviam ceder às prioridades e prerrogativas da razão de Estado. E o resto, como se diz, é história. No livro Backing Hitler: Consent and Coercion in Nazi Germany, Robert Gellately comenta sobre as “inovações” jurídicas que os nazistas julgaram por bem implementar para preservar o Estado alemão após o incêndio:
“O governo insistia em dizer que reagia contra uma ameaça revolucionária, a qual requeria medidas emergenciais de curto prazo. Assegurava constantemente o público de que, uma vez passada a crise, o império da lei e as liberdades seriam restituídas na Alemanha. Restava óbvio, porém, mesmo ao tempo em que essas vagas promessas eram feitas, que as inovações introduzidas seriam características permanentes da ditadura de Hitler.”
No Brasil de 2023, o regime lulopetista também começou sob a lógica defensiva – a defesa da democracia contra os “ataques” do assim chamado bolsonarismo. Recorrendo ao conceito de “democracia defensiva” (de inspiração alemã, aliás), já no primeiro dia, mediante o Decreto Federal 11.328, de 1.º de janeiro de 2023, o regime criou a Procuradoria Nacional da União de Defesa da Democracia, abrigada sob as asas da Advocacia-Geral da União, dando-lhe, entre outras atribuições, a de defender judicialmente a integridade da ação pública e a preservação da legitimação dos três poderes e de seus membros para o exercício de suas funções constitucionais. Registre-se: tudo isso antes dos eventos de 8 de janeiro.
Em 2022, integrantes e aliados do futuro regime já esperavam um pretexto para a instauração de um estado de emergência no qual direitos fundamentais fossem suspensos em favor da “defesa da democracia”
Mas, ainda em 2022, nos últimos espasmos do governo Bolsonaro – já ali castrado e corroído desde o interior das instituições da República –, já havia como que uma sede, da parte de integrantes e aliados do futuro regime, por um pretexto para a instauração de um estado de emergência, ou estado “excepcionalíssimo”, no qual normas constitucionais regulares e direitos fundamentais fossem suspensos (temporariamente, é claro) em favor da defesa da democracia e das instituições. Em 14 de dezembro de 2022, por exemplo, Alexandre de Moraes pronunciaria a famosa frase: "Ainda tem muita gente para prender e muita multa para aplicar." Como noticiou à época a Gazeta do Povo:
“A fala de Moraes foi feita logo após uma explanação do ministro Dias Toffoli, do STF, que citou para a plateia as centenas de acusações impostas pela justiça americana pela invasão do Capitólio, nos Estados Unidos, ocorrida em janeiro de 2021, por apoiadores do então presidente Donald Trump, derrotado nas últimas eleições presidenciais. Segundo Toffoli, 964 pessoas foram detidas desde o episódio e 465 fizeram acordos se declarando culpadas. Em seguida, ao discursar, Moraes afirmou ter ficado feliz com a informação: ‘Antes de dizer o que eu iria falar, fiquei feliz com a fala do ministro Toffoli porque, comparando os números (com o Brasil), ainda tem muita gente para prender e muita multa para aplicar’, disse Moraes.”
Naquele período, ministros do STF e do TSE fizeram uma série de eventos sobre o conceito de “democracia defensiva”, eventos que contavam com a participação frequente de magistrados e embaixadores alemães, pois é do universo jurídico da Alemanha do segundo pós-guerra que os brasileiros importaram a noção de “democracia defensiva”.
O germe da “democracia defensiva” acha-se no conceito correlato de “democracia militante” (streitbare Demokratie), cunhado pelo filósofo e exilado político alemão Karl Loewenstein. Em artigo publicado em 1937 na The American Political Science Review com o título “Democracia Militante e Direitos Fundamentais”, Loewenstein apontava as fragilidades institucionais da República de Weimar (e das democracias europeias em geral), que haviam permitido a ascensão de Hitler ao poder. Sua ideia, obviamente bem-intencionada, era fundar uma democracia pronta para a batalha contra os seus mais insidiosos inimigos, uma democracia dotada de mecanismos constitucionais robustos para resistir aos autocratas que, valendo-se dos mecanismos institucionais democráticos e do próprio voto popular, adquirissem meios de ação para solapar o mesmo sistema que lhes permitira ascender politicamente. A lógica do autor seria posteriormente consagrada no famoso “paradoxo da tolerância” de Karl Popper, segundo o qual não se pode ser tolerante com os intolerantes, e que foi citado ipsis litteris por Gilmar Mendes –muito familiarizado com o contexto jurídico germânico – no evento do TSE e da Embaixada da Alemanha.
O problema é que, também na Alemanha, e antes mesmo de Loewenstein, um outro autor havia concebido uma ideia análoga à de “democracia militante” ou “democracia defensiva”, conquanto não tivesse usado esses termos. E esse autor é ninguém menos que o já citado Carl Schmitt. Ainda que, graças à sua infame decisão de se juntar ao partido nazista em 1933, Schmitt possa parecer um expoente improvável da teoria da democracia militante, seus escritos mais importantes do período de Weimar constituem uma tentativa de mobilizar os recursos do Estado constitucional para defendê-lo de seus inimigos, internos e externos.
Com efeito, em 1932, antes de aderir ao nazismo, Schmitt argumentara explicitamente pela proibição tanto do partido de Hitler quanto do Partido Comunista. E o fez com base numa teoria constitucional inovadora e extremamente influente, cujo fundamento à ideia de democracia militante ou defensiva era mais sólido que o de Loewenstein.
Se a tese de Schmitt estiver correta, há um elemento irredutível de arbitrariedade em toda decisão sobre o que constitui ou não um “inimigo” da democracia
Como mostram os cientistas políticos Carlo Invernizzi Accetti e Ian Zuckerman em sua crítica à ideia de “democracia militante”, a noção-chave da tese de Schmitt é a de um “núcleo constitucional”, por ele definido como o “conteúdo político” da decisão original que “determina a totalidade da unidade política em relação à sua forma peculiar de existência através de uma única instância de decisão”. Esse núcleo se distingue das “leis constitucionais” específicas, cuja tarefa é determinar os “procedimentos formais” através dos quais a decisão política básica que institui a coletividade deve ser expressa.
Com base nessa distinção entre um núcleo constitucional e meras leis constitucionais, Schmitt afirmava que a República de Weimar estava experimentando um conflito entre a “substância política” e a “forma positiva” de sua constituição, uma vez que a força eleitoral dos partidos nazista e comunista ameaçava minar a “república burguesa” por meios formalmente legais “parlamentares”. Por essa razão, o autor recomendava explicitamente que o presidente da república utilizasse o artigo 48 da Constituição para invocar poderes de emergência e proibir tanto o partido nazista quanto o comunista, ainda que, estritamente falando, isso violasse o princípio isonômico incorporado na expressão positiva da Constituição de Weimar.
Eis a versão schmittiana da ideia de democracia militante ou defensiva. Seu argumento principal era o de que os poderes de emergência podiam ser invocados para justificar a restrição das liberdades democráticas, mesmo em violação da “lei constitucional” ordinária, desde que isso fosse destinado a defender o “núcleo” político da Constituição em si. Em outras palavras, Schmitt afirmava que a decisão sobre o que constitui uma ameaça à sobrevivência da ordem democrática é necessariamente uma decisão excepcional – ou, em última análise, política.
Se a tese de Schmitt estiver correta, há um elemento irredutível de arbitrariedade em toda decisão sobre o que constitui ou não um “inimigo” da democracia. Isso porque a decisão sobre quem excluir da possibilidade de participar do jogo democrático é, no fim das contas, uma decisão sobre as fronteiras da própria comunidade política, a qual não pode ser tomada de forma coerente por procedimentos democráticos e, portanto, não pode ser subsumida sob qualquer norma prévia. Por mais travestida de norma constitucional e preocupação democrática que ela apareça, a lógica “defensiva” é sempre uma questão de arbitrariedade política, cujo objetivo final, longe de proteger algum bem político consagrado, consensual e universal (incluindo a própria democracia), é o de redefinir a comunidade política e dela expurgar os elementos tóxicos – quer sejam os judeus, os kulaks, os burgueses ou... os bolsonaristas.
Flávio Gordon , Gazeta do Povo
Covil do Lula esvazia CPI contra os irmãos Batista
A oposição quer investigar a MP editada pelo governo Lula que afastou o risco de a Âmbar Energia, dos Batista, tomar um calote bilionário. (Foto: Reprodução
Partidos com cadeira na Esplanada de Lula têm pressionado deputados a não assinarem e até retirarem assinatura do pedido de instalação de CPI para investigar os suspeitíssimos negócios dos irmãos Joesley e Wesley Batista envolvendo o Ministério de Minas e Energia (MME). Só entre quarta (24) e quinta-feira (25), o autor do requerimento, deputado Ricardo Salles (PL-SP) recebeu três ligações de parlamentares que até assinaram, mas, pressionados, deram para trás e retiraram o nome.
PP e Republicanos, comandando um ministério cada, e PSD, chefiando outras três pastas, estão entre os partidos que arroxaram os deputados.
A oposição quer investigar a MP editada pelo governo Lula que afastou o risco de a Âmbar Energia, dos Batista, tomar um calote bilionário.
Também estão na mira as várias reuniões, omitidas da agenda oficial, entre executivos da empresa e membros do alto escalão do ministério.
Até a convocação de Silveira começa a subir no telhado, sob o risco de ficar só nos pedidos de informação e convite, que pode ser recusado.
Com Diário do Poder
quinta-feira, 25 de julho de 2024
'A hipocrisia democrata', por Marcel van Hattem
Joe Biden.| Foto: EFE/EPA/CAROLINE BREHMAN
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Joe Biden não tinha condição de ser candidato à reeleição. Os maiores líderes democratas já sabiam disso, agora está evidente. Mesmo assim, decidiram continuar com a farsa de uma primária no partido, conferindo-lhe a posição para enfrentar Donald Trump. Com apoio de milhões de americanos Estados Unidos afora, restava a Biden aceitar a indicação partidária na convenção democrata.
No entanto, antes disso, Biden passaria por um teste de fogo: o debate presidencial do final de junho, que tinha todo o indício de ser uma armadilha criada por fogo amigo. A performance do mandatário máximo dos Estados Unidos foi tão sofrível, tão vergonhosa e humilhante, que a dúvida deixou de ser se ele tinha condições de ser candidato, mas se, de fato, Biden exerce na prática a função que ocupa de direito.
A elite partidária preferiu empurrar com a barriga a decisão que era óbvia havia muito tempo – ou seja, dispensar Biden de ser candidato – e, ao mesmo tempo, forçar sobre as bases uma nova candidatura
Joe Biden não conseguiu articular várias frases, mostrou um aspecto físico fraco, cansado e confuso, e deu a Donald Trump a possibilidade de sair daquele debate não apenas como vitorioso mas como o único, entre os dois, capaz de liderar uma nação em meio a tantos desafios domésticos e internacionais. Ou seja, o Trump da polarização, da narrativa esquerdista do “disseminador de ódio”, da “extrema-direita”, saiu do evento televisionado, pela primeira vez na história, ainda antes das convenções partidárias, como um líder bem posicionado, firme contra as ideias do oponente sem ter, em nenhum momento, caçoado de sua debilidade.
Diante da reação generalizada de sua base após o debate desastroso, o Partido Democrata passou a exigir a renúncia de Joe Biden ao posto de candidato à reeleição para que Kamala Harris pudesse ser aclamada. O atentado frustrado à vida de Donald Trump na Pensilvânia, que gerou um fortalecimento da sua persona diante da solidariedade suprapartidária que recebeu, catalisou o processo de pressão sobre Joe Biden.
No último domingo, o atual presidente americano, em uma atitude absolutamente incomum, dizia que, apesar de estar à disposição para enfrentar a campanha e um novo mandato, entendia que era o melhor para o país e para o seu partido se deixasse a corrida presidencial.
Dentre os grandes nomes do Partido Democrata, incluindo o próprio Biden e a família Clinton, apenas os Obamas não apoiaram imediatamente a substituição do presidente por sua vice, Kamala Harris. Talvez porque Michelle também seja cotada. Não importa. O que de fato importa é que, apesar de toda a campanha primária que escutou as bases democratas ao longo de meses, a elite partidária preferiu empurrar com a barriga a decisão que era óbvia havia muito tempo – ou seja, dispensar Biden de ser candidato – e, ao mesmo tempo, forçar sobre as bases uma nova candidatura que não passasse pelo processo democrático pelo qual Biden e Trump passaram. Para um partido que acusa seus adversários à direita de serem antidemocráticos, não pode haver maior prova de hipocrisia.
Trata-se, na verdade, da confirmação de que as narrativas da esquerda, seja nos EUA, no Brasil ou no restante do mundo, são apenas maneiras de desgastar os adversários com mentiras ou meias-verdades, enquanto se beneficiam das táticas que acusam os outros de usar. A instrumentalização da Justiça nos Estados Unidos contra os suspeitos da invasão do Capitólio, o uso abusivo do Estado por meio do FBI para perseguir opositores como Donald Trump, e agora a própria decisão interna de suprimir a democracia partidária secular para impor aos americanos o candidato da elite do Partido Democrata são exemplos claros de como o autoritarismo e a ideologia tem se sobreposto também na esquerda americana aos preceitos éticos, do jogo limpo e do fortalecimento das instituições e da democracia.
Apesar de todos os movimentos da esquerda americana, Donald Trump segue à frente na maioria das pesquisas e dificilmente perderá as eleições. No entanto, o jogo sujo que vimos ser jogado no Brasil contra Jair Bolsonaro nas eleições de 2022 também está sendo jogado no berço da democracia contemporânea mundial. É revelador dos tempos sombrios em que vivemos, como a estratégia da esquerda de destruição moral e até mesmo física de seus adversários é global e, infelizmente, apesar de abertamente hipócrita, muito eficiente.
Diário do Poder
FHC, o cara que 'facilitou' a chegada de Lula e quadrilha ao Palácio do Planalto em 2002, sabotando a candidatura de Serra, fica em cima do muro e não declara o voto em São Paulo este ano
O tucano, figura histórica do PSDB decidiu manter o voto dele em sigilo
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), ficou em ‘cima do muro’ ao decidir que vai manter em sigilo o voto dele nas eleições municipais da cidade de São Paulo.
FHC não indicou apoio ao apresentador José Luiz Datena, pré-candidato à Prefeitura da capital paulista e filiado ao PSDB.
A informação foi divulgada pelo jornal Estado de São Paulo (Estadão).
O ex-presidente é uma figura histórica e ‘cortejada’ pelos pré-candidatos tucanos em São Paulo. FHC sempre declarou voto na capital paulista, onde tem o domicílio eleitoral.
O PSDB lançou candidatos em todas as eleições municipais em SP desde 1988.
Diário do Poder
quarta-feira, 24 de julho de 2024
'De Platão aos memes de Haddad: o humor ainda amedronta o poder', por Gabriel de Arruda Castro
Memes fazem graça com ministro da Fazenda, Fernando Haddad: produto da liberdade de expressão| Foto: Reprodução/X
Na União Soviética, dois russos debatem quem foi melhor: Stalin ou o presidente americano Herbert Hoover — que apoiou a Lei Seca no país.
“O Hoover ensinou os americanos a não beber”, diz um.
“Sim”, diz o outro, “mas o Stalin ensinou os russos a não comer”.
A piada foi compilada pelo sociólogo britânico Christie Davies (1941-2017), e é bom exemplo do humor subversivo dos soviéticos sob um dos regimes mais brutais da história.
Nem Stalin e seu regime de terror conseguiram apagar o humor político.
Mas não quer dizer que ele não tenha tentado e, em certa medida, conseguido impedir que o regime soviético fosse alvo de zombaria.
No Brasil, as piadas sobre a obsessão do governo federal com o aumento de impostos, que transformaram o ministro Fernando Haddad em "Taxa Humana", "O Taxador do Futuro" ou “A Menina que Taxava Livros”, tomaram conta das redes sociais nos últimos dias.
O governo e os militantes lulistas se irritaram, insinuando que tudo não passava de uma campanha organizada para desmoralizar o regime. O caso ressuscitou um debate quanto antigo quanto a própria democracia.
Reação desproporcional aos memes de Haddad
Militantes petistas e integrantes do governo reagiram de forma estridente às piadas sobre Fernando Haddad.
"Existe uma ação coordenada e profissional de produção e distribuição de memes do Haddad", disse Vinicios Betiol, um blogueiro de esquerda que tem mais de 150 mil seguidores na rede social X. O cientista político Christian Lynch falou em uma "campanha da extrema-direita".
O próprio chefe da Advocacia-Geral da União, Jorge Messias, sugeriu que o governo investigasse quem está por trás dos memes.
“Quem financia a indústria de memes? Seriam os mais humildes, contemplados na reforma tributária? Ou seriam os mais ricos, alcançados pela tributação depois de muitos anos de benefícios? Vale a reflexão. Acho que os mais pobres não gastariam seus recursos atacando quem os defende”, escreveu ele, na rede social x.
Mas, para humoristas ouvidos pela Gazeta do Povo, Messias e seus correligionários cometeram dois equívocos.
Humoristas criticam patrulha
O primeiro erro dos governistas foi confundir a articulação espontânea de internautas com um esquema profissional e centralizado. Hoje, com a inteligência artificial, é possível gerar imagens em segundos e vídeos em minutos, a custo zero. De acordo com a Folha de S. Paulo, um levantamento da agência Buzzmonitor concluiu que os memes com a figura de Haddad surgiram de forma espontânea, sem coordenação.
"Ou o governo não entende como a internet funciona, ou entende muito bem e está sendo apenas cínico", afirma o humorista Oscar Filho, que conversou com a reportagem da Gazeta do Povo.
"A pergunta que precisa ser feita aqui é sobre a indústria que está por trás dos memes a favor do governo e dos jornalistas extremamente preocupados com piadas na internet. Nada mais inorgânico e inautêntico do que pessoas criando memes agradecendo o fato de pagarem mais imposto, ou apoiando um ministro que opta por decisões impopulares", observa o cartunista André Guedes.
Em segundo lugar, ao emprestar a força do cargo para fazer insinuações sobre um esquema de produção de piadas, Messias apontou a mira sobre um determinado grupo de pessoas — que se opõem ao atual governo — num momento de ataques frequentes à liberdade de expressão.
"Eu não só acho que esse tipo de declaração possa acabar intimidando como já intimida. Muitos humoristas estão preferindo fazer outros tipos de piadas e de humor por conta desse clima esquisito de pode-não pode, deve-não deve", conta Oscar Filho. Ele próprio fez uma piada sobre o ímpeto arrecadador do ministro Fernando Haddad recentemente. "Pela lógica do Jorge Messias, ele está insinuando que eu estou sendo financiado por X ou Y. Que me paga pra ouvir piadas assim é o público que vai ao teatro e eu garanto que não são apenas pessoas de direita", afirma.
Messias não deu indícios de que pretenda mover alguma ação judicial. Mas não seria a primeira vez na História que um governo tentaria suprimir a sátira política.
O humor visto como ameaça
A tensão entre comediantes e os políticos existe desde a Atenas clássica, que reunia um bom número de ambos.
Platão, em sua "República", sugere que a poesia seja regulamentada para que não haja escárnio sobre o rei-filósofo ou as figuras sagradas. Ele não só pede que os “gracejadores” renunciem aos seus gracejos, mas defende que o rei-filósofo não possa ser retratado como alguém que ri.
Na voz de Sócrates, Platão propõe uma espécie de censura para assegurar que isso não aconteça.
Sócrates — Em verdade, porém, também não devem ser muito propensos ao riso. Pois, na maioria das vezes em que alguém se entrega a um riso excessivo, este lhe provoca uma transformação da mesma forma excessiva.
Adimanto — Parece-me que é assim.
Sócrates — Em consequência, é inadmissível que se representem homens dignos de estima sob o domínio do riso, e, pior ainda, se se tratar de deuses.
Mas a República de Platão era uma tirania em que até mesmo as crianças pertenciam ao Estado, e que talvez não tenha deixado muitas lições aplicáveis ao Brasil de hoje.
União Soviética foi terreno fértil para humor clandestino
Ditaduras tendem a não tolerar a sátira política porque, seja qual for a justificativa usada para o autoritarismo, ela precisa ser levada a sério em nome da sobrevivência do regime. Foi assim com a utopia de Platão (que nunca saiu do papel), é assim com tiranias modernas.
O ditador Getúlio Vargas, que perseguiu o humorista Apparício Torelly, e o regime militar, que censurou O Pasquim, tentaram usar a força para impedir que o governo fosse alvo de chacota. Os resultados foram dúbios.
Na União Soviética, o mercado editorial estava nas mãos do governo (e do Partido Comunista). Publicações que fizessem chacota com os líderes do regime precisavam operar de forma clandestina. Desobedecer as normas era correr o risco de ser preso. Em paralelo, uma rica tradição oral de piadas se desenvolveu.
Um dos mais influentes estudiosos do assunto, Christie Davies, escreveu que o comunismo oferece uma combinação de fatores unicamente propícia à sátira (ainda que clandestina). Isso explica a rica tradição de piadas sobre os líderes soviéticos (como a que abre esta reportagem).
"O comunismo gerou mais e mais piadas sofisticadas porque ele tentava controlar muito, materialmente e ideologicamente. Isso deu origem à possibilidade de piadas políticas sobre os absurdos da ciência e da história oficiais, e sobre sua ideologia detalhada e constantemente reinterpretada", ele afirmou, em um artigo publicado em 2007.
China tem departamento de censura
A tecnologia potencializou o humor, mas também deu novas ferramentas aos governantes para controlar a sátira política. Na China, a censura passa pelo Escritório Estatal de Informação da Internet, criado em 2011.
Além de bloquear qualquer influência ocidental que seja considerada nociva (incluindo o Facebook e o Instagram), o regime chinês monitora o que é dito nas plataformas autorizadas. Críticos do governo podem ser chamados para tomar chá com a polícia. Alguns não voltam para casa depois disso.
Em um artigo publicado em 2017, a pesquisadora Luwei Rose Lugiu mostra que as restrições no país levam os humoristas a censurarem a si próprios. "O governo chinês impõe políticas de censura convencionais nas redes sociais, e é impossível para os comediantes políticos evitarem a 'linha vermelha' para reduzir o risco político. A ameaça de censura faz com que os comediantes políticos se autocensurem, abandonem as suas criações e reduzam a sua produção”, escreveu Luwei, vinculada à Universidade Batista de Hong Kong. Em sua pesquisa, ela entrevistou uma dezena de humoristas chineses.
Luwei também observa que a tecnologia deu ao governo mais poder para censurar. “Os métodos e táticas utilizados pelas autoridades chinesas não são novos. Eles existiram no passado e são usados hoje em outros países autoritários. O que varia em diferentes épocas e lugares é a capacidade dos governos de exercerem o seu poder e a vontade das pessoas de usarem o seu poder para resistir", explica ela, que prossegue: "Com a sua tecnologia avançada e muitos recursos, o atual governo chinês é muito mais capaz de exercer o poder do que outros governos".
Léo Lins: a culpa é do ministro
Em entrevista à Gazeta do Povo, o comediante Léo Lins afirmou que a reação aos memes retratando Haddad é desproporcional e revela uma incompreensão sobre o humor na internet. "Vejo, nesse caso, uma preocupação mais política do que com o humor em si. Estão pressupondo que todos os memes não passam de uma estratégia elaborada e coordenada para difamar o ministro", disse ele.
Para Lins, que já foi alvo de dezenas de tentativas de censura direta ou indireta, trazer os memes para o centro do debate desvia o foco do que é mais importante. "Eu já sei quem é o responsável pelos memes do Haddad: o próprio Haddad! Se não tivessem criado tantas taxas, os memes não teriam sentido e, consequentemente, não seriam compartilhados", disse o humorista.
Na opinião do comediante, a popularidade das piadas envolvendo Haddad tem uma explicação simples: "Por que os memes do Haddad estão se proliferando? Simples, porque são engraçados! E porque, até agora, rir ainda é isento de imposto".
Humor se alimenta do autoritarismo político
Não é possível saber até onde o atual governo brasileiro está disposto a ir em nome do combate às "fake news", ao "discurso de ódio" ou o que vê como uma campanha orquestrada contra o ministro Fernando Haddad.
Mas, se a História tem alguma lição a oferecer, é esta: por vezes, a tentativa de coibir a sátira política tem o efeito inverso.
"A intenção é coagir, mas a tendência é que ocorra o famoso 'Efeito Streisand' - que é o esforço de censura resultando em uma divulgação ainda mais ampla da piada. Na verdade, isso já está ocorrendo nas redes - e quanto mais o governo e a imprensa chapa branca passarem recibo para memes, maior será o potencial de viralização da chacota", afirma André Guedes, para quem a postura do chefe da AGU no caso Haddad é um "tiro no pé".
Para Guedes, o episódio atual é apenas mais um em uma longa lista. "O humor é uma ferramenta de comunicação muito poderosa e, por isso mesmo, é tão temido - mas essa perseguição não é nenhuma novidade", afirma ele, que é um crítico de Lula e de Jair Bolsonaro.
Oscar Filho lembra que, no início do programa CQC, políticos o recebiam de braços abertos porque acreditavam que seriam bajulados. A postura mudou assim que eles perceberam que o tratamento seria diferente. O humorita critica as tentativas de "domesticar" a comédia. "O humor é marginal, sempre foi. O engraçado, o ridículo, o vexatório, o feio, o esdrúxulo sempre fez parte do humor porque na boa comédia não deve haver vaidade. Quando a vaidade entra na comédia, a excelência sai", comenta.
"Rir é uma reação incontrolável do corpo. Por isso, em governos autoritários, o riso se torna uma ameaça. Liberdades e individualidades são artigos de luxo quando o objetivo é controle: controlar a mídia, controlar a propaganda, controlar a linguagem e, por fim, até o pensamento", resume Léo Lins.
Gabriel de Arruda Castro, Gazeta do Povo
Pesquisas fora das capitais acendem alerta no covil do PT
Pesquisas têm registrado rejeição ao presidente Lula e aos nomes do PT (Foto: Ichiro Guerra/PT)
Os levantamentos de opinião pública divulgados esta semana chamaram atenção no PT e até mesmo no Palácio do Planalto. O partido de Lula tem perdido força nas capitais estaduais nas últimas eleições, mas até mesmo fora das capitais a desaprovação do governo do PT disparou. Dados do Paraná Pesquisas em Santos (SP), Niterói (RJ), Marília (SP), Lorena (SP) e Luziânia (GO) apontam que a desaprovação ao petista supera a aprovação. Em Marília, por exemplo, 65,1% rejeitam Lula.
Em Lorena, a rejeição ao governo Lula é de 59%; em Luziânia, 58,3%; em Niterói, 55,4%; e em Santos, 53,9%.
Tanto Tarcísio de Freitas (Rep-SP), quanto Cláudio Castro (PL-RJ) e Ronaldo Caiado (União-GO) são governadores de oposição.
A aprovação do governador Tarcísio em Marília é de 64,6%, em Santos é aprovado por 71% dos eleitores e em Lorena chega a 76%.
As pesquisas foram registradas no TSE sob os números SP-00440/24, GO-07673/24, SP-00464/24, SP-04676/2024 e RJ-08321/24.
Diário do Poder
terça-feira, 23 de julho de 2024
Dispara número de mortes de crianças indígenas, aponta relatório
Relatório mostra piora nos índices de violência contra indígenas
A edição deste ano do relatório Violência contra os Povos Indígenas no Brasil (dados de 2023) aponta que houve elevação de 24,55% no índice de mortalidade na infância, considerando óbitos de 0 a 4 anos.
Em 2022, o documento, que apurou os números junto ao Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), registrou 835 mortes de crianças indígenas. Em 2023, o número disparou e chegou a 1.040. Em 2023, além do SIM, o relatório também consultou o Sistema de Informação da Atenção à Saúde Indígena (Siasi).
O relatório foi elaborado pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi), vinculado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e com atuação desde 1972.
O Amazonas é o estado com mais casos de mortes na infância de indígenas em 2023, foram 295 registros. É seguido por Roraima, com 179, e Mato Grosso, com 124.
Veja a tabela abaixo:
(TEXTO ATUALIZADO ÀS 12H19 COM A NOTA DO MINISTÉRIO DOS POVOS INDÍGENAS)
Confira a íntegra da nota que o Ministério dos Povos Indígenas mandou ao Diário do Poder
Diário do Poder
Diretora do Serviço Secreto dos EUA renuncia ao cargo após a tentativa de assassinato de Trump
Kimberly Cheatle sofreu críticas sobre a atuação da organização no atentado contra Trump
Kimberly Cheatle, diretora do Serviço Secreto dos Estados Unidos, renunciou ao cargo nesta terça-feira (23), após críticas à atuação da organização durante o evento em que o ex-presidente e candidato à Presidência Donald Trump sofreu um atentado.
Na véspera, Cheatle participou de uma audiência no Comitê de Supervisão da Câmara dos Representantes para prestar esclarecimentos sobre o dia do atentado.
(Matéria em atualização)
InfoMoney