Cônjuges de aliados do presidente Lula se proliferam em cargos vitalícios em Tribunais de Contas — com a anuência do Judiciário e o dinheiro dos pagadores de impostos
A sessão plenária do último dia 13 da Assembleia Legislativa do Ceará contou com a presença do ministro da Educação, Camilo Santana. A votação, contudo, não era sobre nenhum projeto para o ensino público do país ou para o Estado nordestino. O aliado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva estava em Fortaleza para acompanhar algo de interesse meramente familiar. Diretamente da sede do Legislativo cearense, ele comemorou a aprovação de sua mulher, Onélia Santana, para o cargo de conselheira do Tribunal de Contas do Estado.
O resultado da votação, que foi secreta, foi de 36 deputados favoráveis à indicação — apenas cinco votaram contra. Esse tipo de conduta seria impraticável em países de Primeiro Mundo. Mas não é o caso do Brasil. Para se ter ideia, Onélia é só mais um exemplo de algo que está em alta no mercado de trabalho desde que o PT voltou ao poder. Com a aprovação, ela se tornou a quinta mulher de ministro a ter status de conselheira de um Tribunal de Contas. Onélia assumiu o cargo independentemente da aptidão profissional e da formação acadêmica, visto que ela é médica e psicopedagoga.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva entre o casal Onélia e Camilo Santana. Ela é a mais nova conselheira do Tribunal de Contas do Estado do Ceará | Foto: Reprodução/Instagram
E não para aí. Conselheira do Tribunal de Contas dos Municípios da Bahia e casada com o titular da Casa Civil, Rui Costa, Aline Peixoto é enfermeira. Em Alagoas, Renata Calheiros, cônjuge de Renan Filho, que comanda o Ministério dos Transportes, é formada em administração e tem especialização em liderança em desenvolvimento da primeira infância. A lista se completa com a administradora de empresas e bacharel em Direito Rejane Dias, no Piauí, e a delegada aposentada e também bacharel em Direito Marília Góes, no Amapá. Elas são casadas com os ministros Wellington Dias (Desenvolvimento Social) e Waldez Góes (Desenvolvimento Regional), respectivamente.
O povo paga a conta
Os casos de Onélia, Aline, Renata, Rejane e Marília compartilham outras similaridades. Antes de se tornarem ministros de Lula, por exemplo, os maridos foram governadores por dois mandatos consecutivos — justamente nos Estados onde as mulheres passaram a ser conselheiras. A estabilidade, comum no funcionalismo público, é outra similaridade na carreira do quinteto. Afinal, os cargos para os quais foram eleitas são vitalícios, o que as impede de ser demitidas até se aposentarem de forma compulsória, ao completarem 75 anos. Outro ponto em comum são os vultosos salários. O mais baixo é o de Renata, que ganha R$ 35,4 mil por mês. Na outra ponta está Aline Peixoto, com R$ 41 mil. Assim como em qualquer outro cargo público, seja de concursado ou não, o dinheiro sai do bolso dos pagadores de impostos.
A soma dos salários das cinco conselheiras representa um gasto mensal de quase R$ 200 mil. Por ano, o valor ultrapassa os R$ 2,3 milhões. Uma vez no primeiro escalão do governo federal, os maridos recebem pouco mais de R$ 46 mil.
Onélia Santana é mulher do ministro Camilo Santana (Educação) e conselheira do Tribunal de Contas do Estado do Ceará desde dezembro de 2024, com salário de R$ 39,7 mil | Foto: Reprodução/Instagram/@onelialeitesantanaDe acordo com a economista Marina Helena, tal situação não deve ser normalizada. “A farra das mulheres de ministros nos Tribunais de Contas estaduais, que servem para fiscalizar as contas dos Estados, não para”, afirmou ela, que é filiada ao Partido Novo e foi secretária especial de Desestatização e Desinvestimento durante parte do governo Jair Bolsonaro.
“Aparentemente, ter ‘mulher de ministro do Lula’ no currículo é o maior diferencial.” Um dos poucos deputados estaduais do Ceará que tiveram coragem de se opor à indicação da mulher de Camilo Santana para o Tribunal de Contas do Estado, Carmelo Neto (PL) lembrou que a função do órgão é, sobretudo, fiscalizar os gastos do Poder Executivo local. Trabalho esse que, de acordo com o parlamentar, pode ser comprometido com esse tipo de indicação.
“O TCE fiscaliza o governo e as prefeituras”, enfatizou Carmelo, em postagem no X. “Como é que Onélia vai ter independência para julgar as contas do Elmano [de Freitas, atual governador do Ceará], de quem ela é secretária, e do marido, ex-governador Camilo Santana? A farra precisa acabar.”
Antes de se tornar conselheira, Onélia trabalhava como secretária de Proteção Social da gestão de Elmano, que, assim como o marido dela, é filiado ao Partido dos Trabalhadores. Agora, com o nome validado pela Carmelo Neto @carmelonetobr · Seguir A mulher do Camilo foi indicada pro TCE: cargo vitalício e 40 mil por mês. E o pior?
O TCE fiscaliza o governo e as prefeituras
Como é que Onélia vai ter independência pra julgar as contas do Elmano, de quem ela é secretária, e do marido, ex-governador Camilo Santana? Vou… Assembleia Legislativa, trocará o Poder Executivo pelo Tribunal de Contas do Estado. Judiciário lava as mãos Apesar de tanto Marina Helena quanto Carmelo Neto denunciarem como “farra” a prática cada vez mais comum de mulheres de ministros se tornarem conselheiras de Tribunais de Contas, o Poder Judiciário tem dado aval para esse tipo de indicação.
No caso mais recente, protagonizado pelo casal Camilo-Onélia, a Justiça cearense negou uma ação popular contra a presença da mulher do ministro da Educação no órgão. Em relação à indicação de Onélia, o advogado Antônio Carlos Fernandes, responsável por mover a ação popular, indagou se a companheira de Camilo detém “notório conhecimento jurídico, econômico, financeiro e contábil” para exercer o cargo. No entanto, para a juíza Lia Sammia de Souza Moreira, da 3ª Vara Pública de Fortaleza, a indicação foi legítima.
De acordo com a magistrada, Onélia “goza de respeitável currículo”. O Judiciário também lavou as mãos no caso de outra indicação, que envolveu a mulher de um aliado do presidente Lula. Casada com o governador do Pará, Helder Barbalho (MDB), a advogada Daniela Lima Barbalho foi eleita conselheira do Tribunal de Contas do Estado em março de 2023. De lá para cá, recebe o salário mensal de R$ 35,4 mil — além de ter a certeza de que seguirá na função por quase três décadas.
A nomeação de Daniela despertou a ira em parte do Ministério Público Federal (MPF). À Procuradoria-Geral da República (PGR), procuradores lembraram que, em suma, a tarefa da conselheira é supervisionar o trabalho do próprio marido. Violação dos preceitos constitucionais e indícios de nepotismo foram alguns dos problemas apontados.
“O currículo da primeira-dama não demonstra que ela tenha qualquer competência ou atuação em área contábil, econômica e financeira, que constituem a capacidade técnica exigida e elementar ao regular exercício do cargo”, afirma um trecho da representação contra Daniela entregue à PGR. “As Constituições também impõem, como requisito para conselheiros de contas, mais de dez anos de exercício de função ou de efetiva atividade profissional que exija esses conhecimentos.”
Apesar da reclamação por parte de procuradores do MPF, a Justiça não viu problema algum com o fato de a primeira-dama do Pará ter de supervisionar o trabalho do marido. Ao validar a indicação de Daniela para o Tribunal de Contas, o desembargador Mairton Marques Carneiro, do Tribunal de Justiça paraense, se limitou a afirmar que o afastamento dela da função provocaria “enorme prejuízo” ao Estado.
Governo Lula
Poder Judiciário Alexandre de Moraes Partido dos Trabalhadores (PT) 2 comentários Assine ou cadastre gratuitamente para comentar Dessa forma, com a anuência do Judiciário e sem contestações por parte do governo federal, mulheres de aliados de Lula vão se proliferando em Tribunais de Contas estaduais. É a comprovação de que, num governo em que nem as moedas jogadas nos espelhos d’água dos palácios de Brasília escapam de entrar para o caixa do Tesouro Nacional, os donos do poder podem tudo. Sorte das companheiras deles. Azar do povo, que, como sempre, paga a conta.
Revista Oeste