O renascimento do catolicismo nos EUA influenciou as eleições de 2024, ajudou a reeleger Donald Trump e agora começa a derrotar a cultura woke
E m eleições presidenciais nos Estados Unidos, o voto evangélico sempre foi o mais confiável para candidatos republicanos conservadores. Esse voto, regularmente, vinha em massa com evangélicos brancos apoiando o candidato pró-vida por uma margem de dois terços ou mais. Para este ano, em uma das eleições mais importantes da história dos EUA, os católicos desempenharam um papel crucial na vitória de Donald Trump e J. D. Vance, redefinindo um mapa eleitoral importante na sociedade americana. A impressionante vitória do republicano demarcou um realinhamento demográfico na política da América. Os números de católicos que votaram em Trump são extraordinários. Uma pesquisa da NBC News mostra que, nacionalmente, os católicos preferiram Trump-Vance em vez de Harris-Walz por impressionantes 58% a 40%. Entre os católicos brancos, a margem foi de 61% a 35%. A pesquisa do Washington Post mostra 56% contra 41%.
Donald Trump foi eleito presidente dos Estados Unidos em 2024 e retorna ao cargo a partir de 2025 | Foto: Gage Skidmore/FlickAs margens nos estados decisivos foram igualmente extraordinárias. De acordo com dados coletados e publicados pela organização CatholicVote, os católicos em Michigan votaram em Trump por uma espantosa diferença de 20%. Na Pensilvânia, os católicos também foram decisivos para Trump, por 14%. Em Wisconsin, a diferença foi de 16%. Na Carolina do Norte, de 17%. Na Flórida, estado com enorme concentração de latinos, aqueles que “deveriam odiar Donald Trump”, a margem foi estarrecedora: 29%. Em estados onde a margem de vitória de Trump foi de apenas 1% a 2%, os votos católicos fizeram a diferença. Brian Burch, do CatholicVote, definiu o resultado desta forma: “Os eleitores católicos desempenharam um papel decisivo na vitória histórica de Donald Trump e J. D. Vance.
Os números são impressionantes e provam ser a maior margem entre os católicos em uma corrida presidencial em décadas”. De acordo com o Washington Post, Trump teve a maior vitória entre os católicos para qualquer candidato desde o início das pesquisas de boca de urna, em 1972. A pergunta é se Donald Trump uniu católicos organicamente em torno de sua campanha, ou se ele moldou sua plataforma governamental diante do recente despertar de um movimento religioso na Igreja Católica Americana. Não importa.
O fato é que não seria exagero atestar que os católicos pesaram a balança significativamente para a vitória de Donald Trump no colégio eleitoral e no voto popular, exatamente por haver uma reação benigna dentro da própria Igreja em solo americano. As duas campanhas tentaram alcançar esses eleitores durante a corrida eleitoral, especialmente nos estados indecisos fortemente católicos no centro-oeste do país. No entanto, a campanha de Trump focou sua mensagem no apelo direto de uma das maiores preocupações desse eleitorado — a liberdade religiosa e a proteção dos princípios católicos que hoje são comprometidos pelas agendas políticas de alguns países, inclusive o Brasil.
Vice-presidente dos EUA, Kamala Harris reconhece a vitória na eleição presidencial dos EUA de 2024 para Donald Trump, na Universidade Howard, em Washington (6/11/2024) | Foto: Hannah McKay/ReutersKamala Harris ignorou os sinais de que os católicos estavam fartos da perseguição religiosa, inclusive pelo FBI de Biden, e decidiu apostar na retórica sobre “o caráter de Trump” e a “ameaça que ele representava para a democracia”. Quando sua campanha percebeu o erro, já era tarde demais. Uma pesquisa da Associated Press apontou que os eleitores católicos confiaram mais em Trump do que em Harris para que sua religião fosse protegida, mas também na questão da imigração por uma vasta margem de 25 pontos (57% a 32%), e na questão da economia por uma margem de 19 pontos (55% a 36%).
Erros em série
Para os católicos, um dos grandes erros de cálculo de Harris foi não ter comparecido ao tradicional jantar da igreja Al Smith (Alfred E. Smith Memorial Foundation Dinner). O jantar, que acontece desde 1945 em homenagem ao governador católico de Nova York, Alfred E. Smith, tornou-se uma tradição que reúne anualmente a elite política empresarial e militar dos Estados Unidos para arrecadar fundos para várias instituições de caridade católicas. O Al Smith Dinner tem sido uma plataforma crucial para se envolver com eleitores católicos e demonstrar uma disposição para encontrar pontos comuns, mesmo nas questões mais divisivas. O não comparecimento de Harris acabou ressaltando o crescente problema do Partido Democrata com o eleitorado cristão.
Outro erro gigantesco dos apoiadores de Harris veio da governadora de Michigan — um dos estados-pêndulo na eleição de 2024. Gretchen Whitmer, usando um boné “Harris/Walz”, postou um vídeo bizarro dela mesma colocando um Doritos na língua de uma podcaster feminista de joelhos, fazendo chacota com a hóstia e a comunhão católica. O vídeo, pela qual Whitmer foi obrigada a emitir um longo pedido de desculpas para conter danos à campanha de Harris, espalhou-se rapidamente pelas plataformas digitais, atraindo pesadas críticas de toda a divisão política católica, incluindo uma repreensão fortemente formulada pelos bispos de Michigan. Os eleitores católicos no estado deram o recado e votaram esmagadoramente em Trump no dia da eleição, dando a vitória ao republicano por uma margem de 20 pontos.
O fato é que, mesmo em um país majoritariamente protestante, a força da atual Igreja Católica nos Estados Unidos é clara e robusta, principalmente entre jovens que estão comparecendo em massa em missas tradicionais e em latim. A principal demanda do eleitorado católico é o combate à depravação da sociedade americana e da agenda woke antifamília, antirreligião e abortista. E o silêncio não tem sido a opção de muitos dentro da Igreja.
Outro nome que tem elevado a resistência católica contra a cultura woke e seus nefastos derivados é do bispo Robert Barron — um verdadeiro fenômeno conservador nas plataformas digitais que tem trazido legiões de fiéis de volta para a doutrina católica. O bispo é pop Evangelista e fundador do Word on Fire Ministries, sua plataforma de evangelização, Baron é o bispo de uma diocese de médio porte no estado de Minnesota, mas que, por meio de sua presença na internet e rádios, estabeleceu há algum tempo um reavivamento religioso de proporções globais.
O bispo tem mais de 1 milhão de assinantes no YouTube, mais de 3 milhões de seguidores no Facebook e 520 mil ovelhas no Instagram. Embora sua postura não seja de um popstar, Baron tem a atenção de intelectuais conservadores, autoridades e até artistas de Hollywood.
Baron já foi entrevistado por nomes como Jordan Peterson, e tem desempenhado um papel crucial na Igreja Católica Americana contra os malignos preceitos da Teologia da Libertação, tão disseminada no Brasil. Bishop Baron, como é carinhosamente conhecido por milhões de jovens, tornou-se uma das primeiras vozes católicas a se opor ao crescente niilismo e à retórica anti-cristã na cultura americana dos últimos anos.
E seu trabalho tem dado frutos preciosos. À medida que a demanda por explorações mais substanciais da fé aumentou, o bispo expandiu-se para estudos bíblicos, palestras acadêmicas, lições teológicas e documentários históricos sobre santos que ajudaram a moldar a religião católica. Sua abordagem é casual, mas não tenta simplificar a linguagem teológica — o vocabulário em latim é salpicado em seus diálogos e sua mente é um catálogo de referência quase abrangente para citar documentos do Vaticano e seus significados na vida cotidiana
O bispo que atrai jovens conservadores que buscam os ritos tradicionais fala sobre debates morais controversos — aborto, ideologia de gênero, pena de morte. Ele assume o tom de um pai simpático, mas severo, muito inspirado em um de seus maiores exemplos, o papa João Paulo II. Em suas pregações, não há ásperas repreensões à oposição, mas ainda menos negociações sobre princípios fundamentais da doutrina católica. Essa disposição acessível — mas intransigente — pode ser a fonte do sucesso espantoso de seu ministério. Barron é hoje um dos vários líderes religiosos católicos nos EUA que vasculham os escombros deixados pela ascensão e declínio de um movimento particularmente antirreligioso nas décadas anteriores: “Acho que a onda ‘Novo Ateísmo’ veio e se foi.
Deixou para trás muitas pessoas muito infelizes e sem direção”, diz o Bispo. A reação católica Os números da reação católica nos EUA são impressionantes. Algumas dioceses americanas relatam que as entradas na Igreja aumentaram de 50% até 70%. Baron vê as conversões e o interesse renovado no cristianismo como o início de uma mudança cultural que manifestará frutos mais tangíveis no futuro.
s convertidos católicos modernos frequentemente apontam para os atributos distintivos da Igreja como uma grande influência em sua decisão de explorar a fé — liturgia universal, doutrina firmemente definida, disciplina, hierarquia institucional e uma tradição teológica que pode ser rastreada até o tempo de Jesus Cristo. Isso acontece depois de décadas de influência de um protestantismo evangélico mais individualista no Partido Republicano que, entre outras coisas, abraçou fortemente a liberdade individual e o capitalismo de livre mercado, abrindo espaço para negociações teológicas e religiosas “para o bem comum”. A brecha foi espertamente usada para o plantio das sementes da “tolerância e amor” da cultura woke.
Por isso, a escolha de Trump para seu parceiro de chapa foi um recado não apenas ao eleitorado católico, mas cristão. J. D. Vance não é só mais um convertido que fala eloquentemente sobre a vida e a fé. Ele é o primeiro político católico de alto escalão executivo em muito tempo que expressa sem constrangimentos sua doutrina – um convertido que não resmunga nem pede desculpas por ser homem, heterossexual, marido, pai e religioso. Vance traduz os ensinamentos cristãos em palavras que as pessoas em qualquer lugar podem entender: “O casamento é lindo, ter bebês é mais lindo ainda, a pornografia destrói o amor, precisamos cuidar melhor uns dos outros, precisamos alimentar a nossa fé, não somos nada sem o amor de Deus”.
Mas não é apenas com J. D. Vance que a ala católica mostra sua reação e força na próxima administração. Trump já escolheu 12 nomes católicos para seu gabinete. Entre eles estão Robert Kennedy Jr, nomeado secretário de Saúde e Serviços Humanos; o senador Marco Rubio, como secretário de Estado; Elise Stefanik, como embaixadora nas Nações Unidas; John Ratcliffe, diretor da Agência Central de Inteligência (CIA); e Tom Homan, o novo chefe das fronteiras americanas (Border Czar).
Trump já escolheu 12 nomes católicos para seu gabinete | Foto: ReproduçãO recado dos números do eleitorado católico nesta eleição foi histórico — a agenda proposta pelos democratas e pela esquerda vai contra todos os pilares americanos. Todos, sem exceção. Por essas e outras razões, milhões de católicos se uniram a Trump e contra Harris. É claro que havia outras razões políticas mais convencionais, incluindo o principal fator citado pelos americanos em geral para preferir Trump: a economia. Também havia a política externa ou de fronteiras.
Ou mesmo questões como o “fracking” na Pensilvânia que levaram os católicos operários da indústria da extração de gás e petróleo a votarem em Trump e se afastaram de Harris. No entanto, acredita que houve um fator particularmente especial para os católicos e os cristãos de maneira geral que pode ter pesado consideravelmente na hora do voto Depois do histórico 13 de julho de 2024, data em que Trump quase foi assassinado ao vivo, o agora presidente eleito repetiu de maneira incisiva que foi Deus que decidiu poupar sua vida. Trump demonstrou várias vezes em comícios e entrevistas que estava convencido de que a Providência Divina o salvou.
Um dos homens mais poderosos do mundo, que nunca baixou o tom de voz e nunca se emocionou na frente das câmeras, foi claramente afetado por aquele evento. Donald Trump raramente se apoiou na humildade em sua vida pública. Nessa trajetória, sua fé foi testada e a prova concebida de que apenas um milagre fora do plano terreno poderia ter preservado sua vida. Um encontro com a morte pode mudar um político, mas foram as mãos de Deus que protegeram o homem e sua nação.
A Descida do Espírito Santo, de Ticiano (1488-1576), na Igreja de Santa Maria della Salute, em Veneza, na Itália | Foto: ShutterstockAna Paula Henkel, Revista Oeste