quinta-feira, 28 de fevereiro de 2019

Decisão sobre megaleilão do pré-sal não passará pelo Congresso

O governo desistiu de utilizar um projeto de lei para resolver a revisão do acordo firmado entre a União e a Petrobrás em 2010 para explorar 5 bilhões de barris de petróleo em áreas da Bacia de Santos, sem licitação. O imbróglio, que se arrasta há anos, será resolvido entre as próprias partes sem ter que passar pelo Congresso Nacional, com base na legislação e em normas que já estão em vigor, segundo apurou o Estadão/Broadcast.
Esse acordo é chamado de cessão onerosa. A Petrobrás pagou, em 2010, R$ 74,8 bilhões para explorar esse petróleo. A expectativa do governo federal é que a área pode ter outros 6 a 15 bilhões de barris, que poderia render até R$ 100 bilhões aos cofres públicos. O Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) definiu nesta quinta-feira que o leilão será no dia 28 de outubro.
ctv-vlr-pre-sal-marcosdepaulaesatdao
A cessão onerosa foi fundamental no processo de capitalização
da Petrobrás, em 2010 Foto: Marcos de Paula/Estadão
A desistência de esperar aval do Congresso para destravar a revisão do acordo de cessão onerosa representa uma vitória dos técnicos do governo e do Tribunal de Contas da União (TCU). A corte de contas já havia deixado claro que o projeto de lei era desnecessário e que atrapalhava as negociações. Além disso, o TCU sinalizou que a revisão e o leilão seriam alvo de fiscalização independentemente dos critérios colocados e eventualmente aprovados no projeto de lei.
A revisão do contrato da cessão onerosa ainda está em negociação, mas deve ser concluída em breve. Para realizar a licitação, é fundamental fechar, antes, o acordo de revisão com a Petrobrás.
Ao longo do ano passado, depois de um impasse com a Petrobrás na discussão da revisão, o governo decidiu se articular com parlamentares para definir os critérios dessa negociação por meio de uma lei. Havia um temor de que a revisão pudesse ser questionada pelo TCU, o que poderia expor técnicos a processos na corte de contas, já que o contrato original teria sido mal redigido e daria margem para interpretações diferentes.
A proposta final chegou por meio de uma emenda do deputado Fernando Coelho Filho (DEM-PE), ex-ministro de Minas e Energia, numa tentativa de obter uma redação mais clara para os pontos em que não havia consenso, afastar “zonas cinzentas” do contrato e dar conforto para que os servidores assinassem a revisão sem questionamentos futuros. 
Técnicos do governo, no entanto, consideravam o projeto de lei inconstitucional, já que alterava um ato jurídico perfeito, determinando a revisão de um contrato firmado voluntariamente entre as partes sem anuência das mesmas e de um modo diferente do acordado. 
Para fontes consultadas pela reportagem, o projeto de lei concedia benefícios não precificados para a Petrobrás, o que poderia configurar transferência indevida de renda aos acionistas privados da companhia. Por outro lado, ele também abria brechas para uma nova uma revisão contratual, o que poderia até mesmo vir a prejudicar a Petrobrás no futuro.

Congresso

Aprovado pela Câmara no dia 4 de julho, o texto tramitou por meses no Senado, mas não foi aprovado. Houve tentativa de pautá-lo novamente neste anos nas comissões temáticas, mas isso não se confirmou.
No fim do ano passado, governadores se articularam para pedir aos senadores que incluíssem no projeto de lei a divisão do bônus de assinatura com Estados e municípios. O governo chegou a estimar que arrecadaria R$ 100 bilhões com o leilão. 
O então futuro ministro da Economia Paulo Guedes sinalizou que aceitava dividir o dinheiro, mas o então ministro da Fazenda Eduardo Guardia disse que isso não seria possível devido à emenda constitucional do teto de gastos. 
Na época, o então presidente do Senado Eunício Oliveira (MDB-CE) ameaçou entrar com Ação Indireta de Inconstitucionalidade (ADI) junto ao Supremo Tribunal Federal (STF), caso houvesse aval à revisão sem consulta ao Congresso. Depois, o governo decidiu deixar o tema para 2019.
O projeto de lei estabelecia que as cláusulas tributárias deveriam seguir estritamente a legislação brasileira. O texto permitia que a União pagasse a Petrobrás com dinheiro ou óleo – hoje, isso só pode ser feito com dinheiro. Mesmo com a possibilidade aberta pelo projeto de lei, a intenção da equipe econômica era pagar os valores em dinheiro, com a contabilidade passando pelo Orçamento da União.
O projeto de lei permitia ainda que a Petrobrás vendesse até 70% dos 5 bilhões de barris a que tem direito na área para outras empresas. A proposta também dispensava os consórcios dos quais a Petrobrás participa de seguir as regras da Lei das Estatais para a compra de itens, produtos e serviços. Isso liberaria os consórcios para aquisições a partir de convite a uma lista de fornecedores. 

Leilão

O CNPE decidiu que o leilão do óleo excedente será realizado pelo modelo de partilha, modelo usado no pré-sal, que prevê que a União fique com parte da produção. O bônus de assinatura será fixo, e vence a disputa aquele que oferecer o maior porcentual de óleo-lucro à União. Esses critérios, segundo o MME, serão definidos em uma nova reunião do conselho, no fim de março. 
As áreas ofertadas no leilão serão as de Búzios, Itapu, Sépia e Atapu, que possuem barris excedentes. Nessas áreas, a Petrobrás vai utilizar o regime de cessão onerosa, e as outras empresas vão explorá-las pelo modelo de partilha. Será preciso entrar em acordo com a Petrobrás para unitizar as áreas e definir o ritmo de exploração. As outras petroleiras também deverão indenizar a companhia pelos investimentos já realizados. 

Já as áreas de Sul de Lula e Sul de Sapinhoá, que não possuem potencial de excedentes, ficarão com a Petrobrás e serão exploradas exclusivamente pelo regime de cessão onerosa.

Anne Warth, O Estado de S.Paulo