Em entrevista ao GLOBO em Brasília, o presidente da Assembleia Nacional (AN) da Venezuela, Juan Guaidó, autoproclamado por ela presidente interino em 23 de janeiro, não descartou alternativas até agora não mencionadas, como a inclusão do presidente Nicolás Maduro num processo de anistia a militares e civis. Rejeitou, no entanto, a realização de novas eleições com Maduro ainda no poder.
Depois de um dia de reuniões em Brasília, entre elas com o presidente Jair Bolsonaro (PSL) — que nesta quinta-feira cogitou uma eventual conversa com Maduro —, o presidente da AN reafirmou sua decisão de voltar para a Venezuela, mesmo assumindo o risco de uma detenção. De Brasília, Guaidó irá nesta sexta-feira para o Paraguai e o mais provável, disseram seus colaboradores, é que a entrada em solo venezuelano ocorra pouco depois. O plano não é passar para a clandestinidade e sim continuar exercendo suas funções e liderando a ofensiva opositora.
A última reunião do Grupo de Lima, em Bogotá, deixou a sensação de que a oposição não conseguiu o que esperava do Brasil e do bloco e por isso o senhor decidiu vir a Brasília. Foi assim?
O Brasil respalda de forma contundente e democrática o processo constitucional que vive a Venezuela. Temos de destacar esse apoio muito sólido do presidente Bolsonaro. A Venezuela vive uma situação atípica, de violência, um governo que persegue jornalistas como aconteceu nos últimos dias com Jorge Ramos [da emissora de TV americana Univisión] e como acontece todos os dias com políticos, sindicalistas, entre outros. Isso é muito importante ressaltar. Em segundo lugar, a Venezuela vem construindo maiorias, vem se mobilizando, fortalecendo seus partidos políticos, estamos mobilizados e vamos continuar mobilizados. Isso é central em todo este processo. Precisamos do respaldo internacional à mobilização para conseguir o fim da usurpação. O respaldo que conseguimos nesta quinta-feira aqui no Brasil, que já tínhamos, é fundamental.
Mas Bogotá não deixou certa decepção?
A diplomacia mundial está em jogo. Uma ditadura deste tipo, com um presidente encarregado que está exercendo suas funções para recuperar a democracia, é tudo muito inédito e hoje todos estamos sendo testados. Claro que nós em primeiro lugar. Acho que [em Bogotá] houve um respaldo à nossa soberania com respeito, não se descartou nenhuma opção. Estamos construindo forças para substituir uma ditadura que o mundo já viu como queima alimentos e remédios quando os venezuelanos morrem de fome. Vimos que o bloqueio são eles mesmos que fazem. Isso é uma construção, dentro e fora da Venezuela.
O que o senhor veio buscar em Brasília?
Justamente construir forças para terminar com a usurpação, mas também pensar no futuro, em como atender a emergência humanitária, garantir o fluxo de remédios e alimentos. Vim falar do presente e do futuro, da cooperação necessária.
“"Não descartamos nenhuma opção para conseguir o fim da usurpação de poder, sem custo social e com estabilidade. Sempre dirigido pela Venezuela"”
A oposição está deixando de falar em intervenção e passando a usar o termo cooperação. O que isso significa?
Quem fala em intervenção é Maduro. Ele quer criar um falso dilema entre guerra e paz. Todos queremos a paz, quem fala em guerra é Maduro porque sabe que a única coisa que lhe resta é a força.
O senhor descarta a participação de estrangeiros numa eventual ação dentro da Venezuela?
Estamos construindo todas as capacidades necessárias para conseguir o fim da usurpação, essa é nossa meta. Queremos uma eleição no curto prazo, sem custo social e que nos dê estabilidade. Não vou falar nesse dilema entre guerra e paz.
Mas isso não responde à pergunta. Reitero, o senhor descarta a presença de estrangeiros numa força que possa atuar na Venezuela para conseguir uma mudança no país?
Já o dissemos muitas vezes e não quero que a opinião pública se confunda, tudo isso é muito delicado. Este é um processo que depende da mobilização dos venezuelanos, do que nós possamos fazer. Mas não descartamos nenhuma opção para conseguir o fim da usurpação de poder, sem custo social e com estabilidade. Sempre dirigido pela Venezuela. Faremos tudo o que for necessário para terminar com a usurpação.
Poderia ser invertida a ordem dos fatores, ou seja, ter eleições com Maduro ainda no poder?
Para que existam eleições livres deve haver fim da usurpação.
Maduro deve sair primeiro?
Já iniciamos um processo de transição, já nos reunimos com o Banco Interamericano de Desenvolvimento para falar do futuro, falamos do futuro aqui também. Mas sabemos que não ocorrerá uma transição real com Maduro no poder. O ideal para que termine a usurpação é que saia Maduro e sejam convocadas eleições livres.
O vice-presidente do Brasil, general Hamilton Mourão, defendeu a necessidade de encontrar uma saída para Maduro. O senhor concordaria, por exemplo, com a inclusão de Maduro na Lei de Anistia aprovada pela AN?
Na Venezuela temos sangue, massacres a indígenas, boicote à ajuda humanitária, mas a anistia está sobre a mesa e ela pode incluir todos os funcionários civis ou militares que favoreçam o processo de fim da usurpação, governo de transição e eleições livres. Aqui o importante é gerar estabilidade, atender as necessidades do povo e melhorar as relações com o mundo.
Inclusive Maduro?
Sim, claro, todos os funcionários que acompanhem o processo de fim da usurpação, transição e eleições. Todos estarão sujeitos a um processo de revisão. Maduro incluído.
Bolsonaro disse que estaria disposto a dialogar com Maduro.
Não soube dessa declaração, mas todos os presidentes e todos os países do mundo que participam do processo podem fazer todas as gestões que quiserem, todas serão bem-vindas.
Janaína Figueiredo e Eliane Oliveira, O Globo