O autoproclamado presidente interino da Venezuela, Juan Guaidó, afirmou nesta quinta-feira (28) que "violações de direitos humanos não são anistiáveis", mas acenou aceitar um processo de reconciliação nacional e de diálogo que leve à saída do ditador Nicolás Maduro.
"Temos falado de anistia e garantias aos militares que se ponham do lado da Constituição. Temos falado de anistia e garantia a civis que respeitem o processo democrático, temos falado de justiça de transição", disse Guaidó após um pronunciamento ao lado do presidente Jair Bolsonaro, em Brasília.
"São temas muito polêmicos em qualquer processo, porque também está o lado das vítimas das violações de direitos humanos. Violações aos direitos humanos não são anistiáveis. Isso não está no cenário", acrescentou.
Guaidó respondeu à pergunta de uma jornalista sobre se concordava com a opinião vocalizada pelo vice-presidente do Brasil, Hamilton Mourão, de que é necessário oferecer uma "porta de saída" para Maduro.
Segundo o vice disse a interlocutores, apenas a anistia oferecida até agora por Guaidó é insuficiente para convencer os militares mais próximos a Maduro a abandoná-lo.
O líder oposicionista citou ainda as transições ocorridas no Chile pós-Pinochet e na própria Venezuela, em 1958, quando a ditadura de Marcos Pérez Jiménez terminou, para argumentar que o objetivo central de uma mudança de regime deve ser "gerar governabilidade que permita atender à crise e ao cidadão".
"O que não podemos fazer é viver com ressentimentos, porque eles nos prenderiam a um passado e a um presente muito tortuosos", afirmou.
Questionado se ainda havia espaço para diálogo com Maduro, Guaidó disse que foram estabelecidas sucessivas mesas de negociação nos últimos anos, mas que o chavismo nunca deu condições para que eleições livres fossem celebradas na Venezuela.
De acordo com ele, não é possível estabelecer um "falso diálogo" apenas para que o governo Maduro ganhe tempo.
Guaidó também foi perguntado sobre uma possível solução militar para a derrubada do ditador. Ele evitou reafirmar suas declarações recentes, de que avaliava solicitar apoio da comunidade internacional para uma intervenção estrangeira na Venezuela.
"A substituição do atual modelo, ante a não observância da democracia na Venezuela, tem a ver com todas as capacidades possíveis que não gerem custo social. Que gerem governabilidade, estabilidade e que abram caminho à democracia. Nesse sentido, estamos convencidos que temos que ter tudo para poder alcançar esse objetivo", afirmou o líder venezuelano.
Numa reunião em Bogotá nesta segunda-feira (25), os países do Grupo de Lima criticaram duramente Maduro, mas descartaram apoiar qualquer tipo de intervenção armada.
Segundo relatos feitos à Folha, o tema foi tratado novamente nesta quinta.
Em um dos encontros com a presença de deputados e ministros, Bolsonaro fez questão de ressaltar a Guaidó que o Brasil não desrespeitará acordos diplomáticos e que não apoia uma intervenção militar no país vizinho, mas uma saída democrática.
O líder opositor fez ainda um chamado para que Rússia e China —duas potências que apoiam Maduro— se juntem ao esforço de remover o ditador do poder. Ele citou os interesses desses dois países na Venezuela e disse que vai atuar para que os contratos sejam respeitados.
"Todos os convênios e acordos que foram assinados legalmente na Venezuela serão respeitados. Hoje Maduro não protege ninguém da fome nem da insegurança. Mas também não protege os investidores: como um país ou uma empresa que investiu milhões de dólares na Venezuela consegue recuperar seu investimento com uma inflação de 2.000.000%?"
A inflação no país sul-americano em crise, na verdade, já chegou a 10.000.000%.
Durante o pronunciamento ao lado de Bolsonaro, o líder anti-chavista apresentou diversos dados para ilustrar a crise social que assola a Venezuela.
"Há 300 mil venezuelanos em risco de morte pela emergência humanitária completa", disse Guaidó. Ele argumentou ainda que o PIB (Produto Interno Bruto) sofreu uma contração de mais de 50% nos últimos anos e que Caracas é a cidade mais violenta do mundo.
O autoproclamado presidente venezuelano citou diversos casos de corrupção relacionados ao regime chavista e alegou que eles foram "o resultado do socialismo do século XXI na Venezuela".
Juan Guaidó disse ainda que retornará à Venezuela, no mais tardar, até a próxima segunda-feira (4/3), mesmo diante das ameaças feitas por Maduro.
"Como sabem, eu recebi ameaças pessoais e a familiares, mas também ameaças de prisão por parte do regime de Maduro. Mesmo assim, isso não vai evitar o nosso retorno à Venezuela, no fim de semana ou, no mais tardar, na segunda-feira (4)", declarou a jornalistas.
Guaidó saiu da Venezuela no último fim de semana pela fronteira com a Colômbia para participar da tentativa frustrada de envio de ajuda humanitária coordenada pelos Estados Unidos.
Ao deixar seu país, ele desafiou uma ordem judicial emitida pelo regime chavista, que havia proibido de viajar ao exterior.
Maduro afirmou que Guaidó deverá prestar contas à Justiça se retornar à Venezuela.
Na visita que realiza a Brasília, Guaidó participou também na manhã desta quinta de uma reunião com embaixadores europeus. Depois, de um almoço na residência oficial da embaixada do Canadá.
Presidente da Assembleia Nacional (órgão legislativo controlado pela oposição), Guaidó disse que viajará ao Paraguai antes de retornar a Caracas, para se encontrar com o presidente Mario Abdo. Ele deve seguir diretamente do Brasil para Assunção nesta sexta-feira (1º/3).