A reunião de cúpula entre Donald Trump e Kim Jong-un, que começa nesta quarta (27) em Hanói (Vietnã), pode resultar em um anúncio histórico visando pôr fim formal à Guerra da Coreia.
Pirotecnia à parte, e ambos os líderes gostam de fotografias e slogans fáceis, os passos para a pacificação da península coreana são muitos, e incertos em sua viabilidade.
É a segunda vez na história que um presidente americano e um ditador norte-coreano se encontram.
Trump e Kim, que passaram 2017 trocando acusações que levaram o mundo a especular seriamente se haveria uma guerra nuclear na Ásia, encontraram-se há meros oito meses, em Singapura. Agora, terão dois dias de conversas na capital vietnamita.
Pouco aconteceu em termos de negociações de lá para cá, exceto o cumprimento de duas concessões desiguais.
Kim não fez mais nenhum teste nuclear ou de mísseis. Trump, por sua vez, não fez mais exercícios militares de grande escala com a Coreia do Sul, sua aliada.
Mas o Norte não paralisou sua produção nuclear.
O Instituto Internacional de Estudos Estratégicos calcula que a ditadura acumulou material físsil (plutônio e urânio enriquecido) para até sete novas ogivas em 2018, tendo apenas fechado o já destroçado sítio de testes que utilizava.
Já os EUA instilaram desconfiança em seus parceiros ao sul da linha desmilitarizada resultante do armistício da Guerra da Coreia (1950-53). Para Seul, o afã de Washington de chegar a bons termos com Kim pode colocar sua segurança em risco.
Os rumores ventilados pela diplomacia americana de que Trump vai propor a Kim que anunciem o fim do conflito só reforça essa impressão.
Tal declaração só faria sentido real com a presença de um representante da Coreia do Sul. E mais: há o temor, em Seul e também em Tóquio, de que os EUA só estejam buscando uma forma de desengajar-se militarmente da península coreana, onde mantêm 28.500 soldados.
Essa leitura é condizente com o que Trump vem promovendo em outros lugares, como o Afeganistão.
O problema é que a Coreia do Sul poderia até desenvolver armas nucleares para sua própria defesa nesse caso —não exatamente o melhor resultado de um acordo de paz.
Líderes militares americanos reiteram que não vão abandonar seus aliados, mas o risco está colocado para os sul-coreanos. E também para os japoneses, estes também na mira dos mísseis de médio alcance já operacionais e com capacidade nuclear de Kim.
Aqui entra também a China, principal garantidora de Pyongyang. Durante a crise de 2017, Trump pressionou Pequim para que apertasse o cerco contra Kim, sem sucesso.
No ano seguinte, os chineses foram a figura oculta na cúpula dos líderes.
A redução da atividade americana na região soou como música para a ditadura comunista em Pequim, que busca consolidar-se como poder principal no oeste do Pacífico.
O nó fulcral para Trump e Kim é definir o que é a desnuclearização da península, anunciada como objetivo no ano passado. Para os americanos, seria o fim do programa nuclear comunista e a destruição de seu arsenal.
Ele é estimado pelo pesquisador Hans Kristensen, do Boletim dos Cientistas Atômicos (EUA), em 10 a 20 ogivas. O especialista afirma, numa conta conservadora, que há material para produzir até 60 bombas.
Já Kim indicou, depois de Singapura, que não iria se desfazer de suas armas. E que considera desnuclearização a saída de forças americanas capazes de empregar armas atômicas e seu comprometimento em defender o Sul.
A questão para o jovem ditador de 35 anos é que a dinastia de sua família, da qual é o terceiro representante, tem a continuidade lastreada pela capacidade de dissuasão oriunda de bombas e mísseis.
O frenético avanço no programa de armas em 2017, que assustou ao testar mísseis que poderiam vir a atingir os EUA, é prova disso: Washington acabou por legitimar a ditadura ao tratá-la como igual na frente de câmeras.
Um compromisso de Kim para a suspensão da produção de material físsil é mais factível, mas mesmo isso enfrentaria a barreira de permitir inspeções a seu arsenal.
Assim, o eventual anúncio de “paz” precisa ser lido com desconfiança. De resto, a situação sacramenta a existência de duas Coreias, o que dificulta ainda mais eventual reunificação pacífica no futuro.
Analistas apostam mais em uma nova rodada de concessões como caminho para a normalização na península. A Coreia do Norte gostaria do fim das sanções impostas pelos EUA, por exemplo.
Qualquer que seja o resultado, contudo, pode confirmar a tendência de distensão registrada após a fotogênica cúpula de 2018, o que observadores concordam ser melhor do que o estado anterior.
Igor Gielow, Folha de São Paulo