No fim de semana, o bloqueio das fronteiras determinado pelo governo de Nicolás Maduro fez fracassar o chamado "Dia D" da oposição. A ideia de Juan Guaidó e seus aliados internacionais, incluindo os Estados Unidos, o Brasil e a Colômbia, era entrar na Venezuela com alimentos e suprimentos médicos, forçando os militares a abandonar a lealdade a Maduro e abrir as fronteiras, o que poderia precipitar a queda do regime.
Com o fracasso, as alternativas para a solução do impasse se estreitaram, e o próprio Guaidó chegou a pedir no domingo aos países aliados que mantivessem "todas as opções na mesa", em uma referência a uma intervenção militar. Na última segunda-feira, porém, o Grupo de Lima, formado por 14 países das Américas, incluindo o Brasil, aprovou uma declaração em Bogotá em que afirma que a saída para a crise venezuelana deve ser pacífica. Na terça-feira, porém, o governo americano disse que seria "irresponsável" tirar a opção militar da mesa.
Na entrevista ao GLOBO, Guaidó negou que a decisão do Grupo de Lima de não ter incluído no comunicado final do encontro de Bogotá a possibilidade de uma intervenção militar estrangeira na Venezuela tenha sido uma derrota:
— Nós nunca pedimos uma intervenção militar estrangeira. O que temos dito é que um conflito militar (com participação estrangeira) na Venezuela é uma possibilidade, que não desejamos, que não buscamos. Nosso propósito é justamente evitá-lo através de uma saída política e constitucional.
Oposição tenta se reorganizar
A oposição a Maduro está tentando se reorganizar depois do cenário de repressão desencadeado pela tentativa de abrir o canal de ajuda. Congressistas e "representantes diplomáticos" da aliança que sustenta o "governo interino" afirmaram ao Globo que o rumo da oposição continua sendo o mesmo, e que todas as opções estão sobre à mesa, entre elas a de uma eventual intervenção estrangeira, "militar ou humanitária".
Mas esta opção, enfatizou o representante de Guaidó na Organização de Estados Americanos (OEA), Gustavo Tarre Briceño, "é de última instância".
— Este é um processo e, como todo processo, tem fases. Todos sabíamos que o fim de semana passado não seria o fim desta história. O que chama a atenção é a pouca atenção dada pelo mundo, em geral, a um verdadeiro genocídio — disse Briceño, de Washington.
Suas palavras refletem um clima de certa frustração entre os opositores de Maduro, que esperavam uma atitude mais dura do Grupo de Lima no encontro de segunda-feira passada, em Bogotá.
— Vimos cenas de violência terríveis, e isso não foi bem entendido por muitos... não estamos propondo uma intervenção militar imediata, mas essa opção não pode ser descartada — frisou o representante de Guaidó na OEA.
No sábado, os confrontos nas fronteiras provocaram ao menos quatro mortes, de acordo com as ONGs de direitos humanos Foro Penal e Provea, e centenas de feridos.
Em Caracas, o deputado José Guerra e seus companheiros da AN aguardam com expectativa a volta de Guaidó. Enquanto esperam informações precisas sobre dia, hora e a logística do complicado retorno, os deputados, apontou Guerra, continuam trabalhando na "mobilização popular, nas pressões ao regime, na nomeação de novos funcionários do governo interino e em estratégias para que a ajuda humanitária possa entrar".
Os planos da oposição para os próximos dias e semanas são, basicamente, insistir no que vem sendo feito desde que Guaidó assumiu a Presidência da Assembleia Nacional em 5 de janeiro passado: pedir mais sanções contra o governo de Maduro e seus aliados; assumir o controle de empresas estatais com operações no exterior; obter maior reconhecimento internacional, por exemplo, de países como México e Uruguai, que ainda não reconheceram o "presidente interino"; e ocupar espaços em organismos internacionais de crédito, como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial.
— No caso dos organismos, são processos lentos. Não podemos esperar Maduro cair para bater na porta do FMI e pedir ajuda. Já estamos en negociações — confirmou Briceño.
Perguntado sobre a insistência de membros da oposição e do próprio Guaidó em falar numa eventual intervenção militar estrangeira, possibilidade descartada enfaticamente pelo Brasil e pelo Grupo de Lima como bloco, o representante da oposição na OEA afirmou que "ainda não estamos nesse ponto, mas isso deve estar sempre entre os caminhos possíveis".
— Há um ano, a comunidade internacional rechaçava sanções e hoje pede mais. Neste processo vamos avançando aos poucos — explicou Briceño, sugerindo que a participação de militares estrangeiros numa eventual força internacional formada para forçar uma mudança de governo na Venezuela é algo que Guaidó e seus colaboradores imaginam que poderia acontecer em médio e longo prazo. — Não seremos um novo Panamá nem uma nova Líbia, se enganam os que cogitam ambas possibilidades. Líbia não seremos porque aqui não haverá guerra civil, aqui 90% da população quer a saída de Maduro.
Perguntado sobre a atuação da Alta Comissária para os Direitos Humanos da ONU, a ex-presidente do Chile Michelle Bachelet (2006-2010 e 2014-2018), Briceño reforçou as críticas:
— Diante de tiranias que se vendem como esquerda, líderes da verdadeira esquerda olham para o lado. Aqui não interessa se é esquerda ou não, aqui o que interessa é que este é um regime que tortura e mata. No mínimo, Bachelet é excessivamente prudente.