Nem sempre é fácil pensar num tema para a coluna. Aí chega a segunda e eu, feliz da vida, já sei o que escrever, até abrir a Folha, encontrar a coluna do Celso Rocha de Barros e descobrir que ele já esgotou o meu assunto.
Pô, Celso, a gente nem sempre concorda, mas você precisava aprontar uma dessas comigo?
O projeto de reforma da Previdência, entre várias outras iniciativas, cria (artigo 201-A) “(...) novo regime de previdência social, organizado com base em sistema de capitalização na modalidade de contribuição definida, de caráter obrigatório para quem aderir”.
Há, portanto, uma opção por um regime distinto do existente (repartição), mas, a partir do momento da opção, as contribuições, obrigatórias, serão direcionadas a “conta vinculada para cada trabalhador e de constituição de reserva individual para o pagamento do benefício”
O Celso crê que novos ingressantes no mercado de trabalho serão forçados para o novo regime; eu acredito que muitos deles preferirão o novo regime, mas essa distinção é irrelevante.
Quem migrar para a capitalização poderá até ganhar, mas deixará de financiar a atual geração de aposentados (e aqui estou me referindo apenas ao INSS).
Como alertei meses atrás, há cerca de 30 milhões de aposentados e pensionistas que receberam R$ 587 bilhões (8,5% do PIB) em 2018. Há também pouco mais de 52 milhões de contribuintes que pingaram R$ 391 bilhões (5,7% do PIB) para pagar essas despesas, resultando em déficit de R$ 196 bilhões.
A demografia já joga contra: a relação entre aposentados e trabalhadores na ativa crescerá, pela maior longevidade da população, bem como a redução das taxas de natalidade. Para que mesmo precisamos acelerar o processo, tirando da base de contribuição os que optarem pelo regime de capitalização?
Faz sentido criar um sistema de capitalização complementar ao de repartição, como defendido, por exemplo, na proposta elaborada por Paulo Tafner. No caso, pessoas de renda mais elevada contribuiriam para o novo regime sobre o montante que ultrapassasse o teto do regime de repartição.
Note-se que o novo regime, nesse caso, não aumentaria o déficit (como ocorreria pelo projeto enviado na semana passada) nem o reduziria.
Independentemente, portanto, da criação de um novo regime, é necessário alterar o modo de funcionamento do atual, tanto no que se refere ao INSS como no que tange ao funcionalismo.
A esse respeito o projeto do governo apresenta várias alternativas que, segundo suas estimativas, poderiam resultar em redução do déficit previdenciário em pouco mais de R$ 1,1 trilhão nos próximos dez anos.
Note-se que essa redução não se dá na comparação com o déficit atual, mas com aquele que ocorreria na ausência de reformas.
Como destacado oportunamente pelo Marcos Lisboa, a proposta supracitada de Tafner ainda permitiria que gastos previdenciários crescessem em torno de 2% ao ano; como a do governo é mais modesta, o gasto provavelmente cresceria um tanto mais rápido.
Apenas essa observação deveria deixar clara a enormidade da tarefa à frente. Maior que essa, porém, parece ser a disposição das corporações para manter seus privilégios.
Enquanto posam como paladinos dos pobres, se posicionam para manter o status quo que permite que o gasto por funcionário federal seja mais de seis vezes superior ao observado no INSS. Isso é o essencial; o resto é perfumaria.
Alexandre Schwartsman
Folha de São Paulo