Regra atual permite que Poderes
Legislativo, Judiciário e órgãos
autônomos dos Estados tenham
sua verba garantida o ano todo,
enquanto todo o custo da queda
das receitas tem que ser absorvido
pelo Executivo, afetando a
segurança, saúde e educação da
população. É o problema do
"duodécimo", que o Supremo pode
em breve resolver (ou não),
resgatando o espírito da Lei de
Responsabilidade Fiscal (LRF)
Uma importante questão relativa às finanças públicas, especialmente estaduais, deverá ser decidida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) nos próximos dias: o duodécimo, ou seja, a transferência mensal, pelas secretarias de Fazenda, de 1/12 dos recursos orçados aos diferentes Poderes e órgãos autônomos: Legislativo, Judiciário, Ministério Público, Defensoria Pública e Tribunais de Contas.
O Supremo também decidirá outra questão importante para as finanças estaduais, que é a de permitir ou não que os Estados reduzam jornadas e salários quando a despesa de pessoal estoura o teto, dispositivo da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) bloqueado por Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI).
Mas a questão do duodécimo, que também envolve dispositivo da LRF bloqueado por ADI, é particularmente importante para a dinâmica política que estimula ou desestimula o ajuste fiscal dos Estados. Pelo sistema atual, a transferência mensal dos Tesouros estaduais para esses Poderes e órgãos é sempre no valor de 1/12 do total anual dos respectivos recursos, que consta do Orçamento que foi aprovado pela Assembleia Legislativa.
Se houver frustração de receitas, esses recursos continuam a ser transferidos dessa forma, independentemente do nível de aperto das contas estaduais e dos atrasos e não pagamentos de despesas pelo Poder Executivo do Estado. Ou seja, toda a frustração de receita é arcada pelo Poder Executivo.
Ocorre, porém, que frequentemente as Assembleias Legislativas superestimam as receitas ou até aprovam Orçamentos com déficit. A economia política é facílima de entender: por causa do duodécimo tal como funciona hoje, os deputados sabem que, quanto maior a despesa orçada, mais dinheiro fluirá para as Assembleias e para outras corporações das quais tipicamente os políticos são aliados ou reféns, como o Judiciário, MP e demais órgãos autônomos.
Na verdade, esse é um problema que foi previsto pelo nono artigo da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Segundo o caput do artigo, “se verificado, ao final de um bimestre, que a realização da receita poderá não comportar o cumprimento das metas de resultado primário ou nominal estabelecidas no Anexo de Metas Fiscais, os Poderes e o Ministério Público promoverão, por ato próprio e nos montantes necessários, nos trinta dias subsequentes, limitação de empenho e movimentação, segundo os critérios fixados pela lei de diretrizes orçamentárias”.
No terceiro parágrafo do mesmo artigo está escrito que “no caso de os Poderes Legislativo e Judiciário e o Ministério Público não promoverem a limitação no prazo estabelecido no caput, é o Poder Executivo autorizado a limitar os valores financeiros segundo os critérios fixados pela lei de diretrizes orçamentárias”.
A LRF, portanto, demanda que a redução de transferências de recursos, em caso de frustração de receita, seja feita proporcionalmente por todos os Poderes e órgãos autônomos. E, adicionalmente, ela dá ao Executivo o poder de forçar a contribuição dos demais Poderes e órgãos autônomos, no caso de frustração de receita.
O problema é que esse dispositivo está suspenso cautelarmente há muitos anos, em função de uma ADI contra a integralidade da LRF, movida, para variar, por partidos de esquerda, PT, PCdoB e PSB, na indefectível pauta contrária à responsabilidade fiscal.
O resultado é que hoje vive-se um forte contraste nos Estados. Por um lado, gravíssima crise fiscal abate diversos Estados importantes da Federação, como Rio, Minas, Rio Grande do Sul e Goiás, fazendo com que serviços públicos básicos sejam interrompidos, que segurança, educação e saúde sejam sucateadas e folhas de pagamento do Executivo atrasadas. Por outro lado, Legislativo, Judiciário e demais órgãos autônomos estaduais seguem a vida como se nada tivesse acontecendo, com liberdade para usar todos os recursos orçados, chova ou faça sol, e muitas vezes gastando-os em instalações equipadíssimas e suntuosas e em todo o tipo de conforto para seus funcionários.
Segundo o economista Samuel Pessoa, da gestora Reliance e pesquisador associado do Ibre/FGV, “o único mecanismo que produzirá o ajuste fiscal nos Estados é a falta de dinheiro, que forçará a sociedade e os atores políticos a encaminharem e aprovarem medidas de ajuste nas Assembleias”.
O problema, porém, nota o pesquisador, é que o duodécimo, como operacionalizado hoje, insula da crise fiscal os Poderes e órgãos com maior poder de pressão corporativa. E, dessa forma, as fundamentais medidas de ajuste estadual acabam sendo indefinidamente postergadas.
“No momento, o principal nó na economia política do ajuste dos Estados é o duodécimo, e eu espero que o Supremo resolva esta questão de acordo com o espírito da LRF e com os interesses da população brasileira, maior prejudicada pela crise fiscal”, resume Pessoa.
O Estado de São Paulo