terça-feira, 26 de fevereiro de 2019

"Truques legais sustentam altos salários de 'servidores públicos'", editorial de O Globo

O peso da folha de salários do funcionalismo é tão problemático para o administrador público — e os contribuintes — quanto seu sistema de seguridade. Este, se o Congresso concordar, passará por uma reforma necessária — assim como o INSS, previdência dos assalariados da iniciativa privada, e a dos militares.
Mas, mesmo que o bom projeto de reforma previdenciária venha a ser aprovado sem maiores desidratações, persistirá o outro problema: o da folha de salários dos servidores ativos, um mundo à parte no universo fiscal brasileiro, regido por normas próprias e surpreendentes.
São regras definidas por força das corporações que atuam dentro da própria máquina burocrática, em defesa de seus interesses. E sempre de forma silenciosa, valendo-se do azeitado tráfico de influência que têm nos corredores dos três poderes da República.
Na União, o 1,1 milhão de servidores devem receber em salários, este ano, R$ 315 bilhões, o segundo maior item do Orçamento, só superado pela Previdência.
Também como esta, a folha não para de crescer. Mesmo sem reajustes — não este o caso — a folha tem um crescimento vegetativo de aproximadamente 3% ao ano, devido aos penduricalhos que beneficiam o servidor, independentemente de sua competência profissional. São os anuênios, quinquênios e que tais. Remunera-se por tempo de serviço, não por produtividade ou qualidade do serviço prestado.
Na edição de domingo, O GLOBO jogou luz na composição de salários pagos pela prefeitura do Rio, que serve de exemplo para o que acontece neste mundo paralelo na União, estados e outros municípios.
Apenas na administração da cidade, há 700 gratificações criadas e regulamentadas por leis, portarias e decretos. Um fiscal de tributos subsecretário da Fazenda recebe, brutos, R$ 49.852,00. Muito acima do teto de R$ 27.422,31, definido pela prefeitura para servidores.
Porém, por obra e graça da ação dos eficientes lobbies dos servidores, o teto não vale para uma série de penduricalhos: cargo em comissão, jetons, abonos etc. Há até mesmo “gratificações por desempenho” definidas em lei, sem que se saiba qual é este desempenho e de que forma foi calculado. Também beneficiam aposentados
No caso deste servidor, seu salário base é de apenas R$ 2.178,80. Que vão sendo inflados por uma miríade de adicionais até atingirem quase R$ 50 mil, antes de impostos e contribuições.
Está claro que, para além da imprescindível reforma da Previdência, é necessária uma outra, mais ampla: a reforma do próprio Estado, com suas políticas de pessoal, regras de remuneração, definição de cargos e salários etc. Não é tarefa fácil, porque muitos desses benefícios ilógicos, contrários aos interesses da sociedade, que sustenta a máquina burocrática com altos impostos, têm força de lei. Mas é outra reforma que precisa ser executada.