sábado, 9 de fevereiro de 2019

"Ocaso de Renan: triunfo do Congresso, de Bolsonaro e do País", por Vitor Hugo Soares

Seguem, aqui e ali,  as choramingas e cantilenas causadas pela fragorosa derrota experimentada pelo senador Renan Calheiros, do MDB, no salto mortal, sem rede de segurança, que ele tentou, ambiciosa e desgraçadamente, para  retomar pela quinta vez o comando do Senado e, por extensão, de um dos nacos mais cobiçados do poder no Brasil. Esparramou-se no chão, fragorosamente batido por Davi Alcolumbre, do DEM, modesto e praticamente estreante da Casa, cuja empáfia do “coronel” só enxergou na hora da votação decisiva, quando um potente cruzado no plexo o colocou a nocaute.
Estranhamente, gente que ama o passado, sem ver as mudanças à sua volta, ou segue aferrada a submersos e suspeitos interesses – no meio político, nas redes sociais e, lamentavelmente, em muitos,  seletos e influentes setores da imprensa – despreza Sua Excelência, o Fato, que merece respeito e reconhecimento acima de tudo, no dizer do saudoso estadista Charles de Gaulle.
Fala-se de “mágoas”,  de  “sequelas”,  de “ressentimentos” do perdedor, que, armado destes sentimentos menores e desprezíveis no homem público, estaria passando unguento nas feridas e recobrando o fôlego antes de novos ataques, mais à frente, contra os ganhadores de sábado passado, que são três, para este jornalista: o Senado em si, que acolheu a voz e o recado da sociedade, revelados nas urnas (segundo Davi, o ganhador, em entrevista na TV); o Governo Bolsonaro, que apostou na arriscada opção (e livra-se de um entulho político e mais que provável estorvo no futuro), e o País, pelo menos no âmbito dos bons costumes e de práticas democráticas e parlamentares mais saudáveis e civilizadas.
Calheiros, visão obscurecida pelo arcaico e perverso mandonismo dos que carregam o rei na barriga – do sábio ditado que aprendi ainda menino, nas barrancas do São Francisco, o rio que passa na minha aldeia (ameaçado agora pela mortal e destrutiva lama do desastre da barragem da Vale, em Brumadinho), antes de desaguar no mar de Alagoas. Território da derradeira trincheira de mando do cacique que esqueceu, ou nem levou em conta, um ensinamento basilar de Ulysses  Guimarães, sábio e legendário símbolo do MDB, desde a construção conturbada do partido da redemocratização.
Vale citar, como lição não só ao abatido “coronel”, mas, igualmente, aos vencedores da vez: “Não se pode fazer política com o fígado, conservando o rancor e o ressentimento na geladeira. A Pátria não é capanga de idiossincrasias pessoais. É indecoroso fazer política uterina, em benefício de filhos, irmãos e cunhados. O bom político costuma ser um mau parente”.
Na mosca. Nada a acrescentar. A não ser uma recomendação da leitura (ou releitura ) do romance “Cem Anos de Solidão”, do Nobel colombiano Federico Garcia Marquez, e um breve comentário sobre o motivo da sugestão, que aparece logo no início da obra magistral. Os pergaminhos de Melquíades começam com esta frase: “Muitos anos depois, frente ao pelotão de fuzilamento, o Coronel Aureliano Buendía recordaria aquela tarde remota em que seu pai o levou para conhecer o gelo”. A frase, no entendimento dos melhores analistas e estudiosos de “Cem Anos de Solidão”, se refere a um passado remoto e um futuro ambíguo, que terá e não terá lugar.
A conferir, também, neste ocaso solitário do coronel Renan Calheiros.

Com Blog do Noblat, Veja