Jabutis, no dialeto político, significam matérias extras (estranhas) colocadas de contrabando em projetos de lei ou em medidas provisórias. O jabuti é um réptil provido de carcaça exclusivamente terrestre (parecido com a tartaruga), logo, não sobe em árvore.
Quando numa árvore legislativa (projetos legislativos ou medidas provisórias) alguma coisa estranha aparece contrabandeada, é porque alguém colocou isso lá. Jabuti não dá nem sobe em árvore.
Congressistas ou burocratas maleáveis são manobrados para isso, por corporações ou setores ou agentes do Mercado, onde reside o verdadeiro Quarto Poder (poderes econômico e financeiro), para satisfação dos seus exclusivos interesses particulares.
A conta desse privilégio ou benefício “jabutizado” recai, evidentemente, sobre os ombros do Estado (a vaca leiteira onde muita gente mama, via jabutis, isenções fiscais, renúncias, subsídios, dinheiro barato, refis etc.) ou diretamente sobre a população.
O bicho ora já vem embutido no projeto de lei, ora é inserido na tramitação legislativa. O Executivo, muitas vezes, se antecipa na elaboração do serviço, tendo em geral contrapartidas regiamente pagas.
Mas é no Legislativo onde os jabutis podem ser elucubrados. Os anais do Congresso registram que Eduardo Cunha foi um dos históricos “reis dos jabutis”. Algumas acusações criminais contra ele têm origem nesse artifício.
Quando algum legislador eventualmente se torna disponível à jabutização, seja por meio de suas convicções ou por amizades, parentesco ou relações afetivas, seja pelo financiamento de campanhas eleitorais, ele infelizmente (para tristeza e desapontamento da Casa, da população e da democracia) se torna um despachante dos interesses do doador que, na verdade, não é doador, sim, “investidor” (para cada real investido é possível alcançar retorno polpudo de dezenas ou centenas de reais).
As empreiteiras recebiam, em regra, 8,50 reais a cada um real “investido” nas campanhas eleitorais (O Globo, 7/5/11).
Inconstitucionalidade dos jabutis, conforme STF. No dia 15/10/15, na ADI 5127 (MP 472/09, convertida na Lei 12.249/10), o STF firmou o entendimento de que o Congresso Nacional não pode incluir, em medidas provisórias editadas pelo Poder Executivo, emendas parlamentares que não tenham pertinência temática com a norma.
Está proibido o chamado “contrabando legislativo”. O STF cientificou o Congresso Nacional de que a prática é incompatível com a Constituição Federal.
Jabuti vindo do Executivo. Na proposta de reforma da previdência, como diz editorial do Estadão, 22/2/19, “Há um jabuti enorme e luzidio – um generoso favor a empregadores interessados em demitir funcionários já aposentados. Se o texto for aprovado com essa aberração, aposentados serão demissíveis sem a multa de 40% sobre seu Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). Ninguém se surpreenderá se empresários aplaudirem a mudança. Mas haverá uma grande surpresa se o ministro da Economia, Paulo Guedes, conseguir explicar a relação entre essa novidade e a redução do buraco no sistema de aposentadorias e pensões”.
O fim da multa de 40% sobre o saldo do FGTS, no caso de demissão de um empregado que já está aposentado, favorece claramente as empresas, que também não terão mais de recolher FGTS dos empregados que se aposentarem a partir da reforma.
Trata-se de um jabuti com endereço certo. É, claramente, um contrabando, vindo do Executivo. Nenhum jabuti é posto na árvore por acaso. Meu voto na Câmara será não a esse indevido jabuti.
Luiz Flávio Gomes, deputado federal. Criador do movimento de combate a corrupção Quero um Brasil Ético. Doutor em Direito Penal pela Faculdade de Direito da Universidade Complutense de Madri
O Estado de São Paulo