Em política, nunca se deve dizer nunca, ressalvou dias atrás o ex-presidente
Lula, antes de reiterar a lealdade à candidatura de sua afilhada Dilma Rousseff
à reeleição. Ela mesma invocou o termo ao responder à inescapável pergunta sobre
o "Volta, Lula" que lhe foi feita por jornalistas esportivos em um jantar - cujo
prato de resistência deveriam ser os preparativos para a Copa e os protestos
contra o evento - segunda-feira, no Alvorada. "Nada me separa dele e nada o
separa de mim", entoou. "Sei da lealdade dele a mim, e ele da minha lealdade a
ele."
Menos por isso, decerto, do que por saber que Dilma não tem a mais remota
intenção de desistir da chance de passar mais quatro anos no Planalto e por
pressentir que a operação da troca de nomes poderá não ser, nas urnas, o sucesso
que a justificaria, Lula há de calcular que, para si, melhor do que ter elegido
um poste será reeleger o poste que, em vez de iluminar, estorva. Se der errado,
a culpa, naturalmente, será de Dilma. Se der certo, será a consagração de sua
trajetória como o maior líder de massas da história nacional. Guardadas as
diferenças, ele já rodou esse filme.
Em 2009, desistiu de buscar o terceiro mandato consecutivo não
necessariamente por reverenciar a regra do jogo, que o proíbe, mas por intuir
que talvez não pudesse pagar o preço político da tentativa de mudá-la. Antes
fazer e tornar a fazer o sucessor, e se guardar para 2018. Não obstante o
"nunca", a sua tendência é de permanecer leal a esse traçado. Ocorre que, por si
só, o alarido em torno do "Volta, Lula" - resultado do desgosto dos aliados com
o desempenho da presidente, do seu fracasso em construir uma coalizão de
interesses da qual fosse ela a líder e do receio petista de perder o poder em
2015 - agrava a sua avitaminose política e acentua a sua vulnerabilidade
eleitoral.
Um episódio deixa isso claro. Horas antes da entrevista de Dilma, o líder do
PR na Câmara, Bernardo Santana, da base governista, se fez fotografar pendurando
na parede o retrato de Lula. Segundo ele, 20 dos 32 membros da bancada preferem
que o ex-presidente seja o candidato. "Só Lula tem condição de enfrentar
qualquer crise", alegou. Pouco importa que tenha se recusado a identificar os
supostos 20 lulistas. Pouco importam também as divisões internas no partido que
possam ter parte com o anúncio. O ponto é que, estivesse Dilma nadando de
braçada nas pesquisas, Santana não se sentiria inseguro do que o espera nas
urnas a ponto de aprontar-lhe tamanha desfeita.
A cena de um político aliado afixando a imagem de um Lula com a faixa
presidencial é o símbolo mais contundente das agruras de Dilma. É inevitável a
comparação com o hino da vitoriosa campanha a presidente do ex-ditador Getúlio
Vargas, em 1950. "Bota o retrato do velho outra vez / Bota no mesmo lugar",
dizia a marcha que arrebatou o carnaval daquele ano. Eis o carma da presidente.
Um dia lhe perguntam o que acha do "Volta, Lula". No outro, ontem cedo, numa
entrevista a rádios baianas, o que acha da fidelidade dos partidos alinhados com
o Planalto. A resposta é pura Dilma sem açúcar: "Gostaria muito que, quando for
candidata, eu tivesse o apoio da minha base, da minha própria base. Agora, não
havendo esse apoio, a gente vai tocar em frente".
Falta tocar o eleitor. Por mais que os resultados dos levantamentos de
intenção de voto devam ser vistos com cautela - a três meses do início da
campanha na TV e a cinco da ida às urnas, quando a disputa ainda não entrou no
radar da grande maioria dos brasileiros -, o fato é que a mera coerência dos
números da queda da candidata acelera o processo de seu desgaste. Sinal disso é
que a equipe da reeleição, segundo uma inconfidência, já se dará por feliz se a
chefe parar de cair nas próximas sondagens. A expectativa de vitória no primeiro
turno se dissipou. Era, de resto, uma fantasia: nem Lula, apesar de toda a sua
popularidade, conseguiu liquidar a fatura logo de saída na reeleição.
Já a aprovação a Dilma - a sua bagagem para as urnas - se aproxima
perigosamente do nível que, para os especialistas, conduz antes à derrota do que
à vitória eleitoral, sejam quais forem os adversários.