O Estado de São Paulo
Certa vez, em conversa com o economista Raul Velloso, um dos maiores
especialistas em finanças públicas do País, ele me falou desse imenso número de
pessoas no que chamou de "a grande folha" de pagamentos do governo federal.
Grandes números não surpreendem neste enorme país, mas esse é de levantar
sobrancelhas e contrair o rosto. O Brasil tem enorme território, população já na
casa dos 200 milhões e é recordista de carga tributária na segunda divisão do
campeonato mundial de desenvolvimento, a dos times com renda per capita
insuficiente para levá-los à primeira.
Chega lá jogando com os pés da tal "pátria de chuteiras", mas sem cabeça para
se aproximar mais dos efetivamente ricos. Nosso governo federal vende como lema
a ilusão de que "país rico é país sem miséria". Mas, com o perdão da tautologia,
país rico é o que tem mais riqueza acumulada, inclusive para lidar com seus
menores bolsões de pobreza muitíssimo melhor que o Brasil. Aqui são "bolsoezões"
e mal cuidados.
Com a carga tributária mais empréstimos, nosso governo como um todo toma
perto de 40% do produto interno bruto (PIB), e esse total tem que ver com a
folhona de que fala Velloso, pois é alta a pressão que coloca mais gente nela e
há também aumentos dos valores que o governo paga, em particular com propósitos
eleitoreiros.
Velloso apresentou seus números na última reunião mensal de conjuntura que a
Fipe-USP realiza há anos, sob a competente condução do professor Fernando Homem
de Mello. Ao iniciar, Velloso gentilmente disse que, entre outras razões, estava
lá para me entregar os números que me prometera na citada conversa, e lhe sou
muito grato. Ele falou das cifras do Orçamento de 2012 e de suas perspectivas
atuais, mas, quanto aos números da folhona da União, os que tinha eram de 2008.
Muito úteis, mais adiante mostrarei que os atuais já são bem maiores.
O total naquele ano era de 49.179.214 (!) pessoas, com todos os algarismos
para realçar sua enorme dimensão, que então equivalia a cerca de 1/4 da
população do País. Sem contar os dependentes, que, se dois por pessoa, dobrariam
esses números. Prosseguirei com o tamanho de cada subgrupo em 2008 e, entre
parênteses, a porcentagem que representou dos gastos da União em 2012 - e o
total alcançou 73,7%(!) desses gastos.
Em ordem decrescente dessa porcentagem, os números são: 7.316.041 de
beneficiários do INSS recebendo mais de um salário mínimo (23,7%); 16.291.706 de
beneficiários do INSS que ganhavam um salário mínimo (15,9%); 1.146.828 de
funcionários ativos (13,2%); 980.337 funcionários inativos e pensionistas
(9,9%); 7.784.154 recebendo seguro-desemprego e o abono salarial anual (4,9%);
3.489.233 de pagamentos da Lei Orgânica da Assistência Social (Loas) e de sua
antecessora, a da Renda Mensal Vitalícia, para idosos e inválidos sem outra
fonte de renda (3,3%); e 12.370.915 (2,8%) de benefícios do programa Bolsa
Família, pagos às pessoas responsáveis pelas famílias.
Dados mais recentes apontam um aumento do número dos incluídos na folhona. Em
2013, o número de famílias nesse programa passou a 14,1 milhões e, neste ano, a
meta da presidente Dilma é incluir nele mais 500 mil, com o que, relativamente a
2008, a ampliação deve alcançar 2,2 milhões. No INSS a listona também cresceu de
2008 a 2012, ano do último anuário do INSS, com mais 3.907.793 beneficiários.
Levando em conta apenas os dados deste parágrafo, mais o fato de que os
benefícios do INSS cresceram em cerca de 1 milhão ao ano entre 2008 e 2012, e
continuam aumentando, a folhona já está mais perto de 60 milhões que de 50
milhões!
O quadro pintado por todos esses dados é o de um Brasil que buscou
precocemente o caminho de um enorme Estado do bem-estar, o Welfare State da
literatura internacional. A velocidade recebeu forte impulso com a Constituição
de 1988 e, mais recentemente, dos governos federais petistas.
Quanto a estes,
Mansueto Almeida, outro entre os maiores especialistas em finanças públicas do
Brasil, mostrou que, numa comparação dos gastos de 2012 com os de 2002, os do
INSS aumentaram em 1,2% do PIB, enquanto os demais gastos sociais tiveram
acréscimo de 1,1% do PIB e os investimentos, um mísero aumento de 0,1% (!) do
PIB. E sei que esse aumento dos gastos sociais foi custeado principalmente com
maior carga tributária.
Tudo isso inibiu investimentos públicos e privados e,
entre outros efeitos, agravou as condições da infraestrutura econômica, como a
de transportes, e da social, como a de mobilidade urbana e saneamento
básico.
A opção da Constituição de 1988 pode ser vista como da sociedade, por meio
dos constituintes que escolheu. A dos governos petistas, entretanto, tem forte
conotação eleitoreira. O que os move é o poder a qualquer custo, num processo em
que cativar eleitores com benesses é tido como fundamental.
Houve época em que no Brasil se criticava muito a ideia de que antes de
distribuir o bolo do PIB seria preciso fazê-lo crescer. Agora chegamos ao outro
extremo, em que o caminho de distribuí-lo por meio desse enorme Estado do
bem-estar social nos conduziu a outro Estado, o das taxinhas do Pibão.
Cabe encontrar um caminho intermediário, que combine crescimento mais
acelerado com avanços sociais. Propor e explicar como seria feito esse caminho é
tarefa dos candidatos da oposição, já que da candidata da situação a perspectiva
é de mais do mesmo. E não se pode ficar apenas na discussão entre candidatos,
até porque essa candidata foge de debates, em razão das suas evidentes
dificuldades de enfrentá-los.
Mais importante ainda é que a própria sociedade se empenhe em levá-los
adiante, em lugar de apenas protestar contra isto ou aquilo, nas ruas ou fora
delas. Como encontrar o referido equilíbrio? Econômica e socialmente, essa é a
questão fundamental.