sexta-feira, 30 de maio de 2014

"A boa ‘doutrina’ Obama", editorial de O Globo

 

  • Presidente acerta ao reiterar opção pelo ‘soft power’ e pelo multilateralismo na política externa, restringindo uso da força a casos extremos
 
Um dia após anunciar a retirada das tropas do Afeganistão no fim de 2016, o presidente Obama aproveitou o discurso aos formandos de West Point para delinear os novos rumos da política externa nos dois anos e meio que lhe restam de mandato. Sob críticas de que seu governo anestesiou a capacidade dos EUA de liderar, ele afirmou que a liderança está mantida, mas exclui aventuras militares. Para ilustrar, usou uma frase de efeito: “O fato de termos o melhor martelo não significa que devemos transformar todos os problemas em pregos".

O uso da força não está descartado, mas ficará restrito, segundo Obama, à circunstância de que os EUA, ou aliados, forem ameaçados. Observou o presidente: “Alguns de nossos erros mais onerosos vieram, não de nossa contenção, mas de nossa disposição para embarcar em aventuras militares”. É bom lembrar que ele tem como crédito a morte de Osama bin Laden — obsessão desde o 11 de Setembro, e que a tecnologia avançou muito desde então: os EUA hoje fazem uso intensivo de drones, aviões sem piloto, para neutralizar ameaças terroristas.

Obama, como prometera, adotou rumo diverso do antecessor, George W. Bush, cujo governo sofrera o terrível impacto do 11 de Setembro de 2001. O democrata se dispôs a limitar os estragos causados pelas intervenções no Afeganistão e no Iraque, que não resolveram por inteiro os problemas desses países, estressaram o poder militar dos EUA, esgarçaram seu tecido social e deram causa a enormes déficits orçamentários.

A principal medida de descompressão foi retirar as tropas do Iraque em 2011, o que agradou a muitos, enquanto outros notavam que Washington deixou o país árabe à mercê de seus múltiplos conflitos. Obama capturou Saddam e o Iraque o enforcou; instituições construídas com ajuda americana foram capazes de dar um governo ao país, mas a paz não chegou e a praga dos atentados sectários a bomba jamais cessou.

O caminho da diplomacia adotado por Obama — o chamado “soft power" — é demorado e pontilhado de armadilhas. Mas esta foi a opção da Casa Branca democrata para lidar com questões como o programa nuclear do Irã, a guerra civil na Síria e a crise com a Rússia sobre a Ucrânia. A crítica passou a ser outra: Obama não tem pulso para manter os EUA na liderança.

Mas a política externa de Obama tem o mérito de não cair no intervencionismo ou no isolacionismo. Sua disposição para trabalhar com os aliados reforça o multilateralismo e prestigia as instituições internacionais. Ela já se mostrou acertada nas negociações com o Irã, a Coreia do Norte e na crise síria, em que resistiu à pressão para nova intervenção no Oriente Médio.

Não se pode deixar de lamentar que o presidente não tenha fechado Guantánamo, por resistência do Congresso, e que não soe convincente quando fala em limitar a espionagem americana, motivo de desconfiança mundial.