sexta-feira, 30 de maio de 2014

"BC mais uma vez à espera da política fiscal", editorial de O Globo

 

  • Há razões ponderáveis para o Copom suspender ciclo de elevação dos juros, mas, se os gastos continuarem em alta, a trégua não poderá se estender por muito tempo
Como a maioria dos analistas esperava, o Conselho de Política Monetária (Copom), formado por diretores do Banco Central, interrompeu o longo ciclo de nove aumentos sucessivos da taxa básica de juros, a Selic, mantendo-a em 11%.

Os motivos para esta decisão, tomada por unanimidade, são convincentes. Um deles, a baixa temperatura da economia, já refletida em alguns indicadores parciais e a ser confirmada hoje com a divulgação pelo IBGE do PIB do primeiro trimestre. Além disso, há uma relativa perda de fôlego da inflação, passada a pressão de preços dos alimentos, provocada pela seca do início do ano: o IPCA-15 de maio ficou em 0,58% contra 0,78% em abril.

Anualizado, o IPCA, até abril, chegou a 6,28%, se aproxima do teto da meta de 6,5% e deverá ultrapassá-lo, devido ao efeito estatístico da comparação com uma base mais baixa (2013).

Mas, como paira nos mercados a ideia de que o BC tem pouca autonomia no governo Dilma, não faltarão interpretações de que o Copom segue o calendário eleitoral. A favor da autoridade monetária, porém, existe, na nota liberada pelo Copom sobre a decisão tomada quarta-feira, a expressão “neste momento”, interpretada como alerta de que os juros podem voltar a ser remarcados para cima, no momento em que o BC detecte a volta de pressões inflacionárias perigosas. Acompanhemos.

Volta-se à questão de sempre: o resto do governo — leia-se, Ministério da Fazenda e o próprio Planalto — trabalhará a favor do BC, para evitar que a inflação ganhe velocidade?

Não se pode ser otimista na questão, diante do histórico deste conflito clássico no governo — e não apenas nos do PT —, em que ministros “gastadores” se digladiam com os responsáveis mais diretos pela estabilidade econômica. No passado, costumava ser o ministro da Fazenda, mas, desde a substituição de Antonio Palocci por Guido Mantega, em 2006, o BC tem ficado isolado na trincheira do combate à inflação, lutando com a única arma que tem: os juros.

Quando Lula assumiu o primeiro mandato, em janeiro de 2003, a inflação anualizada voltara aos dois dígitos, devido à disparada do dólar, causada pela falta de confiança, nos mercados, num governo do PT. Lula percebeu a dimensão do perigo e permitiu que Palocci, na Fazenda, e Henrique Meirelles, no BC, apertassem as políticas monetária (juros) e fiscal (gastos). Funcionou, como previsto.

Os tempos são muito outros. O líder do PT no Senado, por exemplo, Humberto Costa, pontificou, outro dia: “Inflação de 3% ao ano só é possível com aumento de juros, redução de gastos públicos e de investimentos, ampliação do superávit (primário) e desemprego” — um sandice. Como economia não é a especialidade do médico Humberto Costa, ele repete o que ouviu em algum gabinete em Brasília.