sábado, 1 de março de 2014

"O PIB da anemia", editorial do Estadão

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, revelou-se um economista com olhar de águia, ao encontrar motivos de otimismo nos minúsculos e pífios números do desempenho econômico em 2013. O crescimento de 2,3% foi muito menor que o da maioria dos países em desenvolvimento e confirmou, para as pessoas de visão comum, o mau estado da economia brasileira. Mas, segundo o ministro, foi uma expansão "de qualidade", por ter sido puxada pelo investimento.

Ele também ressaltou - e nisso foi acompanhado por vários analistas de visão igualmente aguda - a "boa surpresa" do último trimestre, quando o Produto Interno Bruto (PIB) foi 0,7% maior que nos três meses anteriores. Esse ritmo, lembrou Mantega, equivale a 2,8% em termos anualizados. Uma pessoa de olhar menos sensível perguntará: e daí? É esse um ritmo satisfatório, quando se consideram o tamanho e as possibilidades do País?

Também no mercado financeiro houve comentários sobre o trimestre final de 2013 e sobre como o desempenho nesse período poderá afetar a economia em 2014. Notável perda de tempo. Em primeiro lugar, o crescimento de 2,3% havia sido projetado pelo Banco Central (BC) e também por economistas do mercado no fim do ano. Esse número aparece no boletim Focus de 27 de dezembro. É meio estranho, portanto, o falatório sobre "surpresa". Mas o mais importante para a avaliação do quadro e das perspectivas é verificar o estado de saúde do sistema produtivo.

Para começar, o investimento mencionado pelo ministro da Fazenda continua ridículo, pelos padrões mais comuns de visão e de julgamento. O investimento em capital fixo - máquinas, equipamentos, instalações empresariais e infraestrutura - foi 6,3% maior que o do ano anterior. De fato, isso puxou o resultado geral. Mas esse investimento havia diminuído 4% em 2012 e, portanto, houve pouco mais que a compensação de uma queda. Além disso, o valor investido passou de 18,1% do PIB para pífios 18,4%.

A proporção mais alta dos últimos 14 anos (19,5%) foi alcançada em 2010 e nunca se repetiu. O Brasil investe menos que vários de seus vizinhos e muito menos que os países emergentes da Ásia. Segundo o ministro da Fazenda, a taxa de 24% será alcançada até 2020. Outros sul-americanos já alcançaram e até ultrapassaram esse nível.

A mísera expansão do investimento só foi possível com a captação de recursos externos, porque a poupança interna, já muito baixa, diminuiu de 14,6% para 13,9% do PIB. Isso é um reflexo da expansão do consumo tanto privado quanto do governo. O setor público, apesar de todo o palavrório sobre o Programa de Aceleração do Crescimento, o fracassado PAC, continua investindo pouco e desperdiçando muito dinheiro com um custeio muito mal administrado.

É igualmente estranho falar sobre crescimento "de qualidade" quando se examina o tenebroso desempenho da indústria. O produto industrial, incluídos todos os segmentos, cresceu apenas 1,3%, pouco mais que o suficiente para repor a perda de 0,8% no ano anterior. Há, no entanto, detalhes mais feios que o panorama geral.

A indústria de transformação produziu 1,9% mais que no ano anterior. Mas a produção em 2012 havia sido 2,4% menor que em 2011. A expansão em 2013 foi insuficiente, portanto, para o mero retorno ao nível de dois anos antes. Só a percepção de detalhes muito especiais e invisíveis para a maioria das pessoas deve permitir ao ministro, portanto, a fala otimista sobre a qualidade da expansão em 2013.

Para o julgamento comum, os números do ano passado confirmam o fracasso econômico da política baseada no estímulo ao consumo e nas desonerações fiscais concedidas a setores selecionados. O consumo das famílias aumentou 2,3% no ano passado. Foi o décimo crescimento anual consecutivo. Mas a oferta industrial continuou emperrada e insuficiente.

Muitos economistas têm projetado para 2014 um crescimento inferior ao de 2013. Poderão até elevar suas projeções, mas a mudança será irrelevante. Apesar de algumas concessões em infraestrutura, há poucos sinais - exceto, talvez, para olhos de águia - de melhora no potencial da economia.