O Estado de São Paulo
De que se ri o animalzinho? - pergunta o cidadão, na velha piada, ao saber da
parcimônia sexual e das preferências gastronômicas da hiena. A mesma
perplexidade é inevitável diante da aparente alegria de tantos analistas ao
conhecer os números da economia nacional em 2013. O miserável aumento de 2,3% do
produto interno bruto (PIB) foi descrito como surpreendente. O crescimento de
0,7% no trimestre final quase foi celebrado como o início de uma era de expansão
chinesa. Dois argumentos foram usados para justificar a comemoração. Projetado
para um ano, aquele resultado trimestral equivale a 2,8%, lembrou o ministro da
Fazenda, Guido Mantega.
O outro argumento, um pouco mais complicado, aponta o
esperado efeito de carry over, ou carregamento. Se a expansão econômica for nula
nos primeiros três meses deste ano, será pelo menos mantido o patamar alcançado
no trimestre anterior. Daí a necessidade, segundo os mais entusiasmados, de uma
revisão das projeções para 2014. Na semana passada, a mediana das projeções
coletadas para o boletim Focus, do Banco Central (BC), havia ficado em
1,87%.
Essa alegria é mais preocupante que os números ainda muito ruins das contas
nacionais. Com um pouco de juízo e medidas certas pode-se fazer a produção
crescer muito mais que nos últimos três anos, quando a média ficou em
vergonhosos 2%. Mas o problema se complica sensivelmente quando as pessoas
começam a encarar como normal um desempenho pífio, muito abaixo das
possibilidades do País, e a festejar pequenas melhoras.
Quem aceita esse padrão de normalidade passa a raciocinar dentro dos limites
da política econômica em vigor nos últimos anos. Passa a falar a linguagem do
ministro da Fazenda e a aceitar como razoáveis seus critérios de avaliação. Uma
coisa é destacar, por seu efeito estatístico, a expansão de 6,3% do investimento
em capital fixo. Outra, muito diferente, é apontar esse número como algo
extraordinário. Só se entusiasma quem esquece dois fatos bem conhecidos e, de
toda forma, indicados com clareza nas contas publicadas pelo Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Nem um estrangeiro se enganaria ao
ver esses números.
Em primeiro lugar, o investimento 6,3% maior que o de 2012 ocorreu depois de
uma queda de 4%, detalhe aparentemente esquecido ou negligenciado por muita
gente. Em termos de volume, ficou pouco acima, portanto, do registrado em 2011.
Em outras palavras, a formação bruta de capital fixo ficou praticamente
estagnada ao longo de dois anos.
Em segundo lugar, a taxa de investimento passou de 18,2% do PIB em 2012 para
18,4% em 2013, muito inferior aos padrões dos emergentes e ainda abaixo do pico
de 19,5%, registrado em 2010. O nível de 24%, já alcançado por alguns
sul-americanos, será atingido até 2020, prometeu o animado ministro da
Fazenda.
A estagnação da indústria está refletida tanto no crescimento do setor, 1,3%,
quanto nas contas externas. As exportações de bens e serviços aumentaram 2,5%,
em termos reais, enquanto as importações cresceram 8,4%. A piora das contas
externas já era conhecida. O déficit em conta corrente passou de US$ 54,25
bilhões em 2012 (2,41% do PIB) para US$ 81,37 bilhões em 2013 (3,66% do PIB). A
deterioração do balanço de pagamentos é explicável principalmente pela erosão da
conta de mercadorias. Essa conta continua em mau estado.
Entre o começo do ano e a terceira semana de fevereiro o País acumulou um
déficit comercial de US$ 6,75 bilhões. As vendas ao exterior, US$ 26,91 bilhões,
foram 3,7% menores que as de um ano antes, pela média diária, e as importações,
US$ 33,65 bilhões, 0,6% maiores, pelo mesmo critério.
Mais uma vez, em 2014 o saldo comercial dependerá do amplo superávit obtido
com as commodities, principalmente do agronegócio. A julgar pelos dados até
agora conhecidos, dificilmente a indústria será muito mais competitiva, nos
próximos meses, do que tem sido nos últimos cinco ou seis anos. As importações
começaram a crescer mais velozmente que as exportações antes da crise de 2008. O
problema, na época, já era o enfraquecimento da indústria diante dos
concorrentes estrangeiros. Afinal, o famigerado custo Brasil já estava na pauta
desde muitos anos e nada se havia feito para torná-lo mais suportável. Enquanto
a discussão se prolongava sem resultado, o problema se tornava mais grave e a
economia nacional ficava menos eficiente e menos capaz de produzir de forma
competitiva.
O mau uso do dinheiro público, o desajuste fiscal e a inflação elevada são
componentes desse quadro de baixa produtividade, mas há pouco estímulo para o
governo cuidar seriamente de qualquer desses problemas. Há oposição à alta dos
juros, apesar da inflação resistente e ainda muito elevada. Até a meta fiscal
anunciada há poucos dias foi criticada, como se o governo estivesse empenhado,
com sua modesta exibição de austeridade, em matar o crescimento.
Há alguns anos o economista Mohamed El-Erian, então um dos chefões do Pimco,
um dos maiores fundos de investimento, criou, juntamente com seu colega Bill
Gross, a expressão "novo normal", para descrever o padrão observado desde o
começo da crise: crescimento baixo, desemprego alto e juros próximos de zero no
mundo rico. No Brasil, a reação de muitos analistas aos números pífios de 2013
parece indicar a consolidação de uma nova normalidade econômica.
Mas, neste
caso, o crescimento baixo é combinado com inflação alta e resistente e contas
públicas precárias. Junta-se a isso uma baixíssima disposição para cuidar de
problemas bem conhecidos, mas nunca atacados para valer. Nesse quadro,
incentivos parciais e de pouco efeito para o crescimento acabam valendo mais que
mudanças de grande alcance. Reformas para tornar a economia mais eficiente são
complicadas e tomam tempo. Para que esperar? Nesse novo normal, menos e menos
pessoas, a cada dia, acharão estranha a satisfação da hiena.