Diretora-gerente da S&P, Lisa Shineller trabalhou no Fed e na Exxon e é considerada economista de ‘visão além de paradigmas’
Flávia Barbosa, Martha Beck e Gabriela Valente - O Globo
WASHINGTON e BRASÍLIA — Lisa Schineller é a voz da Standard & Poor´s (S&P), maior agência de classificação de risco do mundo, quando o assunto é Brasil. Há 15 anos na empresa, diretora-gerente de Ratings Soberanos para a América Latina, é talvez a analista mais veterana da S&P para assuntos relacionados à segunda maior economia emergente do planeta. Sua avaliação sobre o desempenho brasileiro é crucial para determinar a nota do país, rebaixada na última segunda-feira após ela chefiar a visita que a equipe da agência fez a Brasília no início do mês.
— O trabalho de rating é de equipe, ninguém decide uma nota sozinho. É um extenso esforço de análise de um time. Mas, claramente, a voz de Lisa é muito influente nas decisões da agência — diz um analista familiarizado com o trabalho na S&P. — E ela tem uma reputação absolutamente sólida, é muito respeitada, dedicada e rigorosa.
Presença constante em seminários e reuniões sobre o Brasil em centros de estudos, universidades e associações, Lisa impressiona os interlocutores pelo conhecimento que tem do país e pela visão plural que abraça em suas avaliações. Não é “uma obcecada de banco de investimento, que só anda com seus pares”, nas palavras de um observador:
— Lisa é muito querida nesta comunidade nos EUA que gira em torno do Brasil: acadêmicos, pessoal do mercado, da área comercial, como Albert Fishlow, Paulo Vieira da Cunha. Aos poucos, ela foi se tornando uma dessas pessoas. Lisa está virando uma formadora de opinião sobre o país. E com arrogância zero.
Os focos múltiplos do olhar de Lisa são um reflexo provável do seu histórico profissional. Ela tem a experiência da construção de política pública, pois passou pela divisão de Finanças Internacionais do Federal Reserve (Fed, o banco central americano); a curiosidade da academia, tendo sido professora de universidades como McGill e Columbia; e o pragmatismo do mundo empresarial, adquirido em passagem pela gigante petrolífera Exxon.
— Ela traz essa bagagem de fazer uma avaliação muito além da econometria, das fórmulas que rendem paradigmas. É rigorosa na técnica, mas não é uma economista dogmática, com linhas teóricas definidas. Mas certamente ela não é desenvolvimentista, como a equipe econômica brasileira! — brinca um interlocutor da diretora da S&P. — A abordagem reflete a mudança das próprias agências de rating. As análises estão mais complexas. Enquanto nos anos 1980 e 1990 o foco do rating era a predisposição a pagar dívida, uma questão contábil, hoje é a predisposição a reformar, muito mais político e abrangente.
Não deixa de ser uma guinada para a economista cuja tese de doutorado, defendida em 1993 na universidade de Yale, tem como peça central um modelo econométrico para descobrir os determinantes à fuga de capitais de países em desenvolvimento. E mais, o trabalho foi orientado por dois economistas de matiz ideológico firme, Willem Buiter, hoje economista-chefe do Citigroup, e Nouriel Roubini, tido como o grande arauto da crise financeira de 2008.
O que continuou inabalável foi o interesse de Lisa pelas economias emergentes. À exceção da experiência no Fed, sua carreira foi toda devotada aos países em desenvolvimento. Entre 2006 e 2009, Lisa lecionou em Columbia o curso para mestrandos “Problemas do crescimento econômico na América Latina”.
Para governo, ela foi influenciada
O Brasil sempre teve destaque nas aulas. Um desdobramento do apreço que a economista, mãe de um filho, tem pelo país — e que a levou inclusive a aprender português. Para alguns, ela “arranha”. Para os mais condescendentes, Lisa se vira bem com a língua de Camões (com sotaque brasileiro, claro).
— A Lisa adora o Brasil. Ela desenvolveu uma conexão emocional com o país. Depois de tantas viagens, ela fez vários amigos no Rio, sempre que pode passar por lá. E é daquela que torce para dar certo, que fica sofrida mesmo quando as coisas não vão bem. Tem aquela preocupação com o fato de o Brasil não conseguir libertar o seu potencial — diz um amigo.
Nas discussões oficiais, porém, o entusiasmo com o Brasil cede lugar a uma postura absolutamente profissional, que para muitos a torna uma esfinge. Quem já esteve reunido com ela em Brasília diz que Lisa transmite a imagem da executiva bem-sucedida: uma mulher sempre muito bem vestida, culta, educada e agradável. Tem o temperamento tranquilo. Com as autoridades, mais pergunta do que responde e mais ouve do que fala.
— Nesse mundo de economistas excêntricos, a Lisa me parece completamente normal — diz um ex-técnico da área econômica do governo, evocando Teresa Ter-Minassian, a chefe da missão para o Brasil do Fundo Monetário Internacional (FMI) no anos 1990.
O governo considera injusto o rebaixamento da nota do Brasil, mas reconhece que Lisa sabe tudo sobre o país e é a mais preparada entre os economistas das três grandes agências de classificação de risco: S&P, Moody’s e Fitch.
— Sem dúvida, entre os diretores das agências, Lisa é quem mais entende de Brasil — diz um técnico.
Críticos lembram, porém, que as três agências têm um histórico de erros na avaliação de países e empresas e falharam em casos como o da crise financeira global de 2008.
Integrantes da equipe econômica que se reuniram com Lisa e os técnicos da S&P que vieram o Brasil duas semanas antes de o rating ser reduzido de “BBB” para “BBB-” disseram que ela ouviu mais do que falou. Só se manifestava para tirar dúvidas. Mas, durante as reuniões em Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro, Lisa deu sinais de que já tinha argumento para cortar a nota.
A certeza foi reforçada após o encontro com os banqueiros. Para o governo, alguns economistas renomados ajudaram a aumentar o pessimismo da equipe da S&P. As instituições que representam estariam com apostas altas na alta do dólar e lucrariam se o rebaixamento aumentasse a desconfiança.
Ocorreu o contrário. Outros economistas teriam inflado os defeitos por questões políticas. Não querem que Dilma se reeleja.