Cláudia Trevisan, enviada especial a Houston, e Sabrina Valle - O Estado de S.Paulo
Além da cláusula que obrigava repasse de 6,9% à Astra Oil mesmo que refinaria tivesse prejuízo, contrato de 2006 garantiu pagamento de US$ 85 milhões aos belgas a título de 'alocação especial', elevando o valor total do negócio para US$ 1,26 bilhão
Cláudia Trevisan, enviada especial a Houston, e
Sabrina Valle - O Estado de S.Paulo
A Petrobrás pagou US$ 85,14 milhões
à Astra Oil em fevereiro de 2007 para garantir à sua então sócia na
refinaria e na trading de Pasadena um lucro mínimo com o negócio, atendendo
à exigência do acordo de acionistas que as duas empresas haviam assinado no ano
anterior. Com esse desembolso, o preço final que a estatal brasileira pagou pela
operação do Texas sobe ainda mais - de US$ 1,18 bilhão para pelo menos US$ 1,265
bilhão.
Os advogados da Astra respondem que o desembolso é um "pagamento garantido", que deveria ser feito pela Petrobrás à Astra quando a receita da empresa de trading que abastecia a refinaria de Pasadena ficasse abaixo de determinado patamar. Esse benefício seria pago por dois anos, no valor máximo de US$ 85,14 milhões em cada um deles, em um total de US$ 170,28 milhões.
Chamado de "alocação especial", esse dispositivo é distinto de outro que dava à sócia belga da Petrobrás uma rentabilidade mínima líquida com o negócio de 6,9% ao ano, por um período de 15 anos. Esse item ficou conhecido como "cláusula de Marlim", porque foi justificado com o argumento de que se tratava de uma compensação à Astra pelo fato de a Petrobrás poder refinar em Pasadena o óleo pesado que produzia no campo de Marlim, na Bacia de Campos, Rio de Janeiro.
O acordo de acionistas, no entanto, não prevê nenhuma contrapartida ou benefício para a Petrobrás em troca da "alocação especial" que a estatal teria de pagar à Astra em 2007 e 2008, tendo como base os resultados da trading dos anos anteriores. O documento diz que o "pagamento garantido" de 2008 dependeria das receitas obtidas em 2007 - não está claro se ele chegou a ocorrer nem qual o seu valor.
A "cláusula de Marlim" e a "alocação especial" que gerou o pagamento de US$ 85,14 milhões estavam entre as condições que tinham o objetivo de favorecer a sócia belga e protegê-la de riscos associados à operação. Na prática, era uma garantia de lucro mínimo que seria bancada pela estatal mesmo na hipótese de a receita bruta com as operações da trading ser insuficiente para a realização dos pagamentos.
"A quantia dessa alocação especial deve reduzir o montante dos lucros (ou aumentar o montante das perdas) que seriam de outra maneira alocados à sócia Petrobrás", diz trecho do item 4.3 do acordo de acionistas de setembro de 2006 que criou a trading de Pasadena, que era uma empresa distinta da refinaria.
No documento à Receita Federal americana, os advogados da Astra explicam que a estatal brasileira concordou em contribuir com "certas quantias" para o capital da trading, e que esses recursos seriam usados para os "pagamentos garantidos" que asseguravam à Astra a obtenção de lucro na operação independentemente do que acontecesse.
Mau negócio. A Petrobrás comprou metade da refinaria de Pasadena em 2006 por US$ 360 milhões. O negócio foi aprovado pelo Conselho de Administração da estatal, à época comandado por Dilma Rousseff, então chefe da Casa Civil do governo Lula.
Em 2005, a Astra havia pago US$ 42,5 milhões pela empresa, na qual investiu US$ 84 milhões antes da entrada da estatal brasileira no negócio. Em razão de outra cláusula polêmica do contrato, a Petrobrás foi obrigada a comprar os 100% da refinaria após uma longa disputa judicial.
Há duas semanas, Dilma afirmou ao Estado que só aprovou a compra da primeira metade da refinaria de Pasadena porque foi mal informada. Disse que o resumo técnico do negócio era "falho" e "incompleto".
O autor do resumo técnico criticado pela presidente foi Nestor Cerveró, então diretor da área internacional da Petrobrás, Cerveró deixou o cargo em 2008, quando a estatal brasileira iniciou o litígio com a sócia belga. Foi alocado numa diretoria da BR Distribuidora, subsidiária da Petrobrás responsável pelos postos de gasolina da estatal. Após a declaração pública de Dilma sobre as circunstâncias da aprovação do negócio pelo Conselho de Administração em 2006, Cerveró foi demitido da BR Distribuidora.
Defensores. Além dele, o ex-presidente da Petrobrás José Sergio Gabrielli e o ex-diretor de Abastecimento Paulo Roberto Costa eram entusiastas da compra da refinaria. Costa era do "comitê de proprietários" de Pasadena, uma instância de poder da refinaria que a atual presidente da Petrobrás, Graça Foster, disse desconhecer até a semana passada.
O ex-diretor de Abastecimento, que não estava mais na estatal, foi preso na semana passada sob suspeita de receber propina em contratos da refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco.
Em meio à polêmica, a oposição no Congresso articula a criação de uma CPI a fim de investigar as várias suspeitas envolvendo a companhia petrolífera. O grupo já tem assinaturas para abrir a comissão no Senado.
Já Graça Foster, sucessora de Gabrielli, determinou a abertura de uma investigação interna na Petrobrás para apurar todo o processo de compra de Pasadena. Os resultados da investigação serão apresentados em até 45 dias.
Pasadena era uma refinaria ultrapassada e sem capacidade para processar o óleo pesado produzido pela Petrobrás. O objetivo da estatal era reformá-la para que ela pudesse refinar o óleo extraído da Bacia de Campos, em especial do campo de Marlim.