domingo, 30 de março de 2014

De volta para o passado: Hollywood mira nos remakes

Cinema reciclável

 

André Miranda - O Globo


Refilmagens de 'Poltergeist', 'Dirty dancing' e 'Scarface' devem chegar às salas em 2015 Foto: Divulgação
Refilmagens de 'Poltergeist', 'Dirty dancing' e 'Scarface' devem chegar às salas em 2015 Divulgação


Saindo da ficção para a realidade, a viagem de “De volta para o futuro — Parte II” até 2015 poderia não parecer tão estranha para o protagonista Marty McFly. A história do filme começa nos anos 1980, década em que obras como “Poltergeist” (1982), “Scarface” (1983), “Highlander” (1986) e “Dirty dancing” (1987) fizeram um sucesso estrondoso nos cinemas. Em seguida, o personagem viaja ao futuro, para um 2015 de skates voadores e outras tecnologias que deixavam clara a passagem do tempo. Mas, olhando para os dias de hoje e para os longas-metragens que estão sendo anunciados, é provável que o 2015 real não soasse tão distante da realidade de McFly. Que filmes Hollywood pretende lançar nos próximos anos? “Poltergeist”, “Scarface”, “Highlander”, “Dirty dancing”, entre muitos outros remakes.


— A grande vantagem de um remake é ele geralmente ser uma marca já conhecida, o que reduz bastante o custo de marketing no lançamento — diz Paulo Sérgio Almeida, diretor do portal de análise de mercado Filme B. — Mas não é todo remake que dá certo.

O que se questiona hoje em torno do formato dos remakes é justamente se sua fórmula não teria se esgotado, uma tese que ganha força ao se observar as bilheterias de produções recentes como “O vingador do futuro”, “Carrie” ou “Oldboy”. Antes, é preciso esclarecer uma confusão comum:

remakes e franquias são bem diferentes, tanto na origem quanto no desempenho. Quando a Disney comprou a Marvel em 2009, a empresa estava de olho nas infinitas possibilidades para os heróis dos quadrinhos nas telas. Visava, portanto, dar continuidade às histórias de Homem de Ferro, Capitão América, Thor, Vingadores etc, um tipo de filme que vem garantindo boa parte da rentabilidade dos estúdios nos últimos anos. Também por isso, a mesma Disney já começou a produção da sequência da trilogia original de “Guerra nas estrelas”, sucesso criado pela Lucasfilm, outra companhia comprada pela Disney, esta em 2012. São todos casos de franquias, um negócio que vai muito bem, obrigado, e não parece ter data para esfriar.

Fracassos em vários gêneros

Já os remakes são aqueles filmes que recriam uma história feita no passado. O “Karate Kid” de 2010, estrelado por Jaden Smith, até hoje o remake de ação mais rentável no mercado americano, nada mais foi do que uma refilmagem do clássico “Karate Kid” de 1984 (no Brasil, “A hora da verdade”), com Ralph Macchio. Na mesma categoria estão obras como “A fantástica fábrica de chocolate” (a primeira foi dirigida por Mel Stuart e lançada em 1971, enquanto a segunda teve Tim Burton por trás das câmeras e chegou aos cinemas em 2005), “King Kong” (a primeira de Merian C. Cooper e Ernest B. Schoedsack, em 1933; a última de Peter Jackson, em 2005) ou “O chamado” (de Hideo Nakata, em 1998; de Gore Verbinski, em 2002). Esses são casos de remakes.

— As pessoas adoram colocar os remakes e as franquias num mesmo pacote, mas são propostas distintas, com resultados também distintos — diz Rodrigo Teixeira, produtor gaúcho baseado em Los Angeles e supervisor de efeitos visuais em filmes como “Alice no País das Maravilhas” (2010) e “O espetacular Homem-Aranha” (2012). — Hoje, as franquias estão muito bem no mercado, qualquer coisa que é lançada faz muito dinheiro. Já os remakes, nem tanto. “Robocop”, por exemplo, passou pelos cinemas daqui muito rápido, não foi visto por muita gente.

A versão recente de “Robocop”, do brasileiro José Padilha e lançada em fevereiro, era um dos filmes mais aguardados do ano por trazer para os dias atuais a luta contra o crime praticada por um policial metade máquina, metade homem. O filme original, de 1987, foi dirigido por Paul Verhoeven, teve duas continuações e rapidamente ganhou o status de cult. Já a produção deste ano dividiu a crítica e teve uma renda abaixo do almejado nos EUA. Considerando os valores atualizados, o “Robocop” de 2014 teve uma renda no mercado americano (US$ 57 milhões) menor do que o original (US$ 114 milhões) e também do que “Robocop 2” (US$ 90 milhões), de 1990.

A balança de comparações também tende para as versões originais em todos os outros grandes remakes feitos nos últimos três anos, independentemente do gênero. Perto dos US$ 235 milhões da ficção “O vingador do futuro” (1990), os US$ 60 milhões arrecadados pelo “O vingador do futuro” de 2012 são um resultado pífio. O terror “Carrie” (1976), de Brian de Palma, rendeu US$ 132,5 milhões, deixando muito para trás o “Carrie” (2013) de Kimberly Peirce e seus US$ 35 milhões de bilheteria nos EUA. Já o romance “Amor sem fim” foi um sucesso no original de 1981, de Franco Zeffirelli, arrecadando US$ 94 milhões, enquanto que o “Amor sem fim” de Shana Feste estreou nos EUA em fevereiro e até agora não passou dos US$ 24 milhões — no Brasil, o filme estreia em 12 de junho.

Mas um dos piores desempenhos teve o thriller “Oldboy”, de Spike Lee, refilmagem do sucesso sul-coreano de 2005 dirigido por Park Chan-Wook e vencedor do Grande Prêmio do Júri no Festival de Cannes. Com um orçamento de US$ 30 milhões, o filme de Lee foi lançado nos EUA em novembro (ele chega aos cinemas brasileiros em maio) e arrecadou apenas US$ 2 milhões. Num ranking feito pelo site Box Office Mojo, especializado em bilheterias de cinema, o novo “Oldboy” está em 21º lugar entre as produções de Hollywood feitas a partir de filmes asiáticos. Importante dizer: a lista só tem 21 itens.

Mercado internacional

Ainda assim, Hollywood segue apostando nos remakes (veja quadro abaixo), provavelmente torcendo para retomar as boas bilheterias de dez anos atrás. “A guerra dos mundos” (1953), de Byron Haskin, é um dos maiores clássicos de ficção científica da história do cinema e recebeu um Oscar de efeitos visuais. Mas o desempenho de “A guerra dos mundos” de Steven Spielberg deve ter feito os executivos da Paramount, estúdio de ambos os filmes, esquecer o passado: a produção foi a quarta melhor bilheteria de 2005, com US$ 305 milhões. Um ano depois, “Os infiltrados”, remake de “Conflitos internos” (produção de Hong Kong, lançada em 2002), não apenas rendeu US$ 168 milhões no mercado americano como deu a Martin Scorsese seus primeiros Oscars de direção e de melhor filme.

— Os remakes foram uma estratégia de Hollywood para superar uma crise de investimento em matéria-prima. E também para facilitar a entrada no mercado internacional — diz Paulo Sérgio Almeida. — No Brasil, o resultado de “Robocop”, por exemplo, tem sido bom. O filme está com quase 3 milhões de espectadores, exatamente dentro da expectativa que se tinha para ele.

Com tantos remakes por aí, ao menos ninguém cometeu a heresia de anunciar uma refilmagem de “De volta para o futuro”. Por enquanto...