Se o país quiser se tornar mais competitivo e criar empregos melhores, precisa se lançar ao mercado global, diz o diretor-geral da Organização Mundial do Comércio
MARCOS CORONATO - Época
O diplomata brasileiro Roberto Azevêdo vive seu momento de astro. Como diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), coube a ele coordenar a negociação bem-sucedida na conferência internacional de Bali, na Indonésia, em dezembro. A reunião destravou conversas sobre abertura de mercados empacadas desde 2001, na Rodada Doha, no Catar. Em Bali, concordou-se com uma forte diminuição da burocracia global para exportação e importação. Se adotadas, as medidas eliminarão US$ 1 trilhão em perdas com trâmites. Azevêdo virá ao Brasil no final de março, para se encontrar com empresários e com a presidente Dilma Rousseff.
Roberto Azevêdo – Na América do Sul, Chile e Colômbia se desenvolvem muito, avançam no Índice de Desenvolvimento Humano, como economias cada vez mais abertas e inseridas no mercado internacional. A Ásia é um exemplo mais maduro. Um número expressivo de países asiáticos fez a opção por ser economias internacionalizadas. De 2007 a 2012, o Produto Interno Bruto do Vietnã mais que dobrou e a renda per capita subiu 35%. O país fez uma opção clara pela abertura comercial. A África começa agora um processo de desenvolvimento muito importante. Isso acontece, primeiro, pela abertura comercial entre os países africanos, depois com outras partes do mundo. A África começa a participar do comércio global.
ÉPOCA – O Brasil tem um mercado interno grande e não é competitivo. Por que deveria seguir esse exemplo?
Azevêdo – O comércio exterior deve ser um elemento de desenvolvimento e estratégia econômica de qualquer país, mas não pode ser pensado no curto prazo. Tem de fazer sentido no longo prazo. Poucos economistas, hoje, argumentariam que a forma de adquirir competitividade é fechar o mercado e fornecer ao consumidor doméstico, na esperança de que assim você desenvolva a tecnologia e a capacidade necessárias para ser competitivo. Pelo contrário. A gente vê é que modelos fechados tendem a não ser sustentáveis, a gerar ineficiência e falta de competitividade. A abertura do mercado brasileiro e de outros mercados para os produtos brasileiros é importante para qualquer estratégia de ganho de competitividade. Pelas dimensões do país, por nosso parque produtivo, pelo agronegócio, o Brasil não pode se confinar a uma região geográfica. Tem de atingir mercados no mundo inteiro, para escoar essa produção. É uma maneira de desenvolver a competitividade.
ÉPOCA – Após o sucesso inicial em Bali, quais são os próximos passos das negociações na OMC?
Azevêdo – Primeiro, é preciso colocar em vigor o que foi acordado em Bali. Em segundo lugar, usaremos o mandado que nos foi dado pelos ministros presentes em Bali – elaboraremos um programa de trabalho, até dezembro, que desenhe um mapa para a conclusão da Rodada Doha (a nona rodada global de negociações comerciais após a Segunda Guerra Mundial, iniciada em 2001, em Doha). Temos de pensar de maneira realista e criativa ao mesmo tempo, para evitar os erros cometidos no passado. Temos de encontrar objetivos factíveis e alcançáveis no curto prazo.
ÉPOCA – O que é curto prazo para o senhor?
Azevêdo – Na hora que falar num prazo, qualquer que seja, virará um parâmetro. Não quero isso. Tem de acontecer relativamente rápido. Não podemos nos dar ao luxo de demorar outros 13 anos para mostrar algum resultado. Temos de terminar e terminar rápido. Se conseguirmos um entendimento sobre o que é possível conseguir e detalharmos isso, não há motivo para as negociações não serem concluídas no curtíssimo prazo.
ÉPOCA – É possível avançar na inclusão de temas difíceis, como proteção ambiental e boas condições de trabalho? Os países em desenvolvimento tendem a tratar isso como protecionismo dos países desenvolvidos. Recentemente, o senhor afirmou que o comércio exterior poderia ajudar também na igualdade entre os sexos no mercado de trabalho.
Azevêdo – A integração comercial, em si, ajuda nesses temas todos. Até por um efeito de demonstração e por qualidade do emprego. O emprego exportador, criado por uma linha de produção inserida no comércio internacional, já é por si um emprego de melhor qualidade, tanto em exigência de qualificação quanto em remuneração. E os setores mais inseridos no mercado internacional tendem a contribuir com o equilíbrio de gênero, por vários motivos. Nos grandes mercados consumidores, há uma pressão para que os produtos não sejam fruto de exploração, inclusive do trabalho feminino e infantil. Há demandas dos consumidores, nos países que mais compram, para que o produto atenda a determinados padrões ambientais e de qualidade do emprego. Resolvida a Rodada Doha, muitos desses temas da atualidade serão levados à OMC, para decidirmos o melhor jeito de tratá-los.
ÉPOCA – Os países ricos resistem a abrir seus mercados a produtos agrícolas. O senhor nota alguma mudança real aí?
Azevêdo – A liberalização do comércio de produtos agrícolas estará seguramente no palco central da retomada das negociações da Rodada Doha. Há uma demanda clara dos países em desenvolvimento para que os temas agrícolas sejam tratados com seriedade. Ela abre uma janela de oportunidades para o Brasil e para os outros países que têm interesse na liberalização dos mercados de matérias-primas.
ÉPOCA – O número de medidas protecionistas no mundo parece que vem caindo. Passou o surto protecionista pós-crise?
Azevêdo – Desde 2008, fazemos relatórios periódicos para monitorar medidas restritivas ao comércio. Incluímos todo tipo de medida restritiva, compatível ou não com as regras da OMC. Se afetou o comércio de forma restritiva, catalogamos, sem juízo de valor. O número de medidas restritivas ao comércio continua crescendo, mas de forma marginal. Não é mais aquele que se verificou no período que se sucedeu à crise. Em 2012, estava relativamente estável. Em 2013, voltou a subir um pouco, algo que sempre achamos preocupante. Mas foi (um aumento) modesto. Não se pode dizer que tenha havido um pico, uma retomada (das medidas protecionistas). Lamentamos que 80% das medidas restritivas introduzidas desde 2008 continuem em vigor. Só 20% foram retiradas. Esse é o lado ruim da notícia. O lado bom é que o número de medidas restritivas que entraram em vigor após 2008 é inferior ao que imaginávamos. Nosso parâmetro era a crise dos anos 1930, quando uma parcela importante do comércio exterior desapareceu quase da noite para o dia. Desta vez, não foi assim. O sistema multilateral ajudou a conter os ímpetos protecionistas – até por causa das normas da OMC prevendo que um país que infrinja as regras possa sofrer sanções.
ÉPOCA – Há grandes acordos bilaterais em negociação atualmente, sem relação com a OMC. Qual é sua avaliação dessas iniciativas?
Azevêdo – Acordos bilaterais são coisa velha. O Gatt (Acordo Geral de Tarifas e Comércio), de 1947, já definia as regras para eles. A diferença agora é quem participa desses acordos. Na Parceria Transatlântica, você tem Estados Unidos e União Europeia, dois parceiros enormes. Na Parceria Transpacífico, tem uma quantidade enorme de economias (22 participantes), com economias grandes lá dentro (incluindo EUA, China, Japão e Canadá). Sempre que um acordo é alcançado entre um número grande de países, e países com economias importantes, que avançam na liberalização do comércio, acho uma boa notícia. Não são entendimentos fáceis de alcançar. Muitos dos desafios que esses países encontrarão são os mesmos que encontramos aqui na OMC. Não são fáceis de equacionar. À medida que essas soluções forem encontradas, quem sabe elas não podem inspirar nosso trabalho aqui? Muitos dizem que essas iniciativas foram lançadas porque as negociações multilaterais e a OMC não funcionavam. À medida que voltamos a avançar e a ter resultados importantes nas negociações, as atenções se voltam para cá. Qualquer coisa que se negocia aqui se aplica a 160 países.
ÉPOCA – O Brasil é um país fechado e preso ao Mercosul, com parceiros protecionistas. O país ajuda ou atrapalha nas negociações da OMC?
Azevêdo – É claro que cada país tem seus interesses distintos – alguns têm sensibilidade na área industrial, outros na agrícultura, outros em propriedade intelectual. Todo mundo tem suas sensibilidades e suas dificuldades. O Brasil tem sido muito importante nas negociações em Genebra. Foi um ator central, ajudou nas negociações. Espero que o Brasil continue assim. Não tenho do que reclamar.