domingo, 30 de março de 2014

"Falta muita coisa no SUS", editorial do Estadão

Faltam leitos, faltam profissionais de saúde, faltam medicamentos e insumos hospitalares, faltam equipamentos - e, quando há, podem estar obsoletos ou sem manutenção -, a estrutura física muitas vezes é inadequada e os recursos de tecnologia de informação são insuficientes. Estes são alguns dos "problemas graves, complexos e recorrentes" detectados por uma auditoria inédita do Tribunal de Contas da União (TCU) sobre a assistência hospitalar no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Os brasileiros que precisaram recorrer aos serviços do SUS conhecem alguns desses problemas, mas o levantamento feito por auditores do TCU mostra com precisão numérica a real situação desses hospitais.

Em 2013, ano em que foi feito o levantamento, existiam 5.208 hospitais gerais e 417 prontos-socorros gerais ligados ao SUS. A pesquisa abrangeu 116 unidades (2% do total), distribuídas por todos os Estados e pelo Distrito Federal. Como a pesquisa foi concentrada nos hospitais maiores, o número de leitos da amostra (27.614) corresponde a 8,6% do total disponível no SUS (321.340 leitos).

A redução do número de leitos por habitante vem ocorrendo em boa parte do mundo. Esse fenômeno está sendo registrado também no SUS. Mas, ao contrário do que ocorre nos países industrializados, onde a redução não resulta em piora do atendimento da população, aqui ela torna piores os índices que já eram ruins.

Em 1995, o Brasil tinha, em média, 3,22 leitos hospitalares por 1.000 habitantes, mas em 2010 o índice tinha caído para 2,63. Também o índice médio dos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) vem caindo (de 5,4 em 2000 para 4,6 em 2010). Na OCDE, porém, a redução se deveu em parte ao avanço da tecnologia, que permitiu o aumento do número de procedimentos que não necessitam de internação.

A consequência mais óbvia da redução do número de leitos no Brasil é a superlotação de boa parte dos hospitais, especialmente do setor de emergências. Dirigentes de 64% dos hospitais avaliados pelo TCU informaram que há superlotação nas emergências. Pacientes atendidos ou internados em corredores, em macas, em cadeiras e em bancos não são cenas raras nesses hospitais.

A falta de articulação entre os programas públicos de saúde e a provável ineficácia de alguns deles acabam empurrando mais pacientes para a área de emergência, tornando mais grave o problema da superlotação. Com dificuldade de acesso aos serviços de atenção básica, que não cobrem todo o País, parte da população procura os serviços de emergência. Dirigentes de 58% dos hospitais informaram que mais da metade dos pacientes atendidos na emergência apresenta problemas de baixa gravidade ou urgência.

Mais da metade dos estabelecimentos apresentou, em 2012, taxas de ocupação superiores a 85%, fato que se repetiu no primeiro semestre do ano passado. É um índice superior ao considerado desejável pelo Ministério da Saúde (de 80% a 85%), o que pode indicar superlotação. Das 116 instituições fiscalizadas, 94 (ou mais de 80%) não tinham o quadro profissional completo. A falta de pessoal resulta na não realização de procedimentos necessários, ou sua realização em padrões inferiores, e até no bloqueio de leitos, que já são escassos.

A falta de medicamentos e insumos foi apontada como problema por 25 hospitais avaliados. Mas não é improvável, segundo os auditores do TCU, que outros hospitais venham utilizando medidas paliativas, como a substituição de materiais por outros menos adequados para determinados procedimentos ou tratamentos.

Quanto a equipamentos, 89 hospitais careciam de algum aparelho. Por falta de equipamentos mínimos para seu funcionamento, 251 leitos estavam bloqueados. Quanto à estrutura física, 85 hospitais disseram que é inadequada, por causa do mau estado de conservação, projeto arquitetônico ruim ou defasado e utilização de imóvel projetado para outras finalidades. Em plena era do computador, 11% dos hospitais visitados disseram não possuir sistema informatizado.