O Estado de São Paulo
A imagem da presidente Dilma Rousseff construída pelo publicitário João
Santana tem dois pilares de sustentação: ética e competência gerencial. Apoiado
em sua fina sensibilidade marqueteira, Santana captou as demandas da sociedade.
Ninguém aguentava mais a roubalheira que terminou na grande síntese da
picaretagem: o mensalão. Mas os brasileiros também queriam um País mais bem
administrado, alguém que fosse capaz de dar respostas às demandas por educação,
saúde, logística, etc. Vendeu-se, então, a imagem da gerentona. Ao contrário de
Lula, Dilma seria uma administradora focada, competente, exigente com os
resultados da gestão pública.
O marketing, apoiado em fabulosos gastos de propaganda, continua firme. Mas a
imagem real de Dilma Rousseff começa a ruir como um castelo de cartas. O perfil
ético da administradora que combate os "malfeitos" já não se sustenta. O
vale-tudo, o pragmatismo para construir a reeleição, a irresponsabilidade na
gestão da economia, sempre subordinada aos interesses da campanha (basta pensar
no uso político da Petrobrás e na postergação do aumento da conta de energia
para 2015), pulverizaram os apelos do marketing. Eu mesmo, amigo leitor, não
obstante minhas divergências ideológicas com a presidente da República, tinha
alguma expectativa com seu governo. Hoje minha esperança é zero.
Mas o pior estava por vir. A suposta competência de Dilma foi engolida pelo
lamentável episódio da compra da refinaria em Pasadena. A imagem da
administradora detalhista e centralizadora simplesmente acabou. Então presidente
do Conselho de Administração da Petrobrás, ela autorizou a empresa a comprar por
US$ 360 milhões 50% da refinaria no Texas, que havia sido vendida um ano antes a
uma empresa belga, a Astra Oil, por US$ 42,5 milhões. Por falta de informação ou
desleixo, nem Dilma nem nenhum dos conselheiros chamaram a atenção para o fato
de que, para ficar com metade do empreendimento, a Petrobrás desembolsaria 8,5
vezes mais do que a Astra Oil gastara pouco antes pelo total.
Quando, em 2007, o Conselho negou à Petrobrás autorização para aceitar a
proposta de compra dos demais 50%, a vendedora acionou a Justiça americana para
obrigá-la a isso, invocando a cláusula contratual Put Option, segundo a qual, em
caso de desavença entre os sócios, um deve ficar com a parte do outro. Em 2008,
a Petrobrás recorreu. Derrotada na Justiça, acabou pagando aos belgas US$ 820,5
milhões - US$ 639 milhões pela metade com que queria ficar mais honorários e
custas processuais. O caso foi divulgado em 2012 pelo Broadcast, o serviço em
tempo real da Agência Estado. Mas o mais grave ainda veio depois.
Confrontada por documentos inéditos atestando o voto favorável da então
conselheira Dilma Rousseff à compra da refinaria na reunião de 2006, ela
admitiu, em nota da Presidência da República ao jornal O Estado de S.
Paulo, que se baseara num mero resumo executivo, "técnica e
juridicamente falho", dos termos da transação. Ao contrário da afirmação de
Dilma, porém, executivos da Petrobrás, ouvidos pela Folha de S.Paulo, disseram
que ela e todo o Conselho de Administração da estatal tinham à disposição, em
2006, o processo completo da proposta de compra da refinaria.
Resumo da ópera: Dilma aprovou sem ler uma transação que dilapidou o dinheiro
público. Administração temerária é o mínimo que se pode deduzir.
Estarrecedor.
O ex-procurador-geral da República Roberto Gurgel considera "extremamente
grave" esse caso, em que a Petrobrás teve prejuízo bilionário. Se houver
indícios de responsabilidade da presidente no episódio, Dilma Rousseff deverá
ser ouvida em Brasília pelo Ministério Público. "A partir do momento em que
surjam indícios do envolvimento de pessoa com prerrogativa de foro, a
investigação tem de ser deslocada para o procurador-geral da República", afirmou
Gurgel em entrevista ao UOL.
A imprensa não pode admitir, mais uma vez, que a técnica da submersão acabe
por tirar o foco de um escândalo de grandes proporções. É preciso empunhar o
bisturi e lancetar o tumor da irresponsabilidade com o dinheiro público.
Chega!
Boa parte do noticiário de política, mesmo em ano eleitoral, não tem
informação. Está dominada pelo declaratório e ofuscada pelos lances do marketing
político. Dilma continua sendo apenas uma embalagem. Mas seu verdadeiro conteúdo
começa a aparecer.
Em recente coluna, com texto competente e saboroso, o jornalista Elio Gaspari
radiografou o atual governo: "Quando a doutora Dilma assumiu a Presidência, uma
ação da Petrobrás valia R$ 29. Hoje ela vale R$ 12,60. Somando-se a perda de
valor de mercado da Petrobrás à Eletrobrás, chega-se a cerca de US$ 100 bilhões.
Isso significa que a gestão da doutora comeu um erário equivalente à fortuna do
homem mais rico do mundo (Bill Gates, com US$ 76 bilhões), mais a do homem mais
rico do Brasil (Jorge Paulo Lemann, com US$ 19,7 bilhões). Noutra conta, a perda
do valor de mercado das duas empresas de energia equivale à fortuna dos dez
maiores bilionários brasileiros". O truque do preço da energia custou um Bill
Gates mais um Jorge Paulo Lemann e ainda sobram alguns bilhões, concluiu
Gaspari.
Na verdade, Dilma é o terceiro mandato de Lula. Mas sem o carisma, sem a
habilidade, sem o domínio das bases, sem a ginga do criador e sem a sua
intuitiva sensibilidade de mercado.
A programação eleitoral é, quando muito, uma aproximação da verdadeira face
dos candidatos. Tem muito espetáculo e pouca informação. Só o jornalismo
independente pode mostrar o verdadeiro rosto dos candidatos. Sem maquiagem e sem
efeitos especiais. Temos o dever de fazê-lo.