segunda-feira, 31 de março de 2014

"Marketing x realidade", por Carlos Alberdo Di Franco

O Estado de São Paulo


A imagem da presidente Dilma Rousseff construída pelo publicitário João Santana tem dois pilares de sustentação: ética e competência gerencial. Apoiado em sua fina sensibilidade marqueteira, Santana captou as demandas da sociedade. Ninguém aguentava mais a roubalheira que terminou na grande síntese da picaretagem: o mensalão. Mas os brasileiros também queriam um País mais bem administrado, alguém que fosse capaz de dar respostas às demandas por educação, saúde, logística, etc. Vendeu-se, então, a imagem da gerentona. Ao contrário de Lula, Dilma seria uma administradora focada, competente, exigente com os resultados da gestão pública.

O marketing, apoiado em fabulosos gastos de propaganda, continua firme. Mas a imagem real de Dilma Rousseff começa a ruir como um castelo de cartas. O perfil ético da administradora que combate os "malfeitos" já não se sustenta. O vale-tudo, o pragmatismo para construir a reeleição, a irresponsabilidade na gestão da economia, sempre subordinada aos interesses da campanha (basta pensar no uso político da Petrobrás e na postergação do aumento da conta de energia para 2015), pulverizaram os apelos do marketing. Eu mesmo, amigo leitor, não obstante minhas divergências ideológicas com a presidente da República, tinha alguma expectativa com seu governo. Hoje minha esperança é zero.

Mas o pior estava por vir. A suposta competência de Dilma foi engolida pelo lamentável episódio da compra da refinaria em Pasadena. A imagem da administradora detalhista e centralizadora simplesmente acabou. Então presidente do Conselho de Administração da Petrobrás, ela autorizou a empresa a comprar por US$ 360 milhões 50% da refinaria no Texas, que havia sido vendida um ano antes a uma empresa belga, a Astra Oil, por US$ 42,5 milhões. Por falta de informação ou desleixo, nem Dilma nem nenhum dos conselheiros chamaram a atenção para o fato de que, para ficar com metade do empreendimento, a Petrobrás desembolsaria 8,5 vezes mais do que a Astra Oil gastara pouco antes pelo total.

Quando, em 2007, o Conselho negou à Petrobrás autorização para aceitar a proposta de compra dos demais 50%, a vendedora acionou a Justiça americana para obrigá-la a isso, invocando a cláusula contratual Put Option, segundo a qual, em caso de desavença entre os sócios, um deve ficar com a parte do outro. Em 2008, a Petrobrás recorreu. Derrotada na Justiça, acabou pagando aos belgas US$ 820,5 milhões - US$ 639 milhões pela metade com que queria ficar mais honorários e custas processuais. O caso foi divulgado em 2012 pelo Broadcast, o serviço em tempo real da Agência Estado. Mas o mais grave ainda veio depois.

Confrontada por documentos inéditos atestando o voto favorável da então conselheira Dilma Rousseff à compra da refinaria na reunião de 2006, ela admitiu, em nota da Presidência da República ao jornal O Estado de S. Paulo, que se baseara num mero resumo executivo, "técnica e juridicamente falho", dos termos da transação. Ao contrário da afirmação de Dilma, porém, executivos da Petrobrás, ouvidos pela Folha de S.Paulo, disseram que ela e todo o Conselho de Administração da estatal tinham à disposição, em 2006, o processo completo da proposta de compra da refinaria.

Resumo da ópera: Dilma aprovou sem ler uma transação que dilapidou o dinheiro público. Administração temerária é o mínimo que se pode deduzir. Estarrecedor.

O ex-procurador-geral da República Roberto Gurgel considera "extremamente grave" esse caso, em que a Petrobrás teve prejuízo bilionário. Se houver indícios de responsabilidade da presidente no episódio, Dilma Rousseff deverá ser ouvida em Brasília pelo Ministério Público. "A partir do momento em que surjam indícios do envolvimento de pessoa com prerrogativa de foro, a investigação tem de ser deslocada para o procurador-geral da República", afirmou Gurgel em entrevista ao UOL.

A imprensa não pode admitir, mais uma vez, que a técnica da submersão acabe por tirar o foco de um escândalo de grandes proporções. É preciso empunhar o bisturi e lancetar o tumor da irresponsabilidade com o dinheiro público. Chega!

Boa parte do noticiário de política, mesmo em ano eleitoral, não tem informação. Está dominada pelo declaratório e ofuscada pelos lances do marketing político. Dilma continua sendo apenas uma embalagem. Mas seu verdadeiro conteúdo começa a aparecer.

Em recente coluna, com texto competente e saboroso, o jornalista Elio Gaspari radiografou o atual governo: "Quando a doutora Dilma assumiu a Presidência, uma ação da Petrobrás valia R$ 29. Hoje ela vale R$ 12,60. Somando-se a perda de valor de mercado da Petrobrás à Eletrobrás, chega-se a cerca de US$ 100 bilhões. Isso significa que a gestão da doutora comeu um erário equivalente à fortuna do homem mais rico do mundo (Bill Gates, com US$ 76 bilhões), mais a do homem mais rico do Brasil (Jorge Paulo Lemann, com US$ 19,7 bilhões). Noutra conta, a perda do valor de mercado das duas empresas de energia equivale à fortuna dos dez maiores bilionários brasileiros". O truque do preço da energia custou um Bill Gates mais um Jorge Paulo Lemann e ainda sobram alguns bilhões, concluiu Gaspari.

Na verdade, Dilma é o terceiro mandato de Lula. Mas sem o carisma, sem a habilidade, sem o domínio das bases, sem a ginga do criador e sem a sua intuitiva sensibilidade de mercado.

A programação eleitoral é, quando muito, uma aproximação da verdadeira face dos candidatos. Tem muito espetáculo e pouca informação. Só o jornalismo independente pode mostrar o verdadeiro rosto dos candidatos. Sem maquiagem e sem efeitos especiais. Temos o dever de fazê-lo.