domingo, 30 de março de 2014

"Aperto na política monetária é doloroso, mas necessário", editorial de O Globo

 

  • As projeções de inflação do próprio Banco Central divulgadas recentemente apontam para 6,1% em 2014, índice muito próximo do teto da meta definida pelo governo


O Comitê de Política Monetária (Copom) se reúne esta semana num momento em que as dúvidas sobre a trajetória da inflação contaminam as expectativas das instituições financeiras e de grande parte dos demais agentes econômicos. Ninguém tinha dúvidas que 2014 seria um ano em que os esforços para controle da inflação teriam de ser redobrados devido aos aumentos que foram represados em 2013 (tarifas de transporte, combustíveis, etc.).

Esse quadro se agravou devido à estiagem nas regiões Sudeste e Centro-Oeste em janeiro e fevereiro, que encareceu a energia elétrica e afetou a produção de alimentos. Para evitar um tarifaço, que pressionaria ainda mais a inflação, o governo optou por postergar o ajuste nos valores cobrados dos consumidores de eletricidade, mas a conta recairá no curto prazo sobre o Tesouro Nacional.

Com isso, se havia uma natural dificuldade (devido ao ano eleitoral) em se atingir as metas fiscais necessárias para se chegar ao fim de 2014 com indicadores mais favoráveis nas finanças públicas, agora o quadro se tornou mais incerto. Em fevereiro, o Tesouro registrou déficit primário, fazendo com que o setor público como um todo apresentasse no primeiro bimestre um resultado inferior em 19% ao de mesmo período de 2013, cujo desempenho não foi exemplar. E o dado não foi pior porque, surpreendentemente, estados, municípios e companhias estatais foram mais superavitários do que o previsto no mês de fevereiro.

Sem garantia de que o governo poderá dar boa contribuição para o combate à inflação por meio da política fiscal, as autoridades monetárias ainda se deparam com mais um fator negativo, que foi o rebaixamento do conceito de crédito da economia brasileira por parte de uma destacada agência internacional de avaliação de risco, a Standard&Poors. Na escala de avaliação da agência, o Brasil se manteve na categoria “grau de investimento”, mas apenas um degrau acima da classificação das economias que estão na faixa considerada especulativa.

Na reunião de quarta-feira, os membros do Copom provavelmente terão de apertar um pouco mais o torniquete da política monetária, embora as taxas básicas de juros já estejam em patamar elevado. Em seu relatório trimestral, o Banco Central observou que mesmo com esse nível de taxa de juros os modelos teóricos que orientam as autoridades apontam para uma inflação de 6,1% este ano, medida pela IPCA (índice apurado pelo IBGE), muito próximo do teto da meta (6,5%). É um percentual que superaria o do ano passado,e manteria a inflação afastada do centro da meta (4,5%) definida pelo governo.

Aperto de política monetária em um cenário de ritmo de fraco crescimento da economia é uma decisão dolorosa. Mas não se pode admitir que os principais responsáveis pelo controle da inflação fiquem de braços cruzados.