domingo, 30 de março de 2014

"Quantas lágrimas", por Aldir Blanc

O Globo
 

A tortura, a morte e ocultação de cadáver do Amarildo cobriram a pacificação de descrédito

 
Estou me sentindo em avião da Malaysia Airlines, só que há destroços para onde quer que eu olhe. Uma baleada, no Rio, foi posta na mala de um carro e arrastada 200 metros. Os PMs responsáveis eram, supostamente, homens treinados.

As perguntas: isso é procedimento padrão para socorrer feridos? Por que jogaram o corpo na mala? Maior conforto da vítima? Para não sujar o banco? E a mala foi deixada aberta por descuido ou para melhorar a ventilação? Um motorista qualificado não percebe que está arrastando uma pessoa?

 O pilantra da Petrobras que bolou o golpe de Pasadena merece cadeia, mas não vou entrar nesse Fla-Flu porque não vejo sinais dos tucanôs-du-metrrrô serem punidos. Dezenas de pés de chinelo estão na mira da Cega.

Cadê a chefia? A coisa vem de Covas, passa por Serra e chega a Alckmin. Faltam muitos indiciamentos de aves bicudonas. Tem ladrão em todo lugar: nos bancos, nas empreiteiras, nas ONGs, nos ministérios da Cultura e dos Esportes, na CBF, no COB, na Fifa... É tanto gatuno nos galhos que as árvores não estão aguentando.

Faltam poucos dias para a Copa, e o que vemos? Denúncias de corrupção, apagões, confas em aeroportos, falta d’água, estádios cercados por guindastes, bate-estacas, todo tipo de tralha terceirizada para aumentar o l-u-c-r-o. É impatriótico temer uma catástrofe? Se ocorrer e um carioca citar a tragédia num samba, o crítico paulistano “entenderá” o verso?

O dr. Beltrame dá entrevistas como alguém sitiado. A verdade é que a tortura, a morte e ocultação de cadáver do Amarildo cobriram a pacificação de descrédito. Estamos seguros, dr. Beltrame? Fiquei muito triste quando uma amiga foi morar nos cafundós porque o tráfico da Rocinha requisitou as filhas dela para o harém. O curioso é que, há dez anos, outra amiga da família fugiu de Vilar dos Telles pelo mesmo motivo. E veja as datas, doutor: há quase 40 anos mudei para meu esconderijo e um faz-tudo da rua voltou para o interior.

 O tráfico ordenara a adesão das gêmeas do trabalhador ao serralho. Comandantes baleados, UPPs incendiadas, ladrões correndo feito baratas. Ligue os pontos, dr. Beltrame: enquanto Mamaluf continuar solto, Lobão for ministro e Sarney passar por reserva moral, o cacete vai continuar comendo, tão certo quanto vão nascer trepadeiras na careca do Réu-nan...

Isabel Diegues fez um lindo curta, baseado no livro que escrevi sobre a infância em Vila Isabel. Paulo Goulart e Nicette Bruno brilharam nos papéis de meus avós. Fui à Bienal do Livro e encontrei o casal. Paulo disse pra Nicette: “Olha o nosso neto!” Me beijaram, abraçaram, me cercaram de tanto carinho que achei que meus avós tinham voltado.

Acreditando, só um instantinho, na hipótese de Pascal, quem sabe, no futuro, não tomamos Paulo, meu vô e eu uma vinhaça lusitana dessas de deixar a boca roxa. Paulo e Nicette, além de imensos artistas, são pessoas insubstituíveis. Faço minhas as palavras do grande Manacéa: “Quantas lágrimas eu tenho derramado...”