domingo, 30 de março de 2014

"De Massu@edu para EnzoPeri@gov", por Elio Gaspari

O Globo
 

General, o sr. nunca pôs a mão na massa, eu pus, ajude o Exército dissociando-o da tortura passada
 

Senhor Comandante do Exército Brasileiro,

Enquanto vivi, até 2002, fui visto pelos comunistas como um assassino. O general Jacques Massu encarnava a tortura e o extermínio de terroristas que lutavam pela independência da Argélia. Escrevo-lhe com essa autoridade. Eu mandei torturar (testei a máquina de choques elétricos no meu próprio corpo) e ganhei a Batalha de Argel. Um palhaço italiano fez um filme com esse título. Fui um soldado. Lutei na Segunda Guerra e no Vietnã. Em 1956 assumi plenos poderes para acabar com a revolta argelina e um ano depois a insurreição estava dominada. Matamos duzentos e prendemos 1.800. Os comunistas dizem que sumimos com quatro mil.

Falo com a autoridade de um vencedor derrotado. Ganhei a batalha, mas perdi a guerra. O general De Gaulle deu a independência à Argélia e, quando resolvi confrontá-lo numa entrevista, meteu-me o chanfalho, tomando-me o comando. Fez muito bem. Como soldado, voltei ao quartel, e em 1968, quando ele precisou de apoio, veio para meu quartel. De Gaulle achava que eu era um idiota. Talvez fosse, mas era gaullista. Aí no Brasil vocês também ganharam a batalha e perderam a guerra. A senhora que preside o país, eleita pelo povo, foi militante de uma organização terrorista na juventude.

Escrevo-lhe numa terceira capacidade. Vi a ruína da máquina que montei. Começamos torturando terroristas, tentamos um golpe de Estado e acabamos criando uma milícia terrorista e corrupta. O chefe civil desse grupo asilou-se aí no Brasil e viveu em Campinas. Centenas de homens da minha tropa explodiram bombas, mataram um general e armaram vinte atentados para liquidar De Gaulle.

Num, quase conseguiram. Acertaram 14 tiros no Citroën do presidente. O coronel que comandou a operação pediu clemência, mas De Gaulle passou-o nas armas.

General Enzo, aí no Brasil aconteceu a mesma coisa. Da máquina da tortura saiu um braço terrorista. O general Paul Aussaresses foi adido militar no Brasil. Ele trabalhou comigo na Argélia e hoje vive jantando com uns generais brasileiros que mandavam no Centro de Informações do Exército. Eu os evito, porque sei que, ao contrário do que sucedeu na França, o terrorismo militar brasileiro não operou na clandestinidade. Continuou dentro da hierarquia. O senhor sabe quem botou bombas por aí, até que dois trapalhões explodiram-se no Riocentro. Os senhores cometeram um erro militar quando não seccionaram esse braço criminoso, mas o feito, feito está.

O erro militar persiste quando os senhores se recusam a admitir o que houve. O Exército francês não carrega mais a cruz do que Jacques Massu fez na Argélia. De general para general: o major que comandava um centro de torturas onde matavam brasileiros que ameaçavam o Estado estava cumprindo ordens e depois seguiu sua carreira, como eu. É diverso o caso de outro major que, ouvindo chefes, metia-se com bombas. Um coronel que trabalhou no SNI diz que houve um plano para derrubar o helicóptero do presidente. Conheço minha gente, sei a distância entre querer e fazer, mas o fato é que pensaram nisso ou, pelo menos, disseram que pensaram.

O primeiro erro militar cometido pelos generais brasileiros (e por mim) foi transformar tenentinhos em torturadores e assassinos. O segundo foi acobertar crimes que nada tinham a ver com a defesa do Estado. Pelo contrário, queriam explodi-lo. O terceiro, seu, é achar que o silêncio abafará o passado. Peça o livro de alterações do oficial Freddie Perdigão Pereira e veja como um tenente dos blindados transformou-se num matador e meteu-se em atos terroristas. Veja lá, general, ele estava com os blindados, não tinha curso de motomecanização, mas montava cavalos e jogava vôlei. Hélas! Eu já o vi por aqui. Parece-se com Roger Degueldre, um dos meus tenentes, que foi executado no Fort d'Ivry. Não foi fácil fazer a transição. Três oficiais recusaram-se a comandar o pelotão de fuzilamento de Degueldre.

Quem transformou esse tenente no terrorista "Danielle"? Nós, os generais da época.

O fatos ocorridos nas vossas prisões estão cobertos pela Lei da Anistia. Se o Congresso e o Supremo Tribunal Federal quiserem mudá-la, assim são as coisas, mas enquanto isso não acontecer, vale a lei.

Os comunistas se esquecem que em 1946 o governo italiano anistiou os delitos cometidos depois de 1943 pelos fascistas e pelos combatentes da Resistência. Lembremos que essa lei foi assinada pelo ministro da Justiça, Palmiro Togliatti, secretário-geral do Partido Comunista.

Soldados sabem como é a vida. Os políticos e os endinheirados nos chamam para fazer o serviço e olham para o lado. Quando a situação muda, deixam a sujeira correr para os quartéis. Outro dia um general magrinho, seco como uma uva passa, contou-me que, há pouco tempo, nos cinemas brasileiros aplaudiu-se em cena aberta um filme que mostrava um traficante de drogas sendo torturado pela polícia militar do Rio de Janeiro. Ele diz que a tortura tem apoio popular. Parece que nos anos 70 ele chefiou o Centro de Informações do Exército.

Como essa mentalidade nunca desaparecerá, despeço-me deixando um registro: Jacques Massu pode ser um idiota, afinal, foi De Gaulle quem o disse, mas não é teimoso. Em 2000, aos 92 anos, dei uma entrevista dizendo o seguinte: "A tortura não é indispensável em tempo de guerra, podíamos ter passado sem ela. Quando repenso a Argélia, desolo-me. Aquilo fazia parte de um ambiente".

Por que o senhor não diz coisa parecida? Afinal, ao contrário do Massu, o senhor nunca meteu a mão na massa.

Respeitosamente,

Jacques Massu

General do Exército francês


PETROCOMISSÁRIO

A Polícia Federal ouviu um telefonema recebido por uma parente do petrocomissário Paulo Roberto da Costa pedindo a um parente próximo que recolhesse computadores que estavam em sua casa.

Deu errado. As máquinas foram apreendidas e, para piorar a situação, o doutor, que está na cadeia, sabe que criou problemas para pessoas que nada tinham a ver com sua memória eletrônica.

Esse episódio poderá refrescar sua memória biológica nos depoimentos ao Ministério Público.


SILÊNCIO

O deputado Vicentinho, líder do PT na Câmara, mostra o lado decadente do comissariado quando ameaça responder à oposição com investigações sobre esqueletos do PSDB, como o cartel da Alstom em São Paulo.

A ideia é ótima, mas veio tarde, como se o companheiro quisesse cobrar pelo próprio silêncio.
Nada de novo. Quando começaram os pedidos de investigação da Petrobras, saiu de sua cúpula a seguinte pergunta: "Porque só na Petrobras?"


AVISO AMIGO

Se o governo quer evitar surpresas, deve dar uma olhada nos negócios que copatrocina juntando grandes empreiteiras, bancos oficiais e cleptocratas africanos. Nunca é demais lembrar que Isabel dos Santos, filha do presidente de Angola, é a mulher mais rica d'Africa, com uma poupança estimada em US$ 4,1 bilhões.


MISTÉRIO

É sabido que os americanos vivem em estado de alerta contra doenças transmitidas por bichos. Lá as vacinas antirrábicas de cachorros valem por três anos. No Brasil, valem só por um ano.
Ou os cachorros brasileiros são viciados em vacinas ou o vício é outro.