Amordaçados, políticos, estudantes e jornalistas posam para campanha na Venezuela
- ‘Tua voz é teu poder’, do fotógrafo Daniel Bracci, procura denunciar violações contra os direitos humanos no país
- María Corina, Antonio Ledezma e Leopoldo López estão na lista dos fotografados
- Ex-miss aparece de coroa e sangrando
Luciano Abreu - O Globo
CARACAS — Não é armado nas ruas que venezuelano Daniel Bracci protesta contra a violência e a crise econômica no seu país. É através das lentes que o fotógrafo de 30 anos, natural da capital, Caracas, procura conscientizar os compatriotas e o mundo dos percalços pelos quais a Venezuela passa nos últimos meses. Nas fotos para a campanha “Tua voz é teu poder”, Bracci já reúne apoio de líderes políticos, como Leopoldo López, preso há mais de um mês pelo governo de Nicolás Maduro, e María Corina Machado, deputada opositora que acaba de perder o mandato. No álbum, outras pessoas que se consideram vítimas da perseguição exprimem a repulsa pela “situação de caos” no país: jornalistas, políticos e estudantes.
Os registros de Bracci chamam a atenção pela força da expressão dos fotografados. Eles aparecem amordaçados, com revólver apontado para a cabeça, presos em redes, pendurados em cordas e ganchos, imundos, com hematomas e manchados de sangue. Na maioria das fotos, as vítimas têm a boca tapada, uma clara alusão à falta de liberdade de expressão, problema que o fotógrafo quer chamar a atenção. O governo tem vivido uma queda de braço constante com os meios de comunicação.
— Acredito que a fotografia é uma ferramenta que mostra minha visão como artista e, neste momento, minha indignação e frustração em ver meu país cair aos pedaços e não haver diálogo para mudar a situação de caos e atropelo aos direitos humanos — explica Bracci ao GLOBO por e-mail.
A campanha “Tua voz é teu poder” começou pela internet. Bracci utiliza as redes sociais para divulgar as fotos, e desde o ano passado a ONG venezuelana “Um mundo sem mordaça”, voltada a ações pela liberdade de expressão e direitos humanos através da cultura e da arte, divulga o trabalho.
Esta semana a campanha teve uma ampla repercussão para muito além das fronteiras de Caracas depois de divulgar a foto da Miss Universo 2009 Stefanía Fernández envolta por uma corda, amordaçada, com a coroa sobre o cabelo desgrenhado e chorando sangue, este escorrendo pelas mãos.
— Sem dúvida é a foto que mais deu a volta ao mundo e foi a que pôs a Venezuela no olho do furacão. Agora todos os meios de comunicação internacionais veem uma realidade que antes estava disfarçada.
Contando com a miss, 120 pessoas aderiram ao movimento e posaram para as câmeras. O critério de seleção é único: estudantes, políticos, jornalistas e dirigentes sociais que, de alguma maneira, se envolvem ou foram vítimas da repressão. Foram registrados María Corina Machado, deputada opositora cassada pela Assembleia Nacional; Antonio Ledezma, prefeito de Caracas; Juan José Gómez, jovem manifestante preso no estado de Lara; Alfredo Romero, diretor do Foro Penal que recolhe denúncias de abusos contra os manifestantes; e Nelson Bocaranda, famoso jornalista crítico ao chavismo.
Também aderiu à campanha Leopoldo López, preso pela Justiça venezuelana no dia 18 de fevereiro acusado de ser responsável por fomentar os protestos no país contra o governo. Segundo o fotógrafo, López foi receptivo à campanha. O líder pertence à ala mais radical da oposição venezuelana e pede a renúncia de Maduro sob o lema “A Saída”. Com ordem de prisão, se entregou em meio a seus partidários, vestidos de branco.
— Para mim, a prisão é para os delinquentes, os assassinos, e não para gente inocente que luta para melhorar um país e a vida de todos nós — opina. — Agora eu pergunto onde estão os assassinos de meu avô... Neste caso nunca houve justiça.
Bracci refere-se à morte do avô, vítima de um tiro, aos 95 anos, quando teve o carro roubado. O país registra uma alta taxa de violência.
— Por isso reclamo, quero que meu país tenha respeito e que cuide da vida de cada um. Assim como meu avô, morreu Monica Spear (atriz e ex-Miss Venezuela morta com o marido em uma tentativa de assalto em janeiro).
Novos rostos
O rol de figuras públicas será incrementada. Bracci tenta no momento convocar a esposa de López, Lilian Tintori, presente nas recentes manifestações contra a prisão do marido. Segundo ele, recorrentemente recebe pedidos de quem deseja se unir à causa, mas o foco também é conquistar artistas internacionais que “sempre lutaram pela paz, como Juanes, Shakira, Miguel Bosé (cantor e ator espanhol), Willie Colon (músico americano e ativista) e todos que desejem envolver-se em prol da liberdade e da democracia”.
Os protestos ocorrem desde fevereiro devido à insatisfação de muitos no país com o aumento dos preços, a escassez de produtos e a insegurança. Até o momento, as manifestações já deixaram 36 mortos. Bracci afirma ser contrário ao chavismo, embora faça ressalvas ao líder Hugo Chávez, morto ano passado. Para ele, se o governo “tivesse feito coisas boas”, o país agora “seria uma potência”, mas isso não aconteceu e a Venezuela “está como está”.
— Nunca apoiei Chávez, mas tenho que reconhecer que ele foi um líder político que tinha um carisma que envolveu o mundo. Ele foi o primeiro a olhar por um setor de população venezuelana que sempre esteve esquecido, os pobres. De resto, só vejo o que acontece faz 15 anos: marchas e mais marchas por um descontentamento de mais da metade da população.