O Estado de São Paulo
O governo gastou demais, desperdiçou bilhões com incentivos errados, ajeitou
as contas com receitas extraordinárias e chega a fevereiro sem meta fiscal e com
perspectiva de mais um ano de baixo crescimento, inflação alta e resultado pífio
no setor externo. Mas a presidente mostra-se muito menos preocupada com a
qualidade e os resultados da administração federal do que com a imagem de sua
política e, é claro, com os arranjos eleitorais. Todos os ministros
substituídos, exceto um, saem do governo para cuidar de suas candidaturas.
A
exceção é a ministra Helena Chagas, da Secretaria de Comunicação (Secom). Seu
sucessor será o atual porta-voz do Executivo, Thomas Traumann, escolhido,
segundo se informa em Brasília, para enfrentar com mais vigor as notícias
negativas e cuidar melhor dos interesses partidários. Esta mudança é a mais, com
perdão da palavra, emblemática. A ideia, tudo indica, é transformar a Secom num
Ministério da Imagem. Os principais condutores da fracassada política econômica
permanecerão nos postos.
É cedo para dizer como funcionará no dia a dia o novo Ministério da Imagem,
como serão distribuídas as verbas publicitárias, como serão orientados os
blogueiros chapa-branca e como se apresentará o próprio ministro, mas um ponto é
certo: nenhum esforço de comunicação será suficiente para neutralizar os efeitos
reais de uma política econômica abaixo de medíocre. Não há como imputar à
ministra Helena Chagas a inflação de 5,91%, o déficit em conta corrente de US$
81,4 bilhões, a estagnação da indústria, o investimento ainda inferior a 20% do
produto interno bruto (PIB) e a baixa disposição dos empresários, indicada em
pesquisa da Confederação Nacional da Indústria (CNI), de investir neste ano.
Para muitos desses empresários, a ministra Helena Chagas e seu sucessor devem
ser figuras desconhecidas ou vagamente lembradas. Mas com certeza todos são
capazes de citar o nome do ministro da Fazenda, dos presidente do Banco Nacional
do Desenvolvimento Econômico Social (BNDES) e do Banco Central (BC) e de outras
personagens associadas, para o bem ou para o mal, às condições, em geral ruins,
da economia brasileira. Os muito atentos talvez até se lembrem do assim chamado
ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Fernando Pimentel.
Mas quem vinculará os percalços econômicos do País à Secom?
Há, de fato, problemas de imagem e de credibilidade, associados, por exemplo,
à famosa contabilidade criativa, à promiscuidade entre o Tesouro e os bancos
federais, ao desastrado controle de preços e de tarifas e ao uso -
discutibilíssimo, embora legal - das exportações fictícias de plataformas de
petróleo para reforçar o saldo comercial.
Sem esse expediente o resultado do
comércio de 2013 teria sido um déficit de US$ 5,18 bilhões, em vez de um
superávit de US$ 2,56 bilhões. A perda de credibilidade expõe o Brasil ao risco
de rebaixamento de sua nota de crédito. Essa é uma das preocupações evidentes da
presidente Dilma Rousseff e foi uma das motivações de sua viagem a Davos, depois
de três anos esnobando o Fórum Econômico Mundial.
Mas nenhuma estratégia de informação ou propaganda apagará os números
publicados pelo governo ou descobertos por analistas ou repórteres atentos. O
último relatório do BC sobre as contas fiscais, divulgado na sexta-feira,
confirma a redução do superávit primário do setor público de 2,39% do PIB em
2012 para 1,9% em 2013, a menor proporção da série iniciada em 2001. O déficit
nominal (incluída, portanto, a conta de juros) aumentou de 2,48% para 3,28% do
PIB.
As contas do Tesouro divulgadas no dia anterior são igualmente ruins. O
resultado primário de R$ 77,07 bilhões só foi obtido com grande volume de
receitas extraordinárias, ou atípicas, como R$ 22,07 bilhões correspondentes a
bônus de concessões. A soma de todos os extras chega a 79% do superávit
primário, isto é, do dinheiro destinado ao pagamento de juros da dívida pública.
Não houve, de fato, economia para a geração desse resultado.
A despesa do
governo central foi 13,6% maior que a do ano anterior, enquanto a receita
líquida, isto é, descontadas as transferências a Estados e municípios, cresceu
12,5%.
Funcionários do Ministério da Fazenda têm consultado especialistas do mercado
financeiro sobre a meta fiscal desejável e crível para este ano. Um superávit
primário equivalente a 2% do PIB deve parecer adequado, segundo avaliações
divulgadas nos últimos dias. Mas ainda é incerto se a presidente Dilma Rousseff
estará disposta a assumir um compromisso dessa proporção.
Ao tomar a decisão, a presidente levará em conta, quase certamente, as
agências de classificação de risco, os interesses eleitorais e os perigos
associados às novas condições do mercado financeiro, resultantes da redução
gradual dos estímulos monetários nos Estados Unidos. A política de comunicação
poderá influenciar uma parte do eleitorado. Mas dificilmente afetará as
avaliações dos especialistas e do público mais informado. Além do mais, as
informações - espera-se - continuarão disponíveis.
Parte dessas informações é de origem oficial. O BC continua prevendo inflação
bem acima da meta pelo menos até o próximo ano. O Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE) fornecerá, se nada mudar, informações mensais
sobre produção industrial, emprego, renda e consumo, e a cada trimestre deverá
atualizar os dados do PIB. Especialistas do setor privado serão consultados
semanalmente pelo BC sobre suas previsões.
Por enquanto, são ruins: crescimento
econômico próximo de 2%, inflação perto de 6% e contas externas fracas. O
governo da presidente Cristina Kirchner tem sido mais direto. Além de pressionar
a imprensa e proibir a divulgação de cálculos privados de inflação, interferiu
nas estatísticas oficiais. Deve haver em Brasília defensores desse modelo. Terão
sucesso?