Vinicius Sassine - O Globo
Sem autorização, Dirceu recebeu visita na Papuda
- Encontro de ex-ministro da Casa Civil foi com o chefe da Defensoria Pública da União
O ex-ministro da Casa Civil José Dirceu recebeu dentro do complexo da Papuda a visita do chefe da Defensoria Pública da União (DPU) de Categoria Especial, Heverton Gisclan Neves da Silva, em caráter especial, fora dos dias e horários regulares de visita e sem qualquer autorização por parte da Vara de Execuções Penais (VEP) em Brasília. Silva não é advogado de Dirceu nem integra sua defesa como defensor público.
Para entrar na Papuda, de forma que não se configurasse uma regalia destoante do tratamento dado aos outros presos, era necessário estar na lista de dez visitantes fornecida pelo detento; ser um dos advogados de defesa; estar em atividade de inspeção nos presídios; ou ter protocolado um pedido e obtido a autorização da Justiça. O encontro entre Dirceu e Silva não se encaixa em nenhuma dessas circunstâncias.
Quando uma romaria de parlamentares passou a adentrar o complexo para estar com os réus do mensalão, a sala do diretor do Centro de Internamento e Reeducação (CIR), presídio do regime semiaberto onde está Dirceu, passou a ser o principal destino dos presos e dos visitantes. Silva nega que o encontro tenha ocorrido na sala do diretor. A conversa, segundo ele, durou 20 minutos.
A reportagem fez dois contatos com o defensor público, um por telefone e outro pessoalmente.
Primeiro, ele disse que procurou Dirceu porque coube à DPU fazer a defesa do doleiro Carlos Alberto Quaglia, cujo processo foi desmembrado da ação do mensalão em curso no Supremo Tribunal Federal (STF) e transferido para a primeira instância da Justiça Federal. Outra razão, alegada nesse primeiro momento, foi o fato de ser escritor:
– Tenho um interesse histórico na AP 470 (a do mensalão). Sou escritor, tenho vários livros publicados. Escrevo contos, poesias, tenho um blog de literatura. Do ponto de vista literário, tenho interesse nos personagens. Tenho um projeto de escrever a respeito.
Depois, o defensor público alegou que Dirceu “poderia ter informações que auxiliassem na defesa de Quaglia”. Segundo Silva, o encontro serviu também para que se informasse a respeito da ação do mensalão, objeto de uma palestra que ele vai ministrar no fim de maio numa universidade em Feira de Santana (BA).
– Tenho de ter cuidado com o discurso, responsabilidade sobre o que falo em relação à AP 470. Posso abordar o assunto em palestras, e preciso ter cuidado com a imagem do ministro, compreensão sobre o que aconteceu – disse.
Ainda segundo o defensor, a DPU tem um grupo especial para acompanhar o julgamento do mensalão, em razão da defesa de Quaglia. A DPU de Categoria Especial cuida dos casos de pessoas sem advogados nos tribunais superiores, com exceção do STF. Na Corte máxima da Justiça, a atribuição é responsabilidade do defensor público-geral federal, Haman Córdova. Foi ele que fez a defesa de Quaglia em plenário.
Silva afirmou que a iniciativa de fazer a visita ao ex-ministro foi “espontânea”, sem comunicar o grupo de trabalho criado. O defensor conta ter ido ao presídio sem avisar e, ao chegar à Papuda, o réu foi avisado de sua presença. Dirceu concordou em recebê-lo.
– Não vejo como problema fazer esse tipo de visita sem comunicação prévia. Não fui para atender ao réu. Não foi uma regalia.
Este é mais um caso concreto de visita especial na Papuda, mesmo depois da decisão judicial em dezembro que determinou o fim da regalia. O GLOBO revelou no domingo que parlamentares continuam entrando no CIR, principalmente para visitar Dirceu, em dias e horários diferentes dos determinados para a massa carcerária. Para isso, eles fazem uso de coletes da Polícia Civil do DF, da escolta policial e até mesmo de carros de dirigentes do sistema.
O deputado distrital Chico Vigilante, líder do PT na Câmara Legislativa, afirmou que “pode adentrar a qualquer momento” na Papuda, pelo fato de ser parlamentar. Ele confirmou ter estado com Dirceu na semana passada e que pretende visitá-lo novamente na próxima semana. Para facilitar a entrada, o deputado usa roupas claras. Os presos precisam vestir roupas brancas.
O Ministério Público do DF recomendou a transferência dos réus do mensalão a um presídio federal caso não cessem regalias como a de visitas especiais. A decisão passa pela VEP e caberia, ao fim, ao Supremo Tribunal Federal (STF). Na noite de ontem, os juízes da VEP determinaram que a Subsecretaria do Sistema Penitenciário (Sesipe) informe em 48 horas a relação de todas as visitas aos réus do mensalão, nos três presídios onde estão, com dia, hora e o registro administrativo.
O defensor público da União que esteve com Dirceu costuma defender projetos de interesse da instituição no Congresso Nacional. São os casos de duas propostas de emenda à Constituição (PECs) na Câmara que têm o deputado Amauri Teixeira (PT-BA) à frente das iniciativas. Na proposta que dá autonomia aos defensores, Teixeira presidiu a comissão especial. O parlamentar é o relator da PEC que prevê um prazo para todos os estados terem defensores públicos.
– Já estive várias vezes no Congresso, com deputados da base do DF. Mas não fiz qualquer contato com políticos do PT antes da visita – disse Silva.