Seria apenas irônico, se o episódio não pudesse tisnar a imagem da nova
composição do Supremo Tribunal Federal (STF): parece ter sido finalmente provada
a tese do PT de que o julgamento da Ação Penal 470 tem um componente
predominantemente político. Uma "maioria de circunstância, formada sob medida",
como afirmou em seu voto um inconformado ministro Joaquim Barbosa - mas, de
qualquer modo, um colegiado diferente daquele que julgou o mensalão em 2012 -,
reverteu a decisão original da Corte e absolveu José Dirceu, Delúbio Soares,
José Genoino e mais cinco do crime de formação de quadrilha, livrando os dois
primeiros do cumprimento da pena em regime fechado.
Essa nova decisão não livra da cadeia os ex-dirigentes petistas condenados
agora a penas inferiores a 8 anos, mas oferece ao partido no poder o argumento,
extremamente útil num ano eleitoral, de que seus ex-dirigentes não formaram uma
quadrilha para comprar apoio parlamentar.
Agiram então, segundo o STF, por iniciativa individual, como criminosos
avulsos. O que não impede de estarem inapelavelmente encarcerados.
A acusação de atuar politicamente, ou de armar "uma farsa", que a
companheirada lançou contra a Suprema Corte quando percebeu que seus líderes
seriam inevitavelmente condenados, foi uma tentativa, muito bem-sucedida pelo
menos no que diz respeito à militância petista, de transformar em mártires
criminosos como José Dirceu, Delúbio Soares e José Genoino e preservar a imagem
de um partido que alardeia ser monopolista da virtude.
Essa estratégia se tornou evidente durante a sustentação oral dos advogados
de defesa dos petistas, na abertura do julgamento dos embargos infringentes.
Numa ação obviamente articulada, relegaram a segundo plano as razões e os
argumentos jurídicos para promover um ato de desagravo político aos seus
clientes.
Todos os ex-dirigentes petistas que a Justiça colocou atrás das grades depois
de um longo e meticuloso julgamento pela Suprema Corte transformaram-se, na
retórica de seus causídicos, em heróis com admirável folha de serviços prestados
ao País e injustamente condenados por um tribunal que se comportou como se fosse
de exceção.
Ninguém mencionou, é claro, o fato de que 8 dos 11 ministros que então
compunham o STF foram nomeados pelos governos petistas. Mas o defensor de
Genoino foi mais longe: garantiu que o fato de o PT estar no poder há quase 12
anos é indesmentível "sinal de que o povo concorda com as práticas que vêm sendo
adotadas". O que não é verdade.
O desfecho do julgamento do mensalão merece uma reflexão que, acima das
paixões ideológicas e partidárias, contribua para o aperfeiçoamento
institucional do Brasil. É impossível, por exemplo, haver estabilidade,
precondição para o desenvolvimento, numa sociedade que não respeita suas
instituições fundamentais. E o Judiciário é uma delas.
Pode-se discordar de suas decisões que, afinal, são tomadas por falíveis
seres humanos. E, para garantir a incolumidade dos direitos individuais diante
de eventuais erros da magistratura, existe uma ampla legislação processual. Mas
questionar a legitimidade do Poder Judiciário e de seus agentes é conspirar
contra a estabilidade institucional. Numa sociedade democrática a ninguém é dado
esse direito.
Assim, é lamentável a necessidade de registrar e reprovar a insistência com
que o presidente do STF e relator do mensalão, ministro Joaquim Barbosa, tem
atropelado o decoro de um colégio de altos magistrados para se comportar com
acintosa agressividade e intolerância sempre que seus pares divergem de seus
votos. A recente elevação do tom desses rompantes pode sugerir que não se trata
mais, apenas, de uma questão de temperamento irascível, mas de cálculo
político.
Ainda falta o exame de embargos menos relevantes, mas é chegada a hora de o
triste episódio do mensalão sair de cena - sem prejuízo de ações correlatas,
como o chamado mensalão mineiro, ou tucano - para que a Justiça produza seus
efeitos e continue a cumprir seu curso.