fonte: Adriano Vizoni/Folhapress
Em entrevista aos repórteres Anchieta Filho e Patrick Santos da Rádio Jovem Pan, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso traçou um panorama da situação atual do Brasil.
Em pleno ano em que se comemoram duas décadas do lançamento do Plano Real – pelo qual foi um dos responsáveis por sua implantação, quando era Ministro da Fazenda durante o governo do então presidente Itamar Franco –, FHC diz enxergar o PSDB em seu momento de maior coesão em períodos pré-eleitorais.
Foram discutidos assuntos como a situação energética, a economia brasileira e os gastos com a Copa do Mundo. Para ele, é hora de o governo agir com maior franqueza com o povo em relação aos problemas que o país enfrenta.
*Ouça a entrevista completa no áudio.
Qual é o grande legado do plano real?
Eu acho que foi dar as pessoas o sentimento de que as coisas valem e que a moeda expressa o valor de uma maneira o mais estável possível. Isso depende de que os governos sejam responsáveis, não gastem ou não façam dividas incessantemente. Obviamente, às vezes é necessário fazer dívidas, mas com cautela. A grande consequência do Plano Real foi o aumento real dos salários. Houve um salto. Foi o começo dessa mobilidade social que estamos vendo com tanto vigor.
Há algum tempo parece que acabou aquela lua de mel dos mercados com o Brasil. O que está acontecendo?
Em primeiro lugar, eu acho que os mercados exageram. Ou acham que está tudo azul ou acham que está tudo mal. Há um pouco de exagero, mas há também um reflexo do sentimento que tem consistência. Há uma relativa frouxidão, frouxidão mesmo, no controle das contas públicas. Há dificuldade da realização do superávit primário e há muitos artifícios que o governo usou e abusou para gerar uma situação de bem estar fiscal que não corresponde à realidade.
Sobre a questão energética, o próprio governo diz que a situação de hoje é muito diferente do racionamento de 2001, quando o senhor era presidente.
É verdade.
O governo descarta qualquer possiblidade de racionamento e nem fala em uma crise do tamanho que alguns analistas falam. Como senhor viu aquilo em 2001 e como o senhor está vendo hoje?
Em 2001, essa energia não era interligada por vias de transmissão. Nós estávamos fazendo essa interligação. Em segundo lugar, nos estávamos começando a construir essa rede de segurança que são as termoelétricas. Em terceiro lugar, eu pelo menos fui surpreendido [em 2001], o que não justifica, pois o governo deveria estar mais atento ao que acontece com a questão dos reservatórios de água. Até março parecia que tudo estava normal, em março não choveu e em abril a situação já era bastante difícil. Hoje em dia a situação é muito diferente, temos as termoelétricas que eu comecei a construir, a interligação do sistema de transmissão de energia elétrica, portanto há mais segurança. Mesmo assim, acho que nunca se pode dizer dessa água eu não beberei. De repente é obrigado a beber da água que não é a melhor. Às vezes é possível que seja necessário diminuir o consumo de energia. Não entendo porque o governo não faz um apelo pelo consumo de energia. Não é racionamento, mas é uma garantia, um seguro. Há muitos especialistas que dizem cuidado, porque se não houver chuva em março pode haver uma situação de maior dificuldade.
Isso teria um efeito político, presidente?
Eu acho que essa é uma preocupação equivocada. Quem está no governo não tem que se preocupar com o efeito eleitoral o tempo todo. Há questões são do interesse público, do país. Temos que esquecer os eventuais efeitos eleitorais e agir com propriedade. Uma coisa não justifica a outra.
O jornal britânico Financial Times disse que o jeito mais fácil de o Brasil recuperar a credibilidade diante de investidores internacionais seria demitir o Ministro da Fazenda, Guido Mantega.
Primeiro eu acho é um intromissão um tanto indevida que pode ter resultados negativos. O presidente pode se sentir impedido de tomar qualquer medida para não dar impressão que esta cedendo à pressão externa. Segundo, eu não acho que questão seria o ministro, a questão é mais geral. Você tem vários desacertos de medidas econômicas. O ministro vai pagar o preço eventualmente. Mas não se resolve trocando de ministro, é preciso mudar o modo pelo qual essas questões são encaradas.
E como seria isso?
A primeira é a sinceridade. Vamos dizer ao país quais são os riscos. A falta de franqueza e de abertura de espirito é o que mais gera o desconforto, a insegurança. Tanto que eu acho que personalizar numa pessoa não resolve.
O senhor acredita que o Brasil pode entrar numa recessão nesse ano como alguns analistas acham ?
Eu não sou tão pessimista assim. Eu acho que tem riscos, é preciso atuar. Na verdade nos estamos crescendo pouco em comparação com a américa latina e com o mundo. No meu governo o crescimento não foi mais extraordinário, mas era maior do que a América Latina e em geral maior que do mundo também. Agora, as condições do mundo são de retomada e nós não engatamos ainda com esse novo momento da economia mundial. E no entretempo, por causa do boom das commodities, nós ficamos um pouco desleixados e fomos imaginando que sempre haveria a possibilidade de continuar crescendo, sem reformas, sem prestar atenção na situação da indústria. Não acho que estamos condenados a um recessão, mas acho que é preciso atuar com mais franqueza e mais consistência para outra vez abrir os horizontes do Brasil e seu futuro.
Estamos num ano de eleição, com sucessão presidencial. As últimas pesquisas indicam que o povo quer mudanças, mas para a sucessão a mudança continua sendo o modo de governar de Dilma Rouseff, por que a oposição não consegue encantar o povo?
Há várias razões, uma delas é que o acesso á opinião pública é um pouco limitada por parte da oposição. Por tradição cultural nossa, os meios de comunicação, sobretudo a televisão, cobrem tudo o que o governo faz e quase nada do que a oposição faz. A repercussão é muito pequena, não se vê nunca o outro lado. Ele só aparece no momento da campanha eleitoral. Isso não me assusta, porque eu vi em várias ocasiões candidatos que saem muito à frente e que perdem vigor quando a campanha começa.
Não existe um sensação de que falta um projeto nacional também para a oposição?
É possível. Mas veja, [essa semana] o senador Aécio Neves fez um discurso propositivo no senado. E qual foi a repercussão do discurso na população? Ficou conhecendo fragmentariamente. Não é que inexista um projeto de mudança. Ele elencou várias diretrizes que devem ser tomadas pela oposição e não obstante ainda não houve a difusão dessas diretrizes.
Como você acha que o PSDB vai estar nessa eleição ?
Eu vejo que há mais coesão esse ano. Por antecipação definimos na prática uma candidatura oficial. Por outro lado, eu acho que hoje há fatos novos. Um setor importante do governo hoje está na oposição. Marina silva e Eduardo Campos foram ministros do governo. Isso implica que no nordeste, pelo menos, a divisão de votos será maior. E nós no nordeste e no norte estamos bem. Em Salvador, Maceio, Aracaju, Teresina, Belém, Manaus. É uma situação nova também.
O senhor ficou incomodado com a declaração do ex-deputado Eduardo Azeredo? De que ele é tão inocente quando o ex-presidente Lula?
O Eduardo insiste que ele não tinha nada a ver com as decisões tomadas. Inclusive, a acusação é baseada em documento que não é verdadeiro, que a policia atestou que era falso e as ligações alegadas que ele teve com o Valério foram dois anos depois dos fatos acontecidos. Não teria nada a ver com o fato. Em questões desse tipo, o partido deve depositar confiança no seu membro, mas não botar a mão no fogo. Ele tem que se defender.
Como você avalia o resultado final do julgamento do mensalão?
Foi um momento em que o país [disse] ‘Meu Deus, a lei vale para todos’. Eu não tenho nenhum prazer em ver gente encarcerada, não é meu estilo. Agora, a lei existe. Isso foi feito democraticamente, com juízes que foram designados em sua maioria pelo governo atual, e condenam. Vai fazer o que? Tem que aceitar que houve erro e quem fez paga o erro.
Como o senhor vê a questão envolvendo a Copa que deve acontecer nos próximos meses?
Acho que o Brasil sempre aspirou que houvesse uma Copa aqui. Eu mesmo tentei quando era presidente. Vai haver críticas ao modo como foi feito a Copa. Em muitos locais, talvez sem necessidade, com gastos extraordinários, tudo mais ou menos apressado, na última hora, com falhas visíveis. Não é o que pensam lá fora, é o que nós brasileiros pensamos. Nós vemos o que está havendo aí. Te dou dois exemplos, as Olimpíadas de Barcelona foram um sucesso, as de Atenas não tiveram o mesmo resultado. Precisa ter uma Copa que as pessoas sintam que resulta em benefícios para a maioria.
Como o senhor está vendo as manifestações ao longo do país?
Quase todos os dias há manifestações, que são preocupantes. Você percebe que o povo está com raiva. Isso em parte é por causa da situação geral, mas em parte é algo mais profundo, que é preciso prestar atenção. Evidentemente, os atos de vandalismo precisam ser contidos, mas não basta conter, é preciso entender porque se chegou a esse ponto. Queimam ônibus todos os dias nas grandes cidades brasileiras. Não é só isso, tem violência, assassinatos, mortes inacreditáveis. Por que? Nós estamos dando muita ênfase ao consumo e pouca aos valores. A solidariedade, a justiça, ao querer bem ao próximo. Essas coisas contam. Eu vi a entrevista de um romancista da periferia que disse com toda clareza “o que está acontecendo é que tem um consumismo grande e não existem crenças”. Esse problema tem a ver com a questão da super valorização do crescimento material do consumo. Nem só de pão vive o homem.