sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Relaxamento fez Brasil ficar mais atrasado que África, diz CEO da Copa 2010


Paulo Passos
Do UOL, em Joanesburgo (África do Sul)
 

CEO da Copa de 2010 comenta Mundial do Brasil

  

É no seu amplo escritório com vista para o Soccer City  que o presidente da Safa, a Federação Sul-Africana de Futebol, guarda duas recordações do Brasil. Uma camisa do Corinthians, autografada por Ronaldo, enfeita a parede. A outra fica na mesa do cartola: uma pequena caixa transparente com areia da praia de Ipanema, souvenir dado por um dos patrocinadores da Fifa (Federação Internacional de Futebol).

 

Desde novembro de 2012, o cartola africano Danny Jordaan, que foi o CEO do Comitê Organizador Local da Copa de 2010, exerce o cargo de conselheiro da Fifa na organização do torneio deste ano. Ao comparar o último e o próximo Mundial, no Brasil, diz não ter dúvidas sobre qual o mais atrasado na entrega das obras.

"Se olharmos do ponto em que estávamos nessa época para a Copa [de 2010], o Brasil está mais atrasado", afirma Jordaan em entrevista ao UOL Esporte.

Ex-deputado pelo Congresso Nacional Africano, partido de Nelson Mandela e do atual presidente Jacob Zuma, o cartola aponta a boa relação entre a Fifa e o governo local como um dos pontos que deixaram, na sua opinião, os africanos à frente da organização brasileira. Ele acredita também que o fato do Brasil não disputar o direito a sediar o torneio com outro candidato "relaxou" demais os responsáveis pelo projeto.

Em 2007, o Brasil foi anunciado como sede da Copa de 2014 após um acordo entre Fifa, CBF (Confederação Brasileira de Futebol) e demais federações da América do Sul, que não apresentaram candidatura. À época ainda vigorava o rodízio de continentes que garantia a um dos filiados da Conmebol (Confederação Sul-Americana de Futebol) a organização da Copa.

Politicamente influente na África do Sul e na Fifa, Jordaan é atacado pela imprensa local e por críticos da Copa de 2010 por ter ajudado a dona do torneio a forçar o governo de seu país a gastar mais de R$ 10 bilhões na organização do evento.  "Não houve diminuição nos investimentos sociais no ano. A Copa mudou a imagem da África do Sul", defende.

Danny Jordan

Não tenho dúvida de que o Brasil está mais atrasado que a África do Sul"

 

O cartola diz que o mesmo pode acontecer no Brasil. Bem humorado, faz até piada sobre os protestos e a campanha contra a Fifa no país. "Vi que vocês não querem a Copa. É isso? Então acho que não vou mais para o Brasil", ironiza. "É uma brincadeira, viu?", completa rindo.
UOL Esporte: Você é conselheiro da Fifa para a Copa do Brasil? Como está vendo a situação atual da organização do torneio?

Danny Jordaan: Eu acho que obviamente algumas cidades estão sob pressão. O torneio está chegando perto. Completar a infraestrutura é a primeira coisa a ser feita. Você precisa deixar isso pronto e testar antes do torneio. O mais importante é estar tudo pronto com a infraestrutura. É o primeiro e maior desafio. O grande desafio em algumas cidades é completar o que falta de estádios e de áreas ao redor. É lá onde a Copa do Mundo acontece.
Curitiba quase ficou fora da Copa. Qual seria a conseqüência disso, se tivesse acontecido?
Seria devastador. A cidade se preparou por um longo tempo e, no final, fica fora. Seria um revés. A única coisa que Curitiba pode fazer é acelerar e terminar a tempo. Eu espero que todos os estádios estejam prontos. O mundo está esperando um grande evento no  Brasil. A responsabilidade é dos brasileiros, de mostrar que esses problemas serão resolvidos.


Quais semelhanças você vê entre Brasil e a África do Sul na organização da Copa?

Eu acho que uma coisa que é diferente é o Brasil estar atrás no programa de infraestrutura [em comparação com a África do Sul]. Quando você termina a parte de infraestrutura, você pode focar em outros projetos. Até de como ter a certeza de que o povo sinta o evento e o abrace. Quando o Brasil tiver finalizado a parte de estrutura poderá focar mais nisso, que é muito importante. Fazer com que as pessoas, principalmente os brasileiros, criem um sentimento com o evento e o celebre.


O Brasil está mais atrasado que a África do Sul?

Eu acho que para infraestrutura não temos dúvidas disso, de que o Brasil está atrás da África do Sul. Agora é preciso entender que tem estar tudo pronto o quanto antes. Deve haver um programa de aceleração. Falo sobre estádios, infraestrutura em geral, como aeroportos. Eu me lembro quando fui a São Paulo que o aeroporto ainda estava em construção. É muito claro que é preciso um programa de aceleração. Se compararmos do ponto onde estávamos nessa época para a Copa, o Brasil está mais atrasado.


Por que você acha que isso aconteceu?

Eu acho que uma das coisas, talvez, seja porque quando você faz uma candidatura para o evento, você começa a planejar e investir. Quando os inspetores vêm, você pode mostrar como as coisas estão, os estádios que serão construídos. Então, os planos começam no processo de candidatura, para depois serem implementados. No caso do Brasil, não houve competição com outro país. Vocês tiveram uma escolha incontestável, sem eleição. Isso criou uma sensação de estar relaxado. "Não tem outra candidatura, só a nossa", pensavam. Acho que os atrasos começaram do início. Agora, eu acho que as pessoas já se deram conta de que estão contra o tempo e que é preciso acelerar o programa.


Houve um problema político também, com a saída do Ricardo Teixeira, que renunciou ao cargo [na CBF e no COL]. Ele estava envolvido em denúncias de corrupção. Isso teve influência nos atrasos?

Sim, acho que todos esses problemas causaram o atraso. Não há nada mais a fazer. Isso é historia. Não vai ajudar mais, o que ajuda é acelerar as coisas. Mas quando você olha a venda de ingressos para o Brasil, você nota que o mundo quer ir para o Mundial no Brasil. Isso é uma responsabilidade. Para conseguir responder à expectativa da imagem que pessoas têm na cabeça de que será um evento de muita celebração. Todos esperam ter uma ótima experiência num país que é o país do futebol.  Se você vai a qualquer lugar no mundo e pergunta sobre 10 dos grandes brasileiros, eu tenho certeza que cinco serão jogadores de futebol. Então, essa imagem do país do futebol precisa estar no estádio. Isso que vocês têm (imagem ligada ao futebol) não pode ser a cruz que o Brasil pode ser crucificado.

Na Copa das Confederações houve muitos protestos. Pesquisas mostram que diminuiu o número de pessoas que são a favor da Copa no Brasil, por conta dos gastos públicos no evento.

A boa imagem da Copa depende, primeiro, de você acelerar o programa e completar obras. Isso tira a pressão. Eu sei que em todos os países em desenvolvimento há um debate muito grande sobre onde deveríamos investir, se em infraestrutura para a Copa do Mundo ou em investimentos sociais, em casas, hospitais, escolas. Esse era o debate aqui também. Mas mostramos que os investimentos para a Copa não diminuíram os investimentos em programas sociais. Nós temos programas para o combate ao HIV, educação e muitos investimentos governamentais. Todos eles cresceram. Ao mesmo tempo em que houve investimento para infraestrutura por causa da Copa do Mundo. Mas temos que lembrar que infraestrutura não é somente para os 30 dias da Copa do Mundo. Foi um programa para investir em infraestrutura no nosso país. Foi para o turismo. Por isso, renovamos nossos aeroportos. Hoje temos, em média, 10 milhões de turistas por ano.


Mas a Copa de 2010 deixou alguns elefantes brancos. Estádios como os de Durban e da Cidade do Cabo, todos novos, que não conseguem ter bom público, dão prejuízo para as prefeituras. Nessas cidades havia estádios que poderiam ser reformados. Vocês não se arrependem disso?

Eu acho que é uma decisão que você precisa fazer. Uma coisa é pegar um estádio existente e reformar, aumentá-lo para cumprir as obrigações ou construir um novo. Nos dois casos, em Durban e Cidade do Cabo, quando começou o projeto houve um aumento no investimento. A reforma ficaria mais cara do que o previsto. Então, foram tomadas essas decisões. A vida de um estádio é de 75 anos. Todos os estádios antigos foram construídos nos anos 60. Mesmo com reformas agora, você teria que reformar depois em poucos anos ou construir outro. A decisão foi: não vamos reformar para depois de 10 anos não podermos receber outro grande evento. Nos anos 1960, os estádios não tinham as demandas atuais, por causa da internet, da televisão, incluindo satélites, segurança. Quando você aloca tudo isso junto e vê o quanto gasta, você precisa fazer essa equação. A construção de um novo estádio tem que entrar nessa equação. 


Mas na equação, construir um novo estádio sai mais caro, sim?

Mas todo investimento deve ser pensado para um grande período de tempo. Se você precisar sediar uma Copa do Mundo de rúgbi, os velhos estádios não estarão preparados. Então, serão usados os novos. A África do Sul quer ser sede de Olimpíada. Temos os estádios prontos. A longo prazo é melhor fazer o investimento agora do que deixar para construir depois, que vai custar mais. Gastamos muito menos em estádios do que no Brasil. Construímos seis novos estádios.