A violência só pode ser tida como normal enquanto for algo a ser evitado. Transformá-la num valor, legitimando-a, é um erro e uma perversão
O Globo
Meu primeiro comentário aos amigos de botequim — todos maiores de 70 — foi o seguinte:
Testemunhamos a Segunda Guerra Mundial, o suicídio de Vargas, a Revolução Cubana e a Queda do Muro de Berlim... Sabíamos onde estávamos durante o golpe militar. Naquela roda não havia nenhum delator. Ninguém foi simpático à violência que arrombava portas e levava as pessoas para lugares desconhecidos onde elas eram torturadas por mascarados. A Ku-Klux-Klan usava máscaras tal como os carrascos. Quem não é honesto esconde a cara: o lugar da vergonha e da honradez.
Em tudo o que é humano há uma “estética” e uma “erótica”, como bem disse Zuenir Ventura ao falar do primitivismo dos quebra-quebras promovidos pelos black blocs. Mas há também uma ética. Uma calibragem ente meios e fins usados. Uma ética que pode ser rejeitada, mas tem que ser discutida.
Se uma pessoa leva uma arma para um estádio de futebol, ela confunde esporte com guerra. O jogo simboliza uma guerra, mas guerra não é jogo. O jogo produz vencedores e vencidos, uma guerra produz mortos. Ela é irreversível nas suas consequências.
Descobriram que a violência tem estética e foco; mas o risco é que a violência leva ao abandono da negociação. A violência é precisamente a maquina de liquidar mediações e transformações.
Nenhum de nós é programado de modo definitivo como ocorre com gatos e ratos. Nosso cérebro é complexo justamente porque ele é capaz de receber todas as programações. Quando, numa disputa, atingimos o outro fisicamente, ferindo ou destruindo seu corpo ou patrimônio, nós negamos o outro que vive em nós. Cacá Diegues escreveu em boa hora clamando por um “humanismo radical”, que fala exatamente disso. Não poderia existir nada pior do que um “humanismo armado”.
Com legitimidade para transformar pela violência os adversários em inimigos. A menos que a nossa onipotência nos informe que só as nossas ideias do mundo são legítimas. E isso seria cair no mais puro fundamentalismo cego e surdo a outros pontos de vista. Esse padrinho de todos os fascismos de direita e de esquerda.
Mario Batalha, amanuense aposentado que sofre da próstata, adora ler Dashiel Hammet e as vezes pensa que é um dos seus heróis, diz que é um perigo esse tomar partido diante de um hospede tão indesejável como a violência.
Radical, ele considera as estéticas da violência mistificações. Sobretudo os filmes de guerra, os quais, são desenhados para glorificar o “nosso país”. Algo pérfido do ponto de vista ético. O coletivo pode ser tão errado quanto o individual.
A violência só pode ser tida como normal enquanto for algo a ser evitado. Transformá-la num valor, legitimando-a, é um erro e uma perversão. Ele lembra os uniformes nazistas, as armas, as medalhas e os mitos heroicos que ajudam a matar jovens em guerras nacionais e revoluções as quais, passados uns poucos anos, deixam de ser a salvação do mundo.
Felizmente, completa sempre otimista, ninguém pensa deste modo.
O filosofo social Hernandez Braga, operado da próstata, o único dentre todos nós que havia sido “el-presidente” de Cu do Mundo, arrematou: o problema é sempre de proporção.
Como gastar uma verba pública? Em Cu do Mundo, ela era inteiramente roubada. Já em Fuckland, uma cidade do meio-oeste americano (corre o boato de que Tarantino nasceu lá), o prefeito sem salário fazia retiradas comedidas do erário público. Mas, quando foi descoberto como ladrão do dinheiro do povo, que nos Estudos Unidos inclui também os “pobres”, ele foi preso sem embargos.
A questão é como relacionar meios e fins. Não se mata mosquito com tiro de canhão, nem se pretende pôr fim à violência acendendo velas. Discutir limites em tempos de surtos legítimos de igualdade é uma tarefa complexa e fundamental.
Edmundo Barroco, um ex-professor de mecânica que também sofre da próstata, comentou ao sair do banheiro que esse era o centro da questão.
Antes de 20 anos do Plano Real, quando existiam muitas moedas, a hiperinflação inibia o calculo econômico e o consumo de certos bens era impossível, aceitávamos as desigualdades com mais tranquilidade. Ademais, a corrupção não podia ser calculada e era um atributo dos governantes. Hoje, há um consumo generalizado e quem compra escolhe e se iguala. Meios e fins são claramente calculados: se quero um carro, devo economizar “x” por mês. Milhões têm feito isso e sentido na carne o gosto da mobilidade social.
Com o carro, porém, vem a pressão por melhores estradas e malha urbana. Isso para não falar no estilo menos violento de dirigir como o DaMatta (que, eu fiquei sabendo, operou a próstata) diz no seu livro “Fé em Deus e pé na tábua”. Em sociedade, uma coisa leva a outra.
Você acha mesmo que a estabilidade promoveu mais igualdade e cobrança dos políticos?
Olhe aqui — gritou do outro lado da mesa o advogado — Doutor Raposão — que também sofre da próstata: se há consistência na economia, deve haver também na política!
Testemunhamos a Segunda Guerra Mundial, o suicídio de Vargas, a Revolução Cubana e a Queda do Muro de Berlim... Sabíamos onde estávamos durante o golpe militar. Naquela roda não havia nenhum delator. Ninguém foi simpático à violência que arrombava portas e levava as pessoas para lugares desconhecidos onde elas eram torturadas por mascarados. A Ku-Klux-Klan usava máscaras tal como os carrascos. Quem não é honesto esconde a cara: o lugar da vergonha e da honradez.
Em tudo o que é humano há uma “estética” e uma “erótica”, como bem disse Zuenir Ventura ao falar do primitivismo dos quebra-quebras promovidos pelos black blocs. Mas há também uma ética. Uma calibragem ente meios e fins usados. Uma ética que pode ser rejeitada, mas tem que ser discutida.
Se uma pessoa leva uma arma para um estádio de futebol, ela confunde esporte com guerra. O jogo simboliza uma guerra, mas guerra não é jogo. O jogo produz vencedores e vencidos, uma guerra produz mortos. Ela é irreversível nas suas consequências.
Descobriram que a violência tem estética e foco; mas o risco é que a violência leva ao abandono da negociação. A violência é precisamente a maquina de liquidar mediações e transformações.
Nenhum de nós é programado de modo definitivo como ocorre com gatos e ratos. Nosso cérebro é complexo justamente porque ele é capaz de receber todas as programações. Quando, numa disputa, atingimos o outro fisicamente, ferindo ou destruindo seu corpo ou patrimônio, nós negamos o outro que vive em nós. Cacá Diegues escreveu em boa hora clamando por um “humanismo radical”, que fala exatamente disso. Não poderia existir nada pior do que um “humanismo armado”.
Com legitimidade para transformar pela violência os adversários em inimigos. A menos que a nossa onipotência nos informe que só as nossas ideias do mundo são legítimas. E isso seria cair no mais puro fundamentalismo cego e surdo a outros pontos de vista. Esse padrinho de todos os fascismos de direita e de esquerda.
Mario Batalha, amanuense aposentado que sofre da próstata, adora ler Dashiel Hammet e as vezes pensa que é um dos seus heróis, diz que é um perigo esse tomar partido diante de um hospede tão indesejável como a violência.
Radical, ele considera as estéticas da violência mistificações. Sobretudo os filmes de guerra, os quais, são desenhados para glorificar o “nosso país”. Algo pérfido do ponto de vista ético. O coletivo pode ser tão errado quanto o individual.
A violência só pode ser tida como normal enquanto for algo a ser evitado. Transformá-la num valor, legitimando-a, é um erro e uma perversão. Ele lembra os uniformes nazistas, as armas, as medalhas e os mitos heroicos que ajudam a matar jovens em guerras nacionais e revoluções as quais, passados uns poucos anos, deixam de ser a salvação do mundo.
Felizmente, completa sempre otimista, ninguém pensa deste modo.
O filosofo social Hernandez Braga, operado da próstata, o único dentre todos nós que havia sido “el-presidente” de Cu do Mundo, arrematou: o problema é sempre de proporção.
Como gastar uma verba pública? Em Cu do Mundo, ela era inteiramente roubada. Já em Fuckland, uma cidade do meio-oeste americano (corre o boato de que Tarantino nasceu lá), o prefeito sem salário fazia retiradas comedidas do erário público. Mas, quando foi descoberto como ladrão do dinheiro do povo, que nos Estudos Unidos inclui também os “pobres”, ele foi preso sem embargos.
A questão é como relacionar meios e fins. Não se mata mosquito com tiro de canhão, nem se pretende pôr fim à violência acendendo velas. Discutir limites em tempos de surtos legítimos de igualdade é uma tarefa complexa e fundamental.
Edmundo Barroco, um ex-professor de mecânica que também sofre da próstata, comentou ao sair do banheiro que esse era o centro da questão.
Antes de 20 anos do Plano Real, quando existiam muitas moedas, a hiperinflação inibia o calculo econômico e o consumo de certos bens era impossível, aceitávamos as desigualdades com mais tranquilidade. Ademais, a corrupção não podia ser calculada e era um atributo dos governantes. Hoje, há um consumo generalizado e quem compra escolhe e se iguala. Meios e fins são claramente calculados: se quero um carro, devo economizar “x” por mês. Milhões têm feito isso e sentido na carne o gosto da mobilidade social.
Com o carro, porém, vem a pressão por melhores estradas e malha urbana. Isso para não falar no estilo menos violento de dirigir como o DaMatta (que, eu fiquei sabendo, operou a próstata) diz no seu livro “Fé em Deus e pé na tábua”. Em sociedade, uma coisa leva a outra.
Você acha mesmo que a estabilidade promoveu mais igualdade e cobrança dos políticos?
Olhe aqui — gritou do outro lado da mesa o advogado — Doutor Raposão — que também sofre da próstata: se há consistência na economia, deve haver também na política!