segunda-feira, 25 de fevereiro de 2019

"Lições para Maduro: o fim de dois ditadores comunistas", por Vilma Gryzinski

O desfecho foi amargo para o homem

 do Muro de Berlim e o Gênio dos 

Cárpatos, mas o tirano da Romênia

 teve menos tempo para refletir



Erich Honecker ou Nicolae Ceausescu?
Nenhum deles teve um fim tranquilo, mas um morreu na cama e o outro foi metralhado. Ambos viraram símbolos do fim da era comunista na Europa Oriental.
Derrubado pelo próprio partido único quando já era tarde demais, Erich Honecker se refugiou na casa de um pastor – uma ironia, considerando-se o tratamento reservado à religião na Alemanha Oriental.
Depois, em outra ironia, pediu ajuda a Mikhail Gorbachev, o homem que havia recusado seus apelos para que descesse a tropa soviética e salvasse o comunista agonizante.
A fuga secreta para Moscou não resolveu seus problemas. Devido aos pedidos de extradição da Alemanha reunificada, Honecker e a mulher, Margot, pediram asilo na embaixada do Chile.
Um pedido irrecusável: o embaixador era Clodomiro Almeyda, o líder do Partido Socialista chileno recém-reabilitado, ele próprio asilado na Alemanha Oriental durante o regime militar.
Nem assim Honecker se livrou da extradição. Recebido em Berlim aos gritos de “Assassino”, Honecker foi submetido a um confuso julgamento, encerrado a pretexto de que ele estava muito doente.
Viajou para o Chile e morreu um ano depois, de câncer no rim. Evitou-se, assim, que fosse revirado a fundo o envolvimento de muitos convertidos às virtudes da democracia.
E a Alemanha pode celebrar até hoje o milagre do Muro de Berlim, o fim pacífico de um regime que parecia inexpugnável.
O Muro, cuja construção foi comandada por Honecker e duraria “mais cem anos”, simbolizou a derrocada em série dos regimes vassalos na Polônia, Checoslováquia, Hungria e demais satélites soviéticos, culminando com o fim da própria União Soviética.
A única exceção no dominó do extraordinário ano de 1989 foi a Romênia, onde Nicolae

VAIAS, VAIAS

Ceausescu acreditava que poderia reprimir à bala a onda de manifestações de protesto que havia começado pela cidade de Timisoara.
O mundo construído por Ceausescu e sua mulher, a implacável Elena, secretária-geral do Partido Comunista Romeno e vice-primeira-ministra, parecia tão invulnerável que ele vivia à parte até da União Soviética.
Para reafirmar a própria autonomia, Ceausescu, que se brindou com o título de Gênio dos Cárpatos e Condutor, queria zerar a dívida do país. Praticamente toda a produção agrícola e industrial da Romênia era exportada.
Os romenos viviam em privação, passavam fome, a eletricidade e a calefação eram cruelmente racionadas em pleno inverno. Um diplomata americano conta ter chegado ao país em 1988 e verificado que nas prateleiras dos mercados havia “pouco mais que latas de sardinha da China e repolho”.
Crente no próprio poder, na doutrinação incessante do povo e no regime ultrarrepressivo onde a Securitate, a polícia política, controlava tudo, Ceausescu ignorou o vento de mudança e apareceu na sacada do hediondo palácio no centro de Bucareste.
Achava que tinha um público seguro, transportado em massa numa armada de ônibus, e habituado às arengas autoelogiosas. De repente, começaram as vaias. E mais vaias. E gritos de “Timisoara! Timisoara!”.
Comparado a Nicolás Maduro, o motivo dessas rememorações todas, Ceausescu era de uma austeridade sepulcral.
A expressão de incredulidade no rosto severo do déspota, tentando bater palmas para controlar a massa que o vaiava, entrou para a história.
Os mais espertos perceberam que a coisa tinha acabado ali e trataram de mudar rapidamente de lado. A onda de deserções começou pela base e chegou rapidamente aos generais.
O ministro da Defesa apareceu com um tiro na cabeça – suicidou-se ou foi suicidado, supostamente por se recusar a mandar massacrar os rebelados. Um mar de velas surgia nos lugares onde agentes da polícia política matavam cidadãos desarmados. Num deles, a elegante pichação “Vox Populi, Vox Dei!”.
Protegidos pelos leais até o fim, os Ceausescu estavam na casa de campo quando viram que tinham que fugir. Elena fez uma mala incongruente, cheia de joias e roupões de banho. Pegaram um helicóptero e depois um carro. Acabaram, inevitavelmente, presos numa base militar.
Era fim de dezembro e fazia muito frio. Elena usava um tailleur de lã bege, casaco igual com uma grande gola de pele e lenço estampado. Ceausescu ia de sobretudo preto, cachecol e gorro de astracã.
Submetidos a julgamento sumário por um tribunal militar, saíram revoltados. Até hoje são impressionantes as cenas de Elena retorcendo-se e tentando morder o soldado encarregado de amarrar suas mãos.

A ÚLTIMA ‘INTERNACIONAL’

O julgamento e a subsequente execução foram organizados pelo general Victor Stanculescu, o vice-ministro da Defesa que tinha comandado a repressão em Timisoara e virado casaca diante do inevitável.
Stanculescu escolheu pessoalmente os paraquedistas para o pelotão de fuzilamento. Seu maior problema foi o excesso de voluntários.
Juízes, promotores e executores foram levados para a base militar de helicóptero.
Um dos paraquedistas, Dorin Carlan, contou anos depois que, no pátio interno do quartel onde a sentença seria executada, Ceausescu olhou para ele com os olhos cheios de lágrimas, gritou “Morte aos traidores! A história nos vingará!” e começou a cantar a Internacional.
Elena soltou um palavrão.
Foi tudo tão rápido que o cinegrafista oficial só conseguiu captar a execução já em andamento.
Era 25 de dezembro de 1989.
A história, obviamente, não vingou Honecker ou Ceausescu, embora a transição de satélite socialista para democracia de mercado não tenha sido nada fácil.
Ambos morreram como viveram, convictos da causa. Com eficiência alemã, Honecker construiu o país da órbita soviética que mais “funcionava”. Diante do lado ocidental, evidentemente, a Alemanha Oriental parecia um campo para refugiados.
Comparada a ela, a Romênia era de uma miséria deprimente, embora Ceausescu acreditasse nas próprias mentiras.
“Eu garanti que todas as aldeias tivessem escolas, hospitais e médicos”, disse em seu julgamento.
“É mentira, mentira, mentira que o povo passasse fome.”
“Fiz todo o possível para criar para o povo desse país uma vida rica e decente, como não existe em nenhum outro país do mundo.”
Acreditar em mentiras – o apoio incondicional das forças armadas, por exemplo – é um risco grande nessas circunstâncias. O encontro com a realidade pode ser brutal.


Vilma Gryzinski, Veja