O governo poderá proclamar mais uma de suas vitórias imaginárias se a
inflação deste ano ficar em 6,5%, limite da margem de tolerância. Será,
novamente, uma das taxas mais altas do mundo, mas a administração federal tem
ambições modestas quando se trata de conter a alta de preços. "Este ano a
inflação não vai passar dos limites", disse o ministro da Fazenda, Guido
Mantega, em aula magna, sexta-feira, na Fundação Getúlio Vargas, em São Paulo.
A
desculpa, neste ano, estará associada à alta dos preços de alimentos, já tomados
como vilões do custo de vida em anos anteriores. Esses vilões nem sempre
estiveram presentes, mas o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), usado
como referência para a política monetária, há muito tempo vem subindo mais que
os 4,5% fixados como objetivo. "De 2003 em diante temos mantido a inflação
dentro da meta", acrescentou o ministro. A informação é incorreta. Meta é uma
coisa, margem de tolerância é outra. Só para ficar nos últimos três anos, os
resultados foram: 6,5% em 2011, 5,84% em 2012 e 5,91% em 2013, sempre longe,
portanto, do alvo oficial.
A promessa do ministro da Fazenda evidencia, mais uma vez, uma dupla
complacência do governo - com a inflação e com as próprias falhas. Essas falhas,
incluída a péssima administração do dinheiro público, são muito mais importantes
que as cotações dos alimentos como fatores da alta geral e persistente dos
preços. O ministro reafirmou a promessa de um superávit primário - o dinheiro
usado para pagar os juros - equivalente a 1,9% do Produto Interno Bruto (PIB) em
2014, igual ao de 2013. O País, segundo ele, apresentou no ano passado um dos
melhores resultados primários dos países do Grupo dos 20 (G-20). "Não se pode
questionar nossa seriedade fiscal", bravateou.
Nenhum público razoavelmente informado pode levar a sério qualquer dessas
declarações. O resultado primário de 2013, assim como o do ano anterior, foi
conseguido com receitas não recorrentes, como dividendos e bônus de concessões,
e com truques contábeis prontamente desmascarados e conhecidos mundialmente como
"contabilidade criativa". Neste ano, a meta de 1,9% está claramente vinculada à
expectativa de receitas de ocasião, como já comentaram vários analistas.
Ao anunciar o rebaixamento da nota de crédito soberano do Brasil, na
segunda-feira passada, a agência Standard & Poor's classificou como
"desafiadora" a meta fiscal definida para 2014, lembrando o uso de expedientes
nada ortodoxos no fechamento das contas públicas nos últimos anos. Será o
governo capaz de apresentar o resultado prometido sem recorrer a truques e a
receitas especiais? Esse ponto é fundamental, quando se trata de avaliar a
política fiscal executada em qualquer país. Além disso, a comparação do Brasil
com a maior parte dos países do G-20 serve mais para confundir do que para
esclarecer.
A comparação adequada é com os emergentes. Muitos deles apresentam
indicadores econômicos muito melhores que os do Brasil, quando tomados em
conjunto. Isso inclui as contas públicas, a inflação, a expansão do PIB e o
comércio exterior. Ao explicar a decisão de rebaixar a nota do Brasil, os
dirigentes da Standard & Poor's mencionaram vários componentes do quadro
econômico, incluídos o baixo crescimento do produto e a deterioração das contas
externas. Se esses indicadores continuarem ruins, acabarão afetando seriamente
as condições fiscais e a capacidade de pagamento do setor público.
O ministro mencionou ainda, entre outros aspectos positivos da economia
nacional, a geração de empregos, num mercado onde "há disputa de trabalhadores
qualificados" e salário real em alta. Mas ele novamente negligenciou detalhes de
importância vital. A indústria, estagnada, vem demitindo e as contratações têm
dependido principalmente dos serviços. São empregos de baixa produtividade. A
procura de trabalhadores qualificados de fato ocorre. Mas, se existe alguma
"disputa", é simplesmente porque essa mão de obra é escassa. É uma consequência
dos erros cometidos na política educacional, muito mais voltada para a demagogia
do que para a formação de trabalhadores capacitados.