sábado, 1 de março de 2014

Cristina Kirchner, a Dilma argentina, diz que Brasil é o país mais protecionista do mundo

Cristina Kirchner diz que Brasil é o país mais protecionista do mundo

  • Presidente da Argentina participou da abertura das atividades legislativas, transmitida em cadeia nacional
Janaína Figueiredo e Bruno Rosa - O Globo


Durante abertura das atividades legislativas, Cristina Kirchner diz que Brasil é o mais protecionista do mundo
Foto: Marcos Brindicci/Reuters
Durante abertura das atividades legislativas, Cristina Kirchner diz que Brasil é o mais protecionista do mundo Marcos Brindicci/Reuters

BUENOS AIRES - Um dia depois de os ministros da Fazenda Guido Mantega e Axel Kicillof terem discutido, entre outros assuntos, os conflitos comerciais bilaterais que se acenturaram nos últimos meses, a presidente Cristina Kirchner assegurou que o Brasil é considerado o país mais protecionista do mundo pela Organização Mundial de Comércio (OMC). Em discurso de abertura das atividades legislativas, transmitido em cadeia nacional, a chefe de Estado argentina declarou que “nosso país está em quarto lugar na lista dos mais protecionistas, saibam isso argentinos”.

- De acordo ao último relatório da OMC, que é presidida por um brasileiro, o Brasil aparece em primeiro lugar na lista dos acusados de maior protecionismo, e não é uma crítica - assegurou Cristina, em tom irônico.

A presidente explicou que a Índia está em segundo lugar, os Estados Unidos em terceiro e a Argentina, finalmente, em quarto.

- Depois dizem que somos malvados, que não deixamos importar... saibam, argentinos, que estamos em quarto lugar entre os países que protegem sua industria e seus postos de trabalho - enfatizou Cristina.

De acordo com a OMC, o Brasil não é considerado o país mais protecionista do mundo. O que existe é uma lista que mostra as nações que mais utilizam medidas restritivas para o combate ao dumping, por exemplo. Nesse caso, o Brasil aparece no topo desse levantamento, divulgado em meados de fevereiro. Segundo a lista da OMC, o Brasil iniciou 39 ações anti-dumping entre novembro de 2012 e novembro de 2013.

Em seguida aparece a Índia, com 35 iniciativas, e Austrália, com 20 ações. Em quarto lugar está a Argentina, com 19 iniciativas. Na quinta posição aparece o Canadá, com 17 ações. No geral, as ações anti-dumping cresceram mais de 12% no mundo nos últimos dois anos, passando de 226 para 254 iniciativas.

O discurso da chefe de Estado chegou poucos dias depois de uma reunião de emergência entre os importadores do país e o secretário de Comércio Interior, Augusto Costa. Os importadores locais estão em estado de alerta e pediram um encontro urgente para manifestar suas preocupações pelas barreiras que o governo Kirchner continua implementando e, também, pela burocracia cada vez maior do Banco Central da República Argentina (BCRA) para liberar os dólares necessários para pagar fornecedores estrangeiros, entre eles muitos brasileiros, como parte da estratégia da Casa Rosada para conter a sangria de reservas da instituição.

 Segundo confirmou ao GLOBO o Diretor de Assuntos Institucionais da Câmara de Importadores da República Argentina (Cira), Miguel Ponce, a situação dos importadores está ficando cada vez mais complicada e isso afetará os principais sócios comerciais da Argentina, principalmente seus parceiros do Mercosul.

- Não existem medidas formais, mas, na prática, o Banco Central complicou a liberação de dólares para operações acima de US$ 200 mil - explicou Ponce.

Atualmente, as reservas do BCRA estão em torno de US$ 27,6 bilhões, bem abaixo dos US$ 52 bilhões alcançados em 2011, quando a presidente Cristina Kirchner foi reeleita. Nos meses prévios à crise cambial de janeiro passado, o BC argentino chegou a perder US$ 300 milhões por dia. O objetivo do governo argentino, explicaram fontes do setor importador local, é ampliar o prazo de pagamento das importações de 45 dias para 110.

Assim, as autoridades argentinas ganharão tempo para que entrem ao país as divisas das exportações de grãos, principalmente trigo e soja, o que deveria acontecer entre março e abril. Até lá, confirmaram as fontes, o governo Kirchner evitará autorizar a entrega de dólares aos importadores do país.

Para operações entre US$ 200 mil e US$ 300 mil, comentou Ponce, o banco comercial envolvido no pagamento deve pedir autorização ao BC argentino para que o importador do país receba os dólares. Já para vendas acima de US$ 300 mil é o próprio importador argentino quem deve fazer o pedido ao BC local, trâmite bastante complicado e demorado, de acordo com o representante da Cira.

A Casa Rosada não quer liberar dólares, nem produtos similares fabricados no país, de forma a reforçar a proteção à industria nacional. Não existe uma resolução assinada pelo ministro da Economia, Axel Kicillof, pelo secretário Costa ou a presidente. Mas, no dia a dia dos importadores locais, isso é o que está acontecendo. Longe ficou a promessa de Kicillof e Costa ao ex-ministro do Desenvolvimento, Industria e Comércio Exterior, Fernando Pimentel, de melhorar o fluxo de comércio entre os dois países. Passaram-se apenas dois meses do encontro de Pimentel com as autoridades argentinas em Buenos Aires, mas o panorama mudou completamente.

Em recente reunião com representantes de multinacionais, Kicillof foi enfático:

- Peço colaboração e criatividade (para conseguir os dólares necessários para importar.

No Brasil, a preocupação é crescente. Em nota oficia, a Abicalçados afirmou que as barreiras argentinas já provocaram um prejuízo para o setor estimado em US$ 6,2 milhões este ano. “A crise do comércio bilateral com a Argentina, que mostrava sinais de enfraquecimento no final do ano passado, está longe de terminar”, assegurou a associação dos calçadistas brasileiros.