O Estado de São Paulo
Entre os entrevistados da última pesquisa do instituto MDA para a
Confederação Nacional de Transportes (CNT), divulgada na semana passada, a maior
parte dos eleitores questionados sobre o estilo administrativo da atual
presidente - 37,2% - disse acreditar que ela precisa "mudar tudo" na forma de
governar. Os idiotas da objetividade, definição cruel e exata de Nelson
Rodrigues, dirão que a oposição pode botar o bloco na rua uma semana antes do
carnaval porque, depois de 12 anos de reinado petelulista, tucanos e socialistas
teriam, enfim, sua vez. Certo? Completamente errado: a mesma pesquisa informou
que, com 43,7% da preferência do eleitorado, Dilma Rousseff seria reeleita no
primeiro turno, superando a soma dos votos dos oponentes.
"Com mil e seiscentos diabos!", exclamaria meu avô Chico Ferreira, alisando o
maxilar e espiando o céu de estio à espera de chuva. E maior seria seu susto no
domingo quando soubesse de outra pesquisa, do Datafolha, que dava informação
ainda mais aziaga aos netos de Tancredo Neves e de Miguel Arraes. Não, não seria
tanto o índice maior dela (47% a 43,7%), porque, afinal de contas, como se
aprendia antigamente no primário, não se somam (e, portanto, não se comparam)
alhos com bugalhos nem laranjas com mamões.
Não dá para avaliar somas de
pesquisas diferentes - cada coisa é uma coisa. Mas, sim, por um dado mais
perturbador para os adversários da aliança governista: a soma de futuros votos
nulos, em branco ou dos que não sufragariam agora nenhum dos candidatos de
outubro, que já andava seguindo como uma sombra o mineiro, agora o ultrapassa:
18% a 17%.
E o pernambucano mal conseguiu entrar no reino dos dois dígitos ao
alcançar meros 12%, apesar das notícias de que, enfim, a sustentável Marina
Silva está para subir na garupa de sua montaria, que ainda se mostra bem
claudicante. Pelo visto, o eleitor não aprecia a gestão de Dilma (conforme
mostram outros indicadores da pesquisa MDA-CNT), mas prefere que ela, e não ele
próprio, mude tudo.
A pergunta, também da categoria rodriguiana do "óbvio ululante", que não quer
calar é: e por que ele o faria? O que de sensato, concreto e inteligente o
senador tucano Aécio Neves trouxe de novo em seus três anos de atividade no
Congresso? Que projeto espetacular tem seu sobrenome herdado do avô materno? A
falta de propostas do PSDB é de tal obviedade ululante que o presidenciável do
principal partido da oposição se propõe a "ouvir" o eleitor. A plataforma de sua
candidatura é tão pobre que não inclui nem promessa. Se é fato que o cidadão se
cansou de políticos que não cumprem promessas, que fique logo claro que ninguém
parece disposto a investir em quem nem se dá ao trabalho de prometer.
Se Geraldo Alckmin conseguiu a proeza de ter no segundo turno de 2006 menos
votos do que no primeiro e Aécio hoje perde até para ninguém, ingente também é o
desafio de Eduardo Campos à química, segundo a qual água e óleo não se misturam,
ao compor a chapa com Marina, não é? Como Aécio teve em seu Estado, Campos tem
desempenho mais do que satisfatório no governo de Pernambuco. Ambos gozam de
muito prestígio entre seus governados, mas se Minas, tido como a síntese do
Brasil e com um enorme colégio eleitoral, não basta para eleger seu
ex-governador, o que dizer de um pobre Estado nordestino?
Apesar de desaforos
trocados com os petistas no poder federal, ele não conseguiu apagar de sua
imagem de realizador os benefícios de verbas federais para fazer uma boa
administração estadual. Não dá para esquecer que a quase totalidade das verbas
do Ministério da Integração, comandado por um cabo eleitoral dele, foi destinada
a seus rincões. Tampouco dá para digerir a retórica antioportunista de sua
oportuna chapa com Marina Silva. Rebentos dos Neves de São João Del Rey e dos
Alencar de Crato liderarem uma "nova política" parece tão falso como uma moeda
de R$ 4.
Se tudo isso é verdade, por que, então, a presidente, em vez de surfar na
onda positiva, resolveu adotar a estratégia de "fazer o diabo" no pleito deste
ano, vendendo a alma logo a Deus? Karl Marx e Friedrich Engels, que decretaram a
condição de "ópio do povo" à fé religiosa, devem dar voltas no túmulo ao saberem
que sua velha discípula de guerra tem uma imagem de Nossa Senhora Aparecida no
gabinete presidencial. E, pior, já beijou a mão do representante de Jesus Cristo
na Terra três vezes em menos de um ano.
Em março do ano passado foi a Roma para
acompanhar a missa de inauguração do papado de Francisco levando uma comitiva de
provocar repulsa pelo exagero de dispêndio e ostentação ao padroeiro do bispo de
Roma, São Francisco de Assis. Em agosto fez discurso palanqueiro ao receber Sua
Santidade no Rio. E agora voltou a Roma para ver o arcebispo do Rio, dom Orani
Tempesta, ser introduzido no Colégio dos Cardeais. Para dizer o mínimo, que
exagero!
Devota do marketing político, Dilma fantasia-se de peregrina de ocasião para
conquistar o voto católico em outubro. Mas por que o faz, se entre seus índices
de preferência e os de seus adversários há 30 pontos porcentuais e a crescente
opção do eleitorado pelo direito de não ter de escolher? A julgar pelo
noticiário dos últimos dias, há, de fato, um fantasma que passou a persegui-la:
o padim Lula de Caetés. Mais do que os índices das pesquisas que desnudam sua má
gestão, assusta-a o fato de companheiros, empresários e outros ex-bajuladores
irem a São Bernardo do Campo buscar consolo contra o estilo truculento dela no
profeta que só precisou do próprio carisma para fazê-la sucessora.
Se nem sequer
pode usar o maior peso do poder da República, o chumbo do Diário Oficial (até
porque este não é mais impresso a quente), para extinguir a onipresença do
patrono no Planalto na pessoa de seu abusado secretário Gilberto Carvalho, ela
tem é de rezar e de beijar muito o anel do sucessor de São Pedro para expulsar
de seu sono inquieto essa assombração.