domingo, 2 de fevereiro de 2014

Brasileiros gastam quase meio bilhão de dólares para estudar fora

Valor aumentou 763% em relação a 2009. Programas de bolsas crescem

Gabriela Valente - O Globo
 

Sem fronteiras. Samuel Russi, estudante de engenharia civil, no País de Gales: nas férias, aproveitou para “mochilar” pela Europa
Foto: Divulgação
Sem fronteiras. Samuel Russi, estudante de engenharia civil, no País de Gales: nas férias, aproveitou para “mochilar” pela Europa Divulgação

No Natal do ano passado, a família paraibana Aires esteve toda reunida. Menos Olívia, que estava no Canadá. Aos 22 anos, a estudante de odontologia arrumou as malas e partiu para o exterior pela primeira vez. Foi cursar parte da graduação pelo programa federal Ciência sem Fronteiras. Ela ajudou a engrossar os gastos com educação fora do país, que crescem de forma exponencial a reboque dos incentivos governamentais e contribuem para o déficit nas contas externas. Em 2009, as despesas com estudo no exterior somavam US$ 49 milhões. No ano passado, passaram para US$ 423 milhões, uma alta de 763%.

O Banco Central (BC) contabiliza como gasto com educação apenas os pagamentos feitos no Brasil para cursos no exterior. Todas as despesas feitas lá fora e as remessas de dinheiro de parentes são tratadas como gastos com turismo. São despesas que não param de crescer e afetam as contas do país. Enquanto, nos anos 1980, os brasileiros deixavam no exterior menos de US$ 100 milhões por ano em viagens internacionais, no ano passado gastaram lá fora nada menos que US$ 25,4 bilhões.

Assim como Olívia — que viajou para estudar em Winnipeg em setembro de 2012, ficou hospedada na casa de uma família para economizar e, depois que acabaram as aulas, viajou para Vancouver, Ottawa e Montreal — muitos estudantes usam os últimos dias da temporada no exterior para fazer turismo. E as despesas crescem. É o caso de Samuel Russi. A ajuda mensal que o pai mandou por meses a fio banca o tour pela Europa feito atualmente pelo estudante de engenharia civil da Universidade de Brasília. Depois dos estudos no País de Gales, decidiu “mochilar” pelo Velho Mundo com os colegas.

Programa beneficia 4 mil

Antes de embarcar para o exterior, Samuel temia que o dinheiro da bolsa não fosse suficiente. Mas os pais liberaram o uso do cartão de crédito com parcimônia. E ele garante que valeu a pena. Passou um ano na Universidade de Swansea, referência na sua área. Conta que sentiu muita diferença em relação ao aprendizado recebido no Brasil.

— Na Universidade de Swansea, os cursos focam tanto no aprendizado acadêmico quanto na formação do aluno para o mercado de trabalho — diz o estudante, ao detalhar um projeto especial: no laboratório, produziu uma ponte de aço de 80cm de comprimento que suportou três toneladas.

A tendência é que os gastos desses jovens brasileiros cresçam ainda mais com o programa governamental. Para o Reino Unido, por exemplo, a embaixada britânica tem há um ano um programa de bolsas em que são concedidas 30 por ano. Já o Ciência sem Fronteiras levou quatro mil estudantes para lá no ano passado. A expectativa do coordenador do programa britânico é que, no ano que vem, dez mil brasileiros cruzarão o Atlântico rumo às terras da rainha.

— Devem movimentar cerca de 200 milhões de libras em 2015 — prevê o coordenador do programa britânico, Rafael Duarte.

O dinheiro que os estudantes gastam no dia a dia são contabilizados pelo BC como turismo. Essas despesas chegaram a US$ 12 bilhões no ano passado. Isso representa um salto de 33% em relação ao ano anterior. Os gastos com cartão de crédito, que somaram mais US$ 12,4 bilhões, ajudam a aprofundar o rombo das contas externas.

Menos gastos de negócios

Por outro lado, as despesas com viagens de negócios não têm crescido muito nos últimos anos. Fecharam 2013 em US$ 443 milhões, atrás dos gastos de 2011, 2010 e 2008. São elas que poderiam, por exemplo, aumentar a atração de investimentos estrangeiros para o país.

O brasileiro ocupa o 12º lugar no ranking de “gastadores” da Organização Mundial do Turismo (OMT). As despesas com viagens internacionais representam, por exemplo, a metade do que é gasto pelos russos. Os dados usados no estudo são de 2012 e mostram que os chineses estão no topo da lista. Gastaram US$ 102 bilhões com turismo. Os americanos aparecem em segundo no ranking da OMT, com despesas que somaram US$ 85,5 bilhões naquele ano.

Com o aumento da renda e do emprego no Brasil, nem mesmo a alta do dólar tem diminuído o ânimo do brasileiro para viagens ao exterior. Ao contrário, as despesas não param de bater recordes. Os destinos internacionais continuam atraentes porque as viagens internas encareceram, e os preços lá fora continuam vantajosos.