Valor passou de US$ 15,4 bilhões em 2008 para US$ 35,6 bilhões em 2013
Bruno Villas Bôas e Isabel De Luca - O Globo
RIO E NOVA YORK - O administrador Eduardo Alberto, de 41 anos, morador de Porto Alegre, convocou a assembleia da família para tratar das finanças. Com a esposa e os dois filhos instalados no sofá, avisou que o assunto não era mesada. Eduardo queria investir uma parcela da aposentadoria, fruto do trabalho dele e da esposa, na Bolsa de Nova York. Sua lógica era simples: as ações de empresa que sempre admirou, como McDonald’s, Starbucks e Berkshire Hathaway, estavam baratas e o câmbio na faixa de R$ 2 permanecia favorável. Uma operação impensável anos atrás e que passou a fazer sentindo com o menor crescimento da economia brasileira e as perdas das maiores ações listadas na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa).
— As decisões aqui em casa são tomadas em família, com ata e tudo. Fui então para Nova York e visitei várias corretoras famosas, como Charles Schwab e bancos. Mas fiquei preocupado com o atendimento, parecia pouco amigável para o nosso padrão. Então optei por investir numa corretora brasileira, com escritório lá fora — explica o investidor, que aplica ainda em títulos (bonds) nos EUA.
Eduardo, que teve ganho de 37% no ano passado, engrossou as estatísticas de brasileiros que investem no exterior, uma lista ainda tímida, mas que cresce a passos largos desde a crise financeira internacional: de 14.228 em 2008 para mais de 23 mil pessoas físicas. Um cruzamento feito na base de dados do Banco Central (BC) mostra que os investimentos brasileiros em ações, títulos e imóveis no exterior cresceram de US$ 15,4 bilhões em 2008 para US$ 35,6 bilhões em 2013, um aumento de 131%. Neste caso, o valor inclui pessoas físicas e jurídicas.
A demanda chamou a atenção das corretoras. A TOV estuda abrir escritório fora do país. A XP está ampliando sua unidade em Nova York e abrindo outra em Miami. Segundo Guilherme Benchimol, sócio da XP, o número de clientes que investem nos EUA dobrou em quatro meses:
— Algumas pessoas estão mais preocupadas com o Brasil, que não está num momento positivo, tem muita especulação. A demanda está grande para alocar recursos em ações e títulos de empresas no exterior.
Em 2013, o Ibovespa, principal índice da Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) caiu 15,5% e, em janeiro, teve a maior perda para o mês desde 1995. Já o Dow Jones, da Bolsa de Nova York, avançou 26,5% em 2013. Além da alta da Bolsa, os brasileiros ganham com a valorização do câmbio, já que o dinheiro está em dólares, e a moeda americana subiu 15,37% no ano passado.
No mercado de imóveis, há quem sonhe em comprar uma casa no exterior. Criado na Zona Leste de São Paulo, o empresário André Lima, de 40 anos, trabalhou desde os 14 para conhecer a Flórida. Aos 23 fez a viagem, mas passou a cultivar o desejo de comprar um apartamento em Miami. Hoje, ele se prepara para comprar outro imóvel no país, em Orlando, para alugar.
— Vendi um imóvel em São Paulo e com metade do dinheiro comprei um apartamento enorme em Miami. Minhas filhas moram lá com a minha esposa. Fico entre os dois países — afirma André, para quem ainda vale a pena investir lá fora. — A valorização dos apartamentos no Brasil compensou o aumento do dólar.
Clientes com um novo perfil
O investimento brasileiro em imóveis saltou de US$ 1,8 bilhão em 2008 para US$ 4,6 bilhões, um aumento de 150%. E a Flórida, meca dos brasileiros que procuram imóveis no exterior, foi uma da grandes responsáveis por isso. Segundo Marco Fonseca, representante para o Brasil da NAR (Associação Nacional de Corretores), o Brasil responde por 10% das compras de imóveis em Miami Beach, atrás apenas de venezuelanos (22%) e argentinos (11%).
Para mimar os investidores, vale buscar no aeroporto e até desenvolver empreendimentos imobiliários customizados. Greg Freedman, sócio do projeto Privé, diz que lançou dois prédios este ano em uma ilha de Miami para brasileiros: são imóveis contemporâneos, com espaços abertos, cores claras e vista para o mar. Freedman diz que a experiência mostrou o que os brasileiros gostam.
— Comprei o apartamento de um brasileiro que tinha tudo branco: parede, piso. E até o piano era branco. Algumas paredes eram azuis. Pensei: “nunca vou conseguir vender isso”. Mas apareceu outro brasileiro e comprou — conta Freedman.
Comercializadora de imóveis em Miami, a Piquet Realty prevê alta de 30% nas vendas este ano. Segundo o presidente da empresa, Cristiano Piquet, os clientes veem espaço para investir porque esperam valorização do dólar para R$ 3.
— Eles compram apartamentos de US$ 300 mil a mais de US$ 2 milhões. A maioria paga à vista, talvez 60%. Mas é possível financiar com entrada de 30%. A classe média também compra. Para um apartamento de US$ 300 mil, você pode dar 30% de entrada e financiar o resto — diz.
Se Miami é a meca, Nova York é um sonho de consumo um pouco distante para a classe média brasileira. Cássio Faccin, que já tem apartamento em Miami, diz que sonha em comprar um estúdio perto do Central Park, próximo à Rua 57, um dos metros quadrados mais caros dos EUA.
— Não tenho investimentos suficientes para isso, mas é algo que tem um potencial de valorização grande no futuro — diz Cássio, um dos brasileiros que compraram recentemente um apartamento no projeto contemporâneo na ilha da empresa Privé.
Corretoras em Nova York, porém, percebem claramente o aumento de brasileiros interessados em imóveis.
— Antigamente, quem comprava apartamento em Nova York tinha muito dinheiro. Hoje, há cada vez mais pessoas que não são ricas procurando também. São jovens, na faixa dos 30 anos que começaram a ganhar dinheiro e resolvem investir dessa forma — explica a brasileira Leda Gorgone, da corretora Town.
‘Alternativa para poucos’
Leda afirma que a maior dificuldade é encontrar o tipo de apartamento que essa nova clientela procura — geralmente de dois quartos, na parte baixa de Manhattan, por valores entre US$ 1 milhão e US$ 3 milhões. Ela acaba de vender um desses para um jovem casal paulista, no Lower East Side, por US$ 960 mil, valor bem abaixo do mercado, já que o edifício funciona no sistema de cooperativa (os imóveis não podem ser alugados nem emprestados, o que diminui o seu valor comercial). Agora, trabalha para conseguir outros dois no mesmo padrão para novos compradores do Brasil, um advogado e um artista plástico.
O músico paulista Reinaldo Kherlakian está em busca de um terceiro apartamento em Nova York. Ele comprou o primeiro, no Chelsea, há cinco anos, e o segundo, no mesmo prédio:
— É muito fácil conseguir alugar bem aqui, e com esse aluguel dá para pagar todo o financiamento. É um ótimo negócio.
Para Fábio Gallo Garcia, professor da Fundação Getulio Vargas, o investimento no exterior faz sentido neste momento, com a economia que cresce pouco no Brasil e uma Bolsa que não se valoriza. Ele ressalta, porém, que é preciso conhecer bem o mercado no qual o investidor tem interesse e encarar a empreitada com uma forma de diversificar as aplicações:
— Existe um risco adicional de se investir lá fora: o câmbio. Se o dólar cair, o ganho com a ação pode ser perdido. Por isso acho que é alternativa para poucos.
— As decisões aqui em casa são tomadas em família, com ata e tudo. Fui então para Nova York e visitei várias corretoras famosas, como Charles Schwab e bancos. Mas fiquei preocupado com o atendimento, parecia pouco amigável para o nosso padrão. Então optei por investir numa corretora brasileira, com escritório lá fora — explica o investidor, que aplica ainda em títulos (bonds) nos EUA.
Eduardo, que teve ganho de 37% no ano passado, engrossou as estatísticas de brasileiros que investem no exterior, uma lista ainda tímida, mas que cresce a passos largos desde a crise financeira internacional: de 14.228 em 2008 para mais de 23 mil pessoas físicas. Um cruzamento feito na base de dados do Banco Central (BC) mostra que os investimentos brasileiros em ações, títulos e imóveis no exterior cresceram de US$ 15,4 bilhões em 2008 para US$ 35,6 bilhões em 2013, um aumento de 131%. Neste caso, o valor inclui pessoas físicas e jurídicas.
A demanda chamou a atenção das corretoras. A TOV estuda abrir escritório fora do país. A XP está ampliando sua unidade em Nova York e abrindo outra em Miami. Segundo Guilherme Benchimol, sócio da XP, o número de clientes que investem nos EUA dobrou em quatro meses:
— Algumas pessoas estão mais preocupadas com o Brasil, que não está num momento positivo, tem muita especulação. A demanda está grande para alocar recursos em ações e títulos de empresas no exterior.
Em 2013, o Ibovespa, principal índice da Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) caiu 15,5% e, em janeiro, teve a maior perda para o mês desde 1995. Já o Dow Jones, da Bolsa de Nova York, avançou 26,5% em 2013. Além da alta da Bolsa, os brasileiros ganham com a valorização do câmbio, já que o dinheiro está em dólares, e a moeda americana subiu 15,37% no ano passado.
No mercado de imóveis, há quem sonhe em comprar uma casa no exterior. Criado na Zona Leste de São Paulo, o empresário André Lima, de 40 anos, trabalhou desde os 14 para conhecer a Flórida. Aos 23 fez a viagem, mas passou a cultivar o desejo de comprar um apartamento em Miami. Hoje, ele se prepara para comprar outro imóvel no país, em Orlando, para alugar.
— Vendi um imóvel em São Paulo e com metade do dinheiro comprei um apartamento enorme em Miami. Minhas filhas moram lá com a minha esposa. Fico entre os dois países — afirma André, para quem ainda vale a pena investir lá fora. — A valorização dos apartamentos no Brasil compensou o aumento do dólar.
Clientes com um novo perfil
O investimento brasileiro em imóveis saltou de US$ 1,8 bilhão em 2008 para US$ 4,6 bilhões, um aumento de 150%. E a Flórida, meca dos brasileiros que procuram imóveis no exterior, foi uma da grandes responsáveis por isso. Segundo Marco Fonseca, representante para o Brasil da NAR (Associação Nacional de Corretores), o Brasil responde por 10% das compras de imóveis em Miami Beach, atrás apenas de venezuelanos (22%) e argentinos (11%).
Para mimar os investidores, vale buscar no aeroporto e até desenvolver empreendimentos imobiliários customizados. Greg Freedman, sócio do projeto Privé, diz que lançou dois prédios este ano em uma ilha de Miami para brasileiros: são imóveis contemporâneos, com espaços abertos, cores claras e vista para o mar. Freedman diz que a experiência mostrou o que os brasileiros gostam.
— Comprei o apartamento de um brasileiro que tinha tudo branco: parede, piso. E até o piano era branco. Algumas paredes eram azuis. Pensei: “nunca vou conseguir vender isso”. Mas apareceu outro brasileiro e comprou — conta Freedman.
Comercializadora de imóveis em Miami, a Piquet Realty prevê alta de 30% nas vendas este ano. Segundo o presidente da empresa, Cristiano Piquet, os clientes veem espaço para investir porque esperam valorização do dólar para R$ 3.
— Eles compram apartamentos de US$ 300 mil a mais de US$ 2 milhões. A maioria paga à vista, talvez 60%. Mas é possível financiar com entrada de 30%. A classe média também compra. Para um apartamento de US$ 300 mil, você pode dar 30% de entrada e financiar o resto — diz.
Se Miami é a meca, Nova York é um sonho de consumo um pouco distante para a classe média brasileira. Cássio Faccin, que já tem apartamento em Miami, diz que sonha em comprar um estúdio perto do Central Park, próximo à Rua 57, um dos metros quadrados mais caros dos EUA.
— Não tenho investimentos suficientes para isso, mas é algo que tem um potencial de valorização grande no futuro — diz Cássio, um dos brasileiros que compraram recentemente um apartamento no projeto contemporâneo na ilha da empresa Privé.
Corretoras em Nova York, porém, percebem claramente o aumento de brasileiros interessados em imóveis.
— Antigamente, quem comprava apartamento em Nova York tinha muito dinheiro. Hoje, há cada vez mais pessoas que não são ricas procurando também. São jovens, na faixa dos 30 anos que começaram a ganhar dinheiro e resolvem investir dessa forma — explica a brasileira Leda Gorgone, da corretora Town.
‘Alternativa para poucos’
Leda afirma que a maior dificuldade é encontrar o tipo de apartamento que essa nova clientela procura — geralmente de dois quartos, na parte baixa de Manhattan, por valores entre US$ 1 milhão e US$ 3 milhões. Ela acaba de vender um desses para um jovem casal paulista, no Lower East Side, por US$ 960 mil, valor bem abaixo do mercado, já que o edifício funciona no sistema de cooperativa (os imóveis não podem ser alugados nem emprestados, o que diminui o seu valor comercial). Agora, trabalha para conseguir outros dois no mesmo padrão para novos compradores do Brasil, um advogado e um artista plástico.
O músico paulista Reinaldo Kherlakian está em busca de um terceiro apartamento em Nova York. Ele comprou o primeiro, no Chelsea, há cinco anos, e o segundo, no mesmo prédio:
— É muito fácil conseguir alugar bem aqui, e com esse aluguel dá para pagar todo o financiamento. É um ótimo negócio.
Para Fábio Gallo Garcia, professor da Fundação Getulio Vargas, o investimento no exterior faz sentido neste momento, com a economia que cresce pouco no Brasil e uma Bolsa que não se valoriza. Ele ressalta, porém, que é preciso conhecer bem o mercado no qual o investidor tem interesse e encarar a empreitada com uma forma de diversificar as aplicações:
— Existe um risco adicional de se investir lá fora: o câmbio. Se o dólar cair, o ganho com a ação pode ser perdido. Por isso acho que é alternativa para poucos.