Carlos José Marques - Editorial IstoE
Virou uma chicana política, com direito a articulações de bastidores, pressões partidárias e lobby no Planalto, a escolha do substituto do ministro Teori Zavascki no STF. A vetusta instituição, que se orgulha de procedimentos eminentemente técnicos em suas deliberações, é alvo no momento de interesses específicos e grupos diretamente envolvidos nas rinhas e impasses que o Supremo tem a despachar. No tabuleiro da Justiça não há posto mais cobiçado no momento. Ativistas religiosos – de católicos a protestantes, incluindo as bancadas cristãs do Congresso – trabalham para colocar no lugar de Teori alguém antenado com suas ideias conservadoras como a proibição do aborto. Naquele colegiado, uma votação favorável à descriminalização até o terceiro mês de gestação já saiu vitoriosa. Legendas e parlamentares envolvidos nos desdobramentos da Lava Jato empenham-se, por sua vez, na escolha de alguém que se posicione contra a prisão de condenados em segunda instância, tese já em avançado processo de consolidação na Suprema Corte e que viabilizou as delações. Das questões de fé às mais mundanas aspirações, não há pauta que não mova agremiações com ideologias diversas. Até a Ong “Vem pra Rua”, autoproclamada líder dos protestos pelo impeachment de Dilma, engajou-se na disputa. Não lançou nome específico, mas firmou posição contra qualquer alternativa que apresente comprometimento com partidos ou faça parte diretamente do governo Temer. Uma lista de candidatos, com fotos e perfis, será divulgada nas redes sociais pela Ong explicando as motivações para o veto. Nela estarão inscritos os nomes de Alexandre Moraes, atual ministro da Justiça, e do advogado Heleno Torres, que assinou parecer contrário à saída da ex-mandatária. Os tucanos, por sua vez, lideram uma trupe de siglas, incluindo DEM, PR, PTB, PSD e parte do PMDB, favorável ao ministro Moraes por considerá-lo “qualificado”, “com experiência jurídica” e fiel à nova gestão. O advogado Torres, logo que viu despontar o seu nome, tratou de lançar louvas ao presidente Temer em declarações públicas que criaram constrangimento ao Planalto. Além deles, o procurador do Ministério Público no TCU, Julio Marcelo, e a atual advogada-Geral da União, Grace Mendonça, entraram no páreo dos favoritos. O primeiro respaldado pelo conselho de procuradores gerais que chegou a encaminhar carta à Presidência nesse sentido. Já o nome de Grace caiu nas graças do Governo, preocupado em aumentar o quórum feminino do STF. Ao todo, ao menos 15 postulantes estão na disputa. Entre os mais polêmicos deles, está a indicação do jurista Ives Gandra Martins Filho, ministro do Tribunal Superior do Trabalho, membro da Opus Dei e que recentemente fez declarações misóginas, pregando a obediência da mulher no casamento, o celibato, além de críticas ao casamento de homossexuais. Por seus pares é abertamente classificado como “retrógado”, “xenofóbico” e “destemperado”. A escolha é complexa e o caminho para chegar a ela está repleto de armadilhas e botes dos grupos interessados. O presidente Michel Temer, a quem cabe a decisão soberana de encaminhar o indicado, já avisou que só irá se pronunciar após a escolha do relator da Lava Jato pelo Supremo. Não quer ser acusado de interferir no andamento desse processo. Professor em direito constitucional como é, Temer cerca-se de cautela. Estava inclinado até o final de semana por opções mais técnicas, ligadas a outras cortes. Sabe o quanto é difícil agraciar todas as correntes desse intrincado jogo e deve se guiar pelo embasamento jurídico e conhecimento do postulante sobre as grandes carências nacionais. De uma maneira ou de outra, não deixa de ter um lado perverso e pouco dignificante tamanha corrida pela vaga de Teori. Logo após a tragédia que vitimou o relator da Lava Jato, aspirantes se apresentaram, cada um a sua maneira, a maioria por intermédio de simpatizantes. Ainda em meio ao velório, nas conversas ao redor do caixão, intensas negociações eram flagradas. O feirão de nomes não deve turvar a lisura e transparência necessárias à indicação. Não é na base da fuzarca, onde ganha quem grita mais alto, que deve ser nomeado o sucessor. Mais do que nunca, espera-se do mandatário Temer imparcialidade e serenidade nesse difícil veredicto.