Fernando Henrique Cardoso está surpreso com os resultados da gestão de Michel Temer. “Eu não imaginava que o governo Temer fosse conseguir no Congresso tanto quanto ele conseguiu”, disse o ex-presidente tucano em entrevista ao blog. Para FHC, os sinais emitidos pela política econômica já permitem até “imaginar uma saída do buraco.” Paradoxalmente, ele atribuiu ao caos político as mudanças que recolocam a economia no que chama de “bom caminho.”
Durante a entrevista, ocorrida nesta segunda-feira (30), FHC comparou a conjuntura atual à situação vivida por ele quando foi ministro da Fazenda do governo Itamar Franco —época em que colocou em pé o Plano Real. “Havia uma situação caótica, semelhante à atual. Saíamos de um impeachment, tivemos o escândalo dos anões do Orçamento, o governo era de transição.”
Hoje, disse FHC, em meio a um cenário em que “está tudo caótico, tudo meio solto, todo mundo meio tonto”, Temer aprovou no Congresso medidas como o teto para os gastos públicos e a mudança na legislação sobre exploração de petróleo. “É nesses momentos de caos que o país consegue caminhar”, afirmou.
As avaliações de FHC foram feitas três dias depois de um encontro que ele teve com Temer. Conversaram na última sexta-feira, em São Paulo. Dias antes, Temer reunira-se em Brasília com o presidente do PSDB, Aécio Neves. Entre outros temas, trataram da nomeação do deputado tucano Antonio Imbassahy para a pasta da coordenação política do governo. Algo que deve ocorrer em fevereiro.
Imbassahy será o terceiro ministro tucano na equipe de Temer. Os outros dois são José Serra (Relações Exteriores) e Bruno Araújo (Cidades). Num instante em que o tucanato ancora seus projetos políticos na gestão Temer, a boa vontade de FHC não o impediu de avaliar os riscos. Para ele, a tática de aproveitar o caos político para emplacar reformas econônicas tem limites. “Se a crise ficar muito grande, perde o controle”, disse.
Ironicamente, o PSDB é o autor das ações que pedem a cassação da chapa Dilma-Temer no Tribunal Superior Eleitoral. Que tal desistir do processo? “Não dá mais para retirar”, lamentou FHC. A eventual cassação de Temer será “ruim, porque vai haver uma complicação muito grande”, acrescentou. “Mas acho que os dados estão lançados. O que tiver que acontecer, vai acontecer.”
FHC aplaudiu a decisão da presidente do Supremo Tribunal Federal, Cármen Lúcia, de homologar os 77 acordos de delação da Odebrecht. “Era preciso fazer. Acho que a ministra agiu direito.” Entre os personagens citados nas delações estão Michel Temer e três presidenciáveis do PSDB: Aécio Neves, Geraldo Alckmin e José Serra.
Vai abaixo a transcrição da entrevista de FHC:
— Que avaliação faz do governo Michel Temer? Creio que, com todas as dificuldades, há sinais corretos na política econômica, que permitem imaginar uma saída do buraco. Eu não imaginava que o governo Temer fosse conseguir no Congresso tanto quanto ele conseguiu.
— Refere-se à aprovação da emenda do teto de gastos? O governo conseguiu aprovar a emenda do teto dos gastos públicos. Também alterou a legislação de exploração do petróleo, que não é pouca coisa. Está mexendo na estrutura do ensino médio. São coisas muito difíceis. E o governo foi fazendo. Vamos ver agora o que vai acontecer com a reforma da Previdência, que também é muito difícil. Acho que o Congresso, vendo que o déficit é alto, pode avançar. Sei que é difícil porque também enfrentei o problema. Alguma coisa nós fizemos. Perdemos uma votação sobre idade mínima para aposentadoria por um voto.
— Não receia que o agravamento da crise política prejudique a política econômica? Se piorar muito, pode prejudicar. Mas como está, creio que não. Eu me lembro da época em que fui ministro da Fazenda. Havia uma situação caótica, semelhante à atual. Tivemos o impeachment, o escândalo dos anões do Orçamento, o governo era de transição. A tese que eu defendia, nas conversas com a minha equipe na época, era a seguinte: olha, nós só conseguimos fazer alguma coisa quando está tudo desorganizado. Quando os interesses estão encastelados, você não muda nada. Nesse momento, está tudo caótico, tudo meio solto, todo mundo meio tonto. Inclusive o setor político. É nesses momentos de caos que o país consegue caminhar. Basta que haja um rumo e alguma insistência. É claro que tem limites para isso. Se a crise ficar muito grande, perde o controle.
— Sua tese é de que Michel Temer deve aproveitar a desorganização política para avançar nas reformas? É o que eu acho. Creio que o governo, bem ou mal, está tentando fazer isso. Até aqui, teve algum êxito. Mesmo que ele não tenha plena consciência de todos os movimentos que está propondo, mesmo que não seja capaz de explicar à sociedade a direção que vem adotando, o fato é que ele caminha numa boa direção, recoloca a economia no bom caminho.
— O PSDB poderia desistir do processo que ajuizou no TSE para cassar a chapa Dilma-Temer? Não dá mais para retirar, porque é uma ação pública. Não pode mexer.
— Acha que seria ruim se houvesse a cassação do mandato de Temer? É ruim, porque vai haver uma complicação muito grande. Mas acho que os dados já estão jogados. O que tiver que acontecer, vai acontecer. Espero que não aconteça nada que leve a uma comoção maior.
— Até porque, numa eleição indireta feita pelo Congresso, a encrenca poderia cair no seu colo, não? Deus me livre!
— Acha que foi acertada a decisão da ministra Cármen Lúcia de homologar as delações da Odebrecht antes da indicação de um substituto para o ministro Teori Zavscki na relatoria da Lava Jato? Creio que foi acertada a decisão. Ela assumiu a responsabilidade dela como presidente da Corte. Tem brecha no regimento para isso. Era preciso fazer. Acho que a ministra agiu direito.