MARCO AURÉLIO CANÔNICO - Folha de São Paulo
Nos anos 1960, quando governava o Estado da Guanabara, Carlos Lacerda (1914-1977) ganhou, não se sabe de quem, uma mala cheia de negativos fotográficos de vidro, além de imagens impressas.
Eram registros raros do Rio em sua belle époque –o período entre 1902 e 1930–, fase de grandes transformações urbanas na então capital do país.
Após anos esquecido e inacessível ao público, esse material foi comprado no fim de 2016 pelo IMS (Instituto Moreira Salles) e agora está disponível para consulta in loco –ainda neste ano, poderá ser consultado também on-line.
"Meu pai me deu em vida essas fotos", diz Sebastião Lacerda, 74, que vendeu as imagens para o IMS por um valor não revelado. "A singularidade da coleção é que ela não trata dos monumentos. É, sobretudo, a vida da cidade, a presença humana."
A estrela do acervo é o morro do Castelo, berço da fundação do Rio, que ficava na região central. Cerca de 40% das imagens retratam o cotidiano de seus habitantes e sua demolição, nos anos 1920.
As cenas anteriores ao desmonte da colina são particularmente raras. "Elas falam não só da arquitetura, mas dos usos, das casas de cômodo partilhadas por várias famílias", diz Sergio Brugi, 60, coordenador de fotografia do IMS. "Isso está na literatura e também nessas imagens."
Como lembra Lacerda, o Castelo era "a Acrópole carioca", concentrando marcos da fundação como o convento dos Jesuítas e a Sé Velha. Lá também ficava o primeiro Observatório Nacional, com sua torre que sinalizava para que os navios no porto ajustassem seus relógios. Todos aparecem nas imagens do acervo.
O conjunto, com cerca de 510 itens, está sendo digitalizado. A qualidade dos negativos permite que as imagens sejam ampliadas sem perder detalhes como expressões, roupas e adereços.
DUMONT E GETÚLIO
Na miscelânea de itens há ainda imagens de acontecimentos históricos, como os gaúchos com seus cavalos amarrados ao obelisco da avenida Rio Branco, na Revolução de 1930, e eventos com a presença de Getúlio Vargas.
Além dele, personalidades como Santos Dumont e Gastão de Orléans, o Conde d'Eu, também estão retratadas.
Apesar de o próprio Sebastião Lacerda ter editado uma parte das imagens em livro lançado no final de 2015 por sua editora, a Bem-Te-Vi, o acervo carece de informações sobre seus autores e tipo de equipamentos utilizado.
Levantar o máximo de informações possíveis sobre as imagens é uma das tarefas a que têm se dedicado os especialistas do IMS.
"Estamos cruzando essas imagens com as das revistas 'Fon Fon' e 'Careta' deste período, que são fontes importantes de informação visual", diz Sergio Brugi.