Pedro Ladeira/Folhapress | |
Plenário da Câmara em sessão não deliberativa, em agosto de 2016 Folha de São Paulo
Muito se tem falado sobre as reformas econômicas que fazem parte da agenda do governo Temer: o teto de gastos, a reforma previdenciária, a reforma trabalhista, a reforma tributária etc. Sim, a crise e os problemas estruturais da nossa economia são graves, mas não podemos esquecer outro debate igualmente importante: o da reforma política.
Para debater uma reforma política, precisamos antes entender o atual sistema. Nas eleições para vereador, deputado estadual e deputado federal, o sistema eleitoral é proporcional, com lista aberta. O candidato pode fazer campanha em todo o Estado —no caso dos vereadores, em toda a cidade–, percorrendo diversas cidades e gastando fortunas com cabos eleitorais, carros de som, papelaria, etc. Votamos num candidato e o voto, no entanto, não vai para ele, mas para a coligação de seu partido. De acordo com o número de votos, a coligação consegue um determinado número de cadeiras no Parlamento, que são ocupadas pelos mais votados da coligação.
Daí surge a figura do puxador de votos, candidato famoso —às vezes até caricato— que, por ter muitos votos, arrasta vários colegas de coligação para dentro do parlamento. Nas eleições de 2014, o candidato a deputado federal mais votado foi Celso Russomanno (PRB-SP), com 1,5 milhão de votos.
Como, para obter uma cadeira de deputado federal por São Paulo, são necessários cerca de 300 mil votos, Russomanno garantiu sua vaga e puxou mais quatro desconhecidos de sua coligação para o Congresso.
Esse sistema tem três problemas evidentes: é caro —o candidato tem de fazer campanha no maior número de cidades possível, gastando muito dinheiro no processo—, pouco representativo: na atual Câmara, só 36 deputados se elegeram com os próprios votos, outros 477 foram puxados. E não há debate entre os candidatos, como acontece nas eleições para a Presidência da República, por exemplo.
O nosso sistema de governo, presidencialista, é igualmente ruim. O presidente tem de lotear a máquina pública para formar maioria no Congresso. Além disso, como vimos nos processos de impeachment do ex-presidente Fernando Collor e da ex-presidente Dilma Rousseff, destituir o chefe do Executivo é custoso e demora muito. O país fica completamente paralisado.
Um dos projetos que envolvem nosso sistema político e avança no Congresso é a PEC 36/2016, já aprovada em dois turnos no Senado. A emenda institui uma cláusula de barreira a partir das eleições de 2022, fazendo com que partidos que não obtiverem ao menos 3% dos votos válidos distribuídos em no mínimo 14 unidades da Federação, com pelo menos 2% dos votos válidos em cada uma destas, não tenham acesso ao fundo partidário nem direito a tempo gratuito no rádio e na televisão. Além disso, determina que coligações em eleições proporcionais serão proibidas a partir das eleições de 2020.
É fato que hoje temos uma salada de partidos políticos, a maioria deles fisiológicos —afinal, não temos 35 correntes políticas diferentes—, e isso gera um problema de governabilidade: o governo tem de acomodar muitos interesses; nesse sentido, a cláusula de barreira é positiva.
O fim das coligações em eleições proporcionais contribui para o mesmo fim. Hoje, a única função desse tipo de coligação é a compra e venda de partidos nanicos para engrossar o caldo eleitoral de partidos maiores.
A proposta aprovada é boa, mas não ataca a raiz do problema: o sistema eleitoral. O MBL defende a adoção do sistema de voto distrital. Nele, os Estados são divididos em distritos de acordo com o número de eleitores. No caso de São Paulo, numa eleição para deputado federal, seriam distritos de cerca de 300 mil eleitores —número necessário para obter uma cadeira no atual sistema—, por exemplo. Cada partido lançaria um candidato para disputar a vaga em cada distrito. O voto vai para o candidato, não para a coligação. Não há puxador de votos. Quem obtiver a maioria dos votos em seu distrito, vence.
Assim, resolvemos os três problemas: com um espaço limitado, a campanha fica mais barata; sem puxadores de votos, o sistema fica mais representativo, e, por fim, com cada partido disputando uma vaga em cada distrito, a concorrência seria direta, e debates entre os candidatos seriam promovidos.
Outra questão a ser resolvida é o nosso sistema de governo. Na aula inaugural do Instituto de Direito Público de São Paulo, do qual sou aluno, em dezembro de 2015, o então vice-presidente, Michel Temer, chegou a falar sobre um "semiparlamentarismo" no qual o Congresso participaria de maneira mais ativa no governo, sem dar maiores detalhes. Depois que assumiu, nunca mais tocou no assunto.
O fato é que o presidencialismo faliu no mundo todo. Os Estados Unidos eram a última grande democracia presidencialista que parecia dar certo.
Parecia. A escolha entre o ruim e o pior ainda nas últimas eleições americanas mostrou que nem lá o presidencialismo se sustenta.
No parlamentarismo, modelo que, de diferentes formas, vigora em todos os países da Europa, as crises políticas duram muito menos e são muito mais suaves. Se o chefe de governo perde a maioria no Congresso, é destituído e um novo governo se forma. O país não fica parado durante incontáveis meses.
O Brasil precisa deixar de ser o país dos paliativos. Se vamos debater uma reforma política, que seja um debate sério, no qual os problemas estruturais do nosso sistema político sejam resolvidos, e não deixados para um amanhã que nunca chega.
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