Para conter o avanço do totalitarismo, Trump mostra sua força e
desenha uma linha na areia. Diante das provocações de Lula, o país
bateu de frente com tarifas, retaliações, possíveis sanções e agora o
envolvimento da Otan
Ilustração: Shutterstock
E
m 9 de julho, logo após o encontro do Brics no Rio de Janeiro e
mais uma série de provocações de Lula aos Estados Unidos, o
presidente americano Donald Trump deu um nó diplomático
no Brasil ao anunciar uma tarifa de 50% sobre as importações
brasileiras, a partir de 1º de agosto, citando os “ataques insidiosos” à
liberdade pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e sua perseguição
implacável ao ex-presidente Jair Bolsonaro.
No entanto, engana-se quem avalia que a linha desenhada na areia por
Trump seja apenas uma mera disputa comercial. As equações de
Trump são um alerta calculado de que a atual Casa Branca vê o Brasil
de Lula como um aliado desgarrado, deslizando para o totalitarismo,
que pode se sentir fortalecido por sua aliança com a Rússia, a China e
o Irã — hoje, regimes de exceção.
Nesta semana, a insatisfação com o Brasil subiu mais um degrau.
Poucos dias depois do tarifaço de Trump, o presidente americano
publicou uma carta com o timbre da Casa Branca endereçada a
Bolsonaro e classificando o governo de Luiz Inácio Lula da Silva como
um “regime” — termo reservado para Estados autoritários.
Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ao lado de chefes de Estado e de governo dos países membros, parceiros e de engajamento
externo, no Museu de Arte Moderna (MAM), no Rio de Janeiro, RJ (7/7/2025) | Foto: Ricardo Stuckert/PR
Na diplomacia internacional, a palavra “regime” é uma arma retórica,
usada para deslegitimar governos considerados antidemocráticos ou
hostis. Reagan a usou contra a União Soviética; Bush, contra o Iraque
de Saddam Hussein; e agora Trump a direcionou ao Brasil de Lula. Em
sua carta a Bolsonaro, Trump escreveu: “O regime em Brasília,
liderado por Lula e seus executores judiciais, está travando uma
guerra contra a liberdade, mirando você e seus apoiadores com uma
caça às bruxas que espelha minhas próprias batalhas”.
A escolha da palavra “regime” sinaliza que Trump considera o
governo de Lula desprovido de legitimidade democrática,
impulsionado pelas ordens de censura “secretas e ilegais” do STF,
liderado pelo ministro Alexandre de Moraes, e pela perseguição a
Bolsonaro em razão da suposta conspiração golpista após as eleições
de 2022.
O termo “regime” carrega um peso histórico, reservado para Estados
como o Irã pós-1979 ou a Venezuela de Maduro, onde normas judiciais
e eleitorais foram erodidas. Ao aplicá-lo ao Brasil, Trump equipara o
governo de Lula a esses párias, acusando-o de trair os valores
democráticos que Brasil e EUA outrora compartilharam. Essa escalada
retórica sublinha a estratégia mais ampla de Trump: pressionar o
Brasil a abandonar sua atual relação com o autoritarismo
impulsionado pelo Brics ou enfrentar o isolamento econômico e
diplomático.
Donald Trump, presidente dos EUA, na Casa Branca, em Washington, D.C. (15/7/2025) | Foto: Reuters/Jonathan Ernst/Foto de arquivo
A insatisfação de Trump com Lula e a preocupação com o Brasil não
são de agora. O alinhamento de Luiz Inácio com regimes autoritários
foi exposto em 2023, quando ele recebeu o ditador da Venezuela, em
Brasília, com todas as honras de Estado. Isso, apesar de Maduro estar
na lista de procurados dos EUA por narcoterrorismo, com uma
recompensa de US$ 25 milhões.
A recepção calorosa foi um ato provocador, alinhando o Brasil com um
regime de exceção que reprime seu povo e desafia abertamente os
interesses dos EUA. Em janeiro deste ano, Maduro fez coro com as
provocações de Lula e intensificou as tensões ao pedir que o Brasil
“libertasse” Porto Rico dos americanos, levando o senador americano
Rick Scott a enviar a Lula uma carta exigindo explicações.
Mas a acolhida a Maduro não foi um evento isolado. Em 2024, Lula
voltou a se encontrar com o ditador, reforçando laços com a Venezuela,
apesar de seu histórico de repressão e colapso econômico.
Essa
postura contrasta diretamente com a visão de Trump, que considera
Maduro uma ameaça regional, parte de um “novo Eixo do Mal” ao lado
de Irã, Rússia e Cuba. A decisão de Lula de tratar um criminoso procurado como um aliado legítimo intensifica as acusações de
Trump de que o Brasil está se afastando dos valores democráticos
ocidentais, alimentando o uso do termo “regime” em sua carta a
Bolsonaro.
Nicolás Maduro, presidente da Venezuela, e Lula, durante reunião bilateral em Kingstown, São Vicente e Granadinas (1º/3/2024) |
Foto: Ricardo Stuckert/PR
O colapso da Venezuela serve como uma advertência para o Brasil,
embora o país ainda não tenha atingido esse extremo. A Suprema
Corte do país, repleta de aliados, começou a usurpar funções
legislativas, como em 2017, quando tentou dissolver a Assembleia
Nacional liderada pela oposição, desencadeando uma condenação
internacional. A repressão à mídia, à liberdade de expressão, a
nacionalização de indústrias e os controles cambiais levaram a uma
hiperinflação de 1.698.488% em 2018 sob Nicolás Maduro, resultando
em migração em massa e repressão. O alinhamento da Venezuela com
o Irã, Rússia e Cuba a isolou do mundo democrático, transformando
uma nação próspera em um Estado pária.
O Brasil não é a Venezuela, mas sinais preocupantes emergem. O STF,
sob Moraes, espelha o Judiciário venezuelano ao emitir ordens de censura, incluindo a proibição temporária do X e multas a empresas
de tecnologia americanas, e perseguir Bolsonaro por suposta
conspiração golpista após 2022. Essas ações, embora menos graves
que as da Venezuela, corroem as normas democráticas, justificando o
rótulo de “regime” por Trump.
A liderança de Lula no Brics — composto de Brasil, Rússia, Índia,
China, África do Sul, Irã e outros — tem sido um ponto de tensão. Na
cúpula do Brics de 6 e 7 de julho de 2025, no Rio, Lula condenou os
ataques dos EUA e de Israel às instalações nucleares do Irã e defendeu
uma moeda do Brics para desafiar o domínio do dólar, ecoando sua
proposta de 2023 para uma moeda sul-americana.
Luiz Inácio Lula da Silva, presidente da República, durante sessão plenária no Museu de Arte Moderna (MAM), no Rio de Janeiro, RJ
(6/7/2025) | Foto: Ricardo Stuckert/PR
Nesta semana, Trump perdeu a paciência com outro aliado de Lula,
Vladimir Putin, dando ao russo 50 dias para cessar a guerra contra a
Ucrânia. A dependência do Brasil do diesel russo (64% das
importações em 2024) o torna vulnerável às ameaças de sanções de
Trump às exportações de energia da Rússia, um movimento que
poderia paralisar a economia brasileira.
Os laços de Lula com regimes autoritários vão além da economia. Sua
proximidade com a China, maior parceiro comercial do Brasil, que
compra soja e minerais enquanto promove o yuan sob manipulação
cambial, e seu apoio ao Irã, um Estado que financia o terrorismo desde
a crise dos reféns de 1979, alinham o Brasil com forças
antiamericanas.
A condenação do Brics aos ataques dos EUA contra o
Irã na cúpula foi um desafio direto, levando Trump a ver Lula como
um peão voluntário em um eixo autoritário global.
Tarifas e Seção 301: arma de duplo calibre
As tarifas de 50% de Trump, um salto em relação aos 10% impostos
em abril, abalaram a economia brasileira. O real se desvalorizou mais
de 2% em relação ao dólar, e empresas como Embraer e Petrobras
perderam valor de mercado significativo.
O Brasil, um grande
fornecedor de café, suco de laranja e carne bovina para os EUA,
enfrenta aumento de preços e perda de competitividade global.
As tarifas foram uma resposta direta ao alinhamento de Lula com o
Brics e à censura de Moraes, com Trump acusando o Brasil de atacar
eleições livres e a liberdade de expressão. Diante das respostas nada
diplomáticas de Lula, o Brasil entrou em outro caminho tênue: a
famosa Seção 301, do Trade Act de 1974, permite aos EUA investigar
práticas comerciais estrangeiras consideradas injustas ou restritivas
ao comércio americano. A investigação no Brasil estará focada em:
• Comércio digital e serviços de pagamento eletrônico: restrições a
plataformas americanas como Truth Social e Rumble, ligadas às ordens
de censura de Moraes.
• Tarifas preferenciais injustas: tarifas mais baixas para México e Índia
em detrimento de exportações americanas de etanol.
. Interferência anticorrupção: fraca aplicação de medidas
anticorrupção, prejudicando empresas dos EUA.
• Proteção à propriedade intelectual: salvaguardas inadequadas que
afetam inovadores americanos.
• Acesso ao mercado de etanol: barreiras às exportações de etanol dos
EUA.
• Desmatamento ilegal: práticas ambientais que impactam a equidade
comercial.
Ronald Reagan e Margaret Thatcher, durante viagem a Camp David, em discurso de rádio no Laurel Lodge, nos EUA (15/11/1986) |
Foto: Domínio Público
Essa investigação é um prenúncio de novas sanções comerciais, como
tarifas adicionais ou restrições, caso o Brasil não negocie. Um
precedente alarmante é a investigação da Seção 301 contra a China
em 2018, que resultou em tarifas de 25% sobre US$ 50 bilhões em
produtos chineses, posteriormente expandidas para US$ 360 bilhões,
por práticas como transferência forçada de tecnologia e roubo de
propriedade intelectual.
Para o Brasil, a investigação ameaça setores
vitais, como o agronegócio e a indústria, aumentando o risco de uma
guerra comercial que pode isolar o país economicamente, como
alertou o ex-oficial de comércio americano Brad Setser.
A estratégia global de Trump
As tarifas, a investigação da Seção 301 e as ameaças de sanções de
Trump fazem parte de uma estratégia mais ampla para reafirmar a
liderança americana, ecoando a luta de Reagan contra o comunismo
em um tabuleiro mais amplo. E, neste xadrez complexo da geopolítica,
o Brasil de Lula enfrentará outra peça magistral: a Otan.
Quadro eletrônico exibe informações sobre as flutuações recentes dos índices de mercado na Bolsa de Valores B3, em São Paulo
(10/7/2025) | Foto: Reuters/Alexandre Meneghini
Na cúpula da Otan neste mês de julho, Trump reuniu aliados para
enfrentar o desafio do Brics, enfatizando sanções à Rússia e a seus
parceiros. O secretário-geral da Otan, Mark Rutte, um pragmático de
centro conhecido por sua habilidade diplomática, desempenhou um
papel crucial. Longe de ser um extremista de direita, Rutte, exprimeiro-ministro holandês por 14 anos, elogiou a “ação decisiva” de
Trump contra o programa nuclear do Irã e assegurou um
compromisso histórico de 5% do PIB em gastos com defesa até 2035,
creditando a pressão de Trump. “Esses países teriam atingido 2% sem
a liderança de Trump? Não”, afirmou Rutte, destacando a ameaça da
Rússia, da China e do Irã.
As declarações de Rutte sobre o Brasil, a China e a Índia sublinharam a
preocupação da Otan com a agenda do Brics. Em uma entrevista nesta
semana em Washington, ele alertou: “Nações que se alinham com a
agressão da Rússia ou a coerção econômica da China correm o risco de
perder a confiança do mundo democrático”, citando as importações de
diesel do Brasil e a retórica antiamericana de Lula.
A carta de Trump a Bolsonaro, chamando o governo de Lula de “regime”,
reforçou essa postura, sinalizando que os EUA não tolerarão aliados que se
aproximem do autoritarismo. O secretário de Estado Marco Rubio, um falcão
contra o Irã e a Venezuela, molda essa política linha-dura, garantindo que a
Otan permaneça um baluarte contra o desafio do Brics.
Marco Rubio, secretário de Estado dos EUA, durante reunião entre o presidente Donald Trump e o secretário-geral da Otan, Mark Rutte,
no Salão Oval da Casa Branca, em Washington, D.C. (14/7/2025) - Foto: Reuters/Nathan Howard/Foto de Arquivo
As tarifas de Trump, a investigação da Seção 301, as ameaças de
sanções e a liderança na Otan são um projeto para uma realinhamento
global, enfrentando o desafio do Brics ao dólar e à supremacia
ocidental. As advertências de Rutte sobre o alinhamento do Brasil com
a Rússia e a China refletem a preocupação da Otan de que as políticas
de Lula ameacem a estabilidade global. A estratégia de Trump espelha
a pressão econômica de Reagan para enfraquecer adversários,
garantindo que os EUA permaneçam como “xerife do mundo”.
A
dependência do Brasil do diesel russo e do comércio chinês dá a Lula
alavancagem, mas também vulnerabilidade. Novas sanções
americanas às exportações de energia da Rússia e os resultados da
investigação da Seção 301 poderiam desencadear uma crise no Brasil,
semelhante ao colapso dependente de petróleo da Venezuela.
A insistência de Lula em uma visão multipolar, liderada pelo Brics, é
um desafio direto a essa ordem que protege os pilares da civilização
ocidental. A retórica antiamericana pode até render pontos políticos a
Lula no curto prazo, mas não será tolerada.
Ela é um risco à paz do
Ocidente no longo prazo.
A carta de Trump a Bolsonaro, a investigação da Seção 301 e agora o
envolvimento da Otan são um alerta: o Brasil deve reafirmar os valores
democráticos ou enfrentar consequências econômicas e diplomáticas.
A escolha é clara — liberdade ou autoritarismo.
O xerife traçou sua
linha, e o mundo está observando.
Liberdade vs. autoritarismo
Ana Paula Henkel - Revista Oeste