sexta-feira, 30 de setembro de 2022

Wall Street Journal critica ‘populismo’ de esquerda na América Latina: ‘menos liberdade’: populistas como Lula passam 'rolo compressor' nas instituições democráticas

 Jornal chamou o STF de 'ativista'

Lula acena para apoiadores durante ato de campanha em 2022
Lula acena para apoiadores durante ato de campanha em 2022 | Foto: Ricardo Stuckert

Um artigo de opinião do Wall Street Journal publicado nesta quinta-feira (29) se debruça sobre a eleição presidencial brasileira e seu potencial impacto nos caminhos políticos latino-americanos. A publicação destaca o novo momento de vigor do populismo de esquerda na região, “em movimento na América Latina desde que o venezuelano Hugo Chávez assumiu o poder, em 1999”.

O jornal norte-americano descreve a eleição brasileira no antagonismo entre Lula (PT), “um populista de esquerda” que fundou o Fórum de São Paulo junto com o cubano Fidel Castro, e o atual presidente Jair Bolsonaro (PL), ex-capitão do Exército e conservador, definido como um representante “de centro-direita”.

Para o Wall Street Journal, a nova “onda vermelha” socialista representa um desafio aos princípios democráticos na América Latina.

“Os socialistas às vezes usam sua popularidade eleitoral para esmagar como um rolo compressor as instituições democráticas e se manter no poder. Da Argentina ao México, a onda vermelha trouxe menos liberdade e mais dificuldades”, argumenta o artigo de opinião.

No foco sobre a situação brasileira, o jornal destaca a tensão entre Poderes, acirrada durante o mandato de Bolsonaro, com a imprensa brasileira como um poderoso agente atuante.

“Seu estilo impetuoso e politicamente incorreto e seus confrontos com uma Suprema Corte ativista o tornaram um defensor dos tradicionalistas e alvo da poderosa imprensa de esquerda do país”, diz a publicação.

Em seguida, o artigo reconhece os méritos do governo Bolsonaro, dizendo que o presidente melhorou o clima de investimentos no país e conseguiu restringir os gastos, mesmo aumentando os valores dos programas de transferência de renda aos mais pobres.

Por sua vez, o jornal registra a mácula de corrupção sobre os governos do PT, nos anos Lula e Dilma Rousseff, com a descoberta de “bilhões de dólares em propinas envolvendo a estatal petrolífera”. O artigo descreve a condenação do líder petista em 2018, que acabou revertida pela Suprema Corte brasileira anos depois, “embora Lula nunca tenha sido inocentado no tribunal, porque nunca foi julgado novamente”.

Por fim, na seara econômica, o Wall Street Journal destaca que a economia brasileira surpreendeu positivamente com Bolsonaro, crescendo 2,4% no primeiro semestre do ano. O jornal diz entender que um novo mandato do atual presidente significaria “um sistema tributário simplificado, mais privatizações e um mercado de eletricidade reestruturado”. Por sua vez, Lula optaria por oferecer ao Estado um papel maior na economia, pisando no freio com as privatizações e beneficiando o protecionismo.

“O Brasil tem instituições mais fortes do que muitos de seus vizinhos, mas uma vitória de Lula irá testá-las. Lula lidera nas pesquisas e, se conseguir mais de 50%, não haverá segundo turno em 30 de outubro. O país merece um confronto de visões”, conclui o artigo.

Revista Oeste

Exército acusa 'O Estado de São Paulo' de publicar fake news sobre auditoria de votos

  Jornal informou que as Forças Armadas dariam ‘respaldo’ ao resultado das eleições

O Exército acusa o <i>Estadão</i> de disseminar <i>fake news</i>
O Exército acusa o Estadão de disseminar fake news | Foto: Divulgação/Exército

O Comando do Exército emitiu uma nota nesta sexta-feira, 30, em que acusa o jornal O Estado de S. Paulo de publicar fake news sobre o papel das Forças Armadas na auditoria dos votos nas eleições deste ano.

O texto, intitulado “Alto-Comando do Exército diz que ‘quem ganhar leva’ a Presidência e se afasta da auditoria de votos”, informa que as Forças Armadas decidiram respaldar o resultado das eleições. O posicionamento teria sido firmado na última Reunião do Alto-Comando do Exército (RACE), realizada entre 1º e 5 de agosto.

As Forças Armadas, contudo, alegam que o conteúdo da reportagem é falso. “O Comando do Exército manifesta total repúdio ao seu conteúdo”, diz a nota. Segundo a caserna, “não foram tratados assuntos de natureza político-partidária” nos encontros, “tampouco houve qualquer manifestação” de oficial do Alto-Comando. “Os dados apresentados na matéria são inverídicos e tendenciosos”, acrescentam os militares.

As Forças Armadas consideram “lamentável” um veículo de expressão nacional promover “desinformação” e contribuir para a “instabilidade do país”. O Exército diz, no fim da nota, que “as medidas judiciais cabíveis estão sendo estudadas”.

Edilson Salgueiro, Revista Oeste

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Guilherme Fiuza participa do programa OesteCast, com Branca Nunes e Dagomir Marquezi | Foto: Marcio Komura/Revista Oeste


No OesteCast, o jornalista e escritor revela detalhes de como viveu durante os dias em que o mundo parou


O escritor, jornalista e colunista de Oeste Guilherme Fiuza é o entrevistado desta semana do OesteCast, o podcast da Revista Oeste. Entre outros assuntos, Fiuza falou sobre o impacto da pandemia na sua vida e dos políticos e jornalistas que se aproveitaram para explorar o medo da população. Também narrou os detalhes de um encontro quase acidental com o petista José Dirceu, que num raro momento de sinceridade admitiu os erros cometidos pelo partido.

Apresentado pelo jornalista Dagomir Marquezi, o OesteCast vai ao ar toda quarta-feira, às 20h30. Aproveitem este espaço para sugerir nomes de entrevistados que vocês gostariam de ver por aqui.

Revista Oeste

'Os intelectuais sonham com utopias anticapitalistas', por Edilson Salgueiro

Rainer Zitelmann, historiador e sociólogo alemão | Foto: Divulgação

O historiador alemão Rainer Zitelmann descreve as experiências fracassadas dos países socialistas e mostra como as políticas capitalistas produziram riqueza em nações sem recursos naturais


Entusiasta do capitalismo de livre mercado, o historiador e sociólogo alemão Rainer Zitelmann, de 64 anos, é autor de diversos livros sobre o tema. Entre eles, O Capitalismo Não É o Problema, É a Solução, lançado neste ano pelo Grupo Almedina. A obra descreve as diversas experiências fracassadas dos países socialistas e mostra como as políticas capitalistas foram capazes de produzir riqueza em nações sem recursos naturais.

Em entrevista à Oeste, Zitelmann disse que o bem-estar da maioria da população está atrelado ao aprofundamento das reformas liberais, que incluem privatizações, redução de impostos, desregulamentação do mercado de trabalho e combate à corrupção. “Nos países mais capitalistas do mundo, como Singapura, Suíça, Irlanda e Luxemburgo, as pessoas estão indo muito bem”, observou. “Nos países mais socialistas, como Cuba, Coreia do Norte e Venezuela, o povo está indo muito mal.”

Livro O Capitalismo Não É o Problema, É a Solução, de Rainer Zitelmann | Foto: Divulgação

Na conversa, o historiador refutou a falácia do socialismo nórdico, criticou os intelectuais anticapitalistas e comentou o atual momento político-econômico do Brasil. A seguir, os principais trechos da entrevista.

Por que o senhor decidiu escrever O Capitalismo Não É o Problema, É a Solução?

Fiquei impressionado com a crescente onda de anticapitalismo em todo o mundo, que é, em grande parte, alimentada pelo fato de que os jovens geralmente têm uma compreensão muito limitada da História. Na escola, seus professores contam tudo sobre os “males do capitalismo”, mas quase nada sobre os horrores do socialismo.

O primeiro capítulo do livro é sobre a ascensão econômica da China. Há algum motivo especial para falar do país asiático?

No fim da década de 1950, 45 milhões de chineses morreram em virtude do maior experimento socialista da História, o “Grande Salto Adiante”, de Mao Tsé-tung. A maioria dos alunos nunca ouve falar disso na escola. Após a morte de Mao, 88% da população chinesa vivia em extrema pobreza. Hoje, esse número caiu para menos de 1%. Por quê? Porque o reformador Deng Xiaoping [ex-presidente do país] introduziu os direitos de propriedade privada na década de 1980 e permitiu mais capitalismo na China.

O senhor argumenta que o capitalismo é mais eficaz contra a pobreza do que a “ajuda humanitária”. Por quê?

Você pode ver isso claramente quando compara países da Ásia e da África. Nenhum outro continente recebeu tanta ajuda ao desenvolvimento quanto a África. No entanto, a África ainda é o continente mais pobre, com a maioria das pessoas sofrendo com a fome. A Ásia recebeu muito menos ajuda e, por causa disso, dependeu de mais políticas capitalistas. Isso funcionou.

Em um dos capítulos, o senhor faz um paralelo entre a Coreia do Sul e a Coreia do Norte. Quais são as principais diferenças entre esses países?

Na década de 1960, a Coreia — tanto do Norte quanto do Sul — ainda era um dos países mais pobres do mundo. Tão pobre quanto os mais pobres da África Subsaariana são hoje. A Coreia do Norte escolheu o caminho do socialismo, enquanto a Coreia do Sul escolheu viver no capitalismo. A Coreia do Sul, hoje, é um dos países mais ricos do mundo. A Coreia do Norte, por sua vez, é um país onde a população vive na fome e na pobreza. O mesmo país, a mesma história, a mesma língua, a mesma cultura — mas sistemas econômicos diferentes. Vemos aqui as maravilhas do capitalismo e a miséria do socialismo.

“Uma coisa é certa: eleger o socialista Lula tornaria tudo muito pior”

O senhor também se propõe a refutar o mito do “socialismo nórdico”. Por que esses países não são socialistas?

Se você observar o ranking anual do think tank Heritage Foundation, que avalia os países economicamente mais livres do mundo, verá que a Suécia e a Dinamarca são ainda mais capitalistas que os Estados Unidos. A Dinamarca e a Suécia estão agora classificadas em 10º e 11º no Índice de Liberdade Econômica, enquanto os EUA estão em 25º. Se alguém disser que os países nórdicos são socialistas, então essas nações devem estar adormecidas nos últimos 50 anos. Como mostro em meu livro, a Suécia experimentou o “socialismo democrático” na década de 1970. Mas deu completamente errado. Os suecos reconheceram seus erros e implementaram reformas capitalistas na década de 1990, ou seja, privatizações, redução de impostos e desregulamentação do mercado de trabalho. A partir daí, as coisas começaram a melhorar.

A liberdade econômica aumenta o bem-estar dos seres humanos?

Sim, e vemos isso em todo o mundo. Nos países mais capitalistas, como Singapura, Suíça, Irlanda e Luxemburgo, as pessoas estão indo muito bem. Nos socialistas, como Cuba, Coreia do Norte e Venezuela, estão indo muito mal.

Por que os “intelectuais” não gostam do capitalismo?

Esse é realmente o capítulo mais importante do meu livro. Não quero revelar tudo aqui, porque quero que as pessoas leiam a obra. Mas é onde resolvo o enigma de por que um sistema tão bem-sucedido quanto o capitalismo é desprezado pelos intelectuais, que, ao mesmo tempo, ousaram sonhar (e ainda sonham) com utopias anticapitalistas. 

O senhor faz um apelo para que os países adotem urgentemente as reformas capitalistas. Quais seriam essas propostas?

É sempre o mesmo catálogo de medidas que traz o sucesso: baixar impostos, desregulamentar o mercado de trabalho, combater a corrupção e privatizar. Isso funcionou em todo o mundo, quando feito da maneira certa.

Por que as intervenções do Estado na economia não funcionam?

Porque empresários e consumidores sabem melhor o que é bom para eles do que políticos e funcionários do governo.

 O Brasil está mais próximo do socialismo ou do capitalismo?

Há apenas alguns anos, havia quase 700 empresas estatais (SOEs) no Brasil, das quais mais de 45 estavam sob controle direto do Estado, cerca se 160 eram subsidiárias, quase 260 eram coligadas (empresas relacionadas) e aproximadamente 230 eram minoritárias. Isso contraria os princípios claramente enunciados no artigo 173 da Constituição Federal brasileira: “Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado somente será permitida quando necessária à segurança nacional ou a um relevante interesse coletivo, conforme definido em lei”.

No atual governo, liderado pelo presidente Jair Bolsonaro (PL), esse cenário mudou?

De janeiro de 2019 a fevereiro de 2020, foram privatizadas empresas no valor de cerca de R$ 135 bilhões. Um relatório para a OCDE declarou: “O governo federal está desinvestindo suas participações diretas e indiretas nas estatais. Os desinvestimentos entre janeiro de 2019 e abril de 2020 atingiram quase R$ 135 bilhões, sendo R$ 29,5 bilhões contabilizados no primeiro quadrimestre de 2020. As medidas incluem participações em empresas listadas, como IRB e Banco do Brasil. Incluem também os desinvestimentos realizados pelas cinco maiores estatais (BNDES, Petrobras, Eletrobras, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal), por meio da venda de ativos e subsidiárias”. Mas então surgiu a pandemia de coronavírus, em que Bolsonaro seguiu uma série de políticas desastrosas. Tudo foi dominado pela covid-19, e o programa de privatizações estagnou. Houve algumas desregulamentações, mas muito poucas. O Brasil, como muitos países do mundo, precisa urgentemente de reformas capitalistas. Eu preferiria ver o ministro Paulo Guedes substituir Bolsonaro como presidente. Mas uma coisa é certa: eleger o socialista Lula tornaria tudo muito pior.

Leia também “O capitalismo é a fonte da riqueza e do bem-estar”

Revista Oeste

'A ideologia do lockdown é uma ameaça à sociedade', por Brendan O'Neill, da Spiked

 

Novos casos de covid-19 surgiram na China. A região foi bloqueada. Equipe médica em traje de proteção branco na rua | Foto: Shutterstock


Os brutais fechamentos que ainda acontecem na China são um lembrete da insanidade da “covid zero”


Lembra da “covid zero”? A ideia de que a única maneira de lidar com a covid-19 era promover sua eliminação? Apenas quando todo e qualquer vestígio do vírus fosse erradicado da sociedade seria seguro deixar as massas saírem de novo, insistiam os fanáticos. Esses ideólogos estavam por toda parte. No establishment médico, na elite política, na mídia. No começo de 2021, os principais jornalistas do Guardian estavam dizendo que Boris Johnson deveria “combater o vírus com uma estratégia “covid zero”. Matar a covid-19 para salvar a sociedade.

Como vai essa ideia hoje em dia? Pergunte à China. O sofrimento do povo chinês sob a ideologia da covid zero é absurdo. O lockdown pode ser uma lembrança que, ainda bem, está desaparecendo para nós no Ocidente, mas continua sendo implacável para os chineses. Os números são assombrosos. Sessenta e oito cidades na China estavam em lockdown parcial ou total há alguns dias, incluindo a megalópole Chengdu, onde 21 milhões de homens e mulheres foram orientados a ficar em casa. Apenas uma pessoa de cada casa tem permissão para sair e fazer compras básicas. Nada de exercícios, passeios no parque ou ir ao trabalho. Sair rapidamente para comprar comida é a única liberdade civil de que os moradores de Chengdu usufruem.

lockdown de Chengdu é realmente distópico. Não só milhares de seres humanos foram colocados em prisão domiciliar, outros foram forçados a fixar residência no local de trabalho. Chengdu é uma potência econômica, instalação de atores globais nos mercados automotivo e tecnológico, incluindo a Volkswagen e a Foxconn Technology Group. E, para garantir que o lockdown não prejudique demais a produção, algumas fábricas estão operando em “closed loop systems”, ou sistemas circulares fechados, em que os “trabalhadores são isolados do restante da comunidade”. Esses funcionários ficam no local de trabalho, no campus, longe dos demais cidadãos e da família, e fazem testes de covid o tempo todo. Tudo isso para continuarem sendo uma engrenagem na locomotiva da vasta economia chinesa. Sob a política da covid zero, você é um vetor em potencial da doença que precisa ser fechado em casa ou uma máquina que deve ser apartada da sociedade para continuar produzindo em nome do lucro. A covid zero desumaniza a todos.

Desinfecção durante o “Período Silencioso” de Xangai | Foto: Shutterstock

Pânico

O anúncio do lockdown em Chengdu levou a um pânico disseminado e um surto de compras. Vídeos nas redes sociais mostraram “residentes desesperados” comprando o máximo de itens essenciais que podiam. Essas imagens aflitivas não são surpreendentes, considerando que em outros lockdowns recentes as pessoas ficaram sem alimentos. A população de Chengdu pode estar pensando na cidade de Xi’an, a noroeste da China, que foi colocada em lockdown em dezembro e janeiro. Alguns dias depois, até mesmo o direito de sair de casa para comprar itens essenciais foi suspenso. Impressionantemente, 13 milhões de habitantes foram proibidos de sair de casa por qualquer razão, até mesmo para adquirir formas de subsistência. Em vez disso, as autoridades criaram um sistema de entrega de alimentos. Não deu certo. As pessoas recorreram às redes sociais para denunciar que não estavam recebendo comida suficiente. Um homem desesperado propôs trocar seu console de Nintendo por macarrão instantâneo e pãezinhos cozidos no vapor. Outro ofereceu detergente para lava-louça em troca de maçãs. Xi’an teve um retorno à “sociedade primitiva”, afirmou um residente.

Como algo saído de um filme distópico de segunda categoria, drones com alto-falantes anunciavam que as massas confinadas deviam “controlar o desejo da alma por liberdade!”

Entre os lockdowns de Xi’an e Chengdu, houve o lockdown de Xangai, possivelmente o mais assustador da China até o momento. Foi em abril e maio. Durou dois meses. As restrições na vida dos 25 milhões de moradores foram aplicadas de maneira implacável. Mais uma vez, as pessoas ficaram sem alimentos. Algumas estavam tão desesperadas que comeram vegetais selvagens e, como consequência, ficaram doentes. Foi um “lembrete assustador do Grande Salto para a Frente… quando gente faminta arrancou cascas do tronco das árvores”, afirmou um observador. Da noite para o dia, grandes cercas de metal verde foram colocadas do lado de fora de cada prédio de apartamentos em que um residente teve resultado positivo num teste de covid-19 — lares foram transformados em prisões improvisadas. Alarmes foram instalados na porta dos infectados, para alertar as autoridades se eles saíssem de casa —, uma versão moderna da cruz preta que era pintada na porta dos contaminados com a peste negra em Londres na década de 1660.

Como algo saído de um filme distópico de segunda categoria, foram lançados no céu de Xangai drones com alto-falantes que anunciavam que as massas confinadas deviam “controlar o desejo da alma por liberdade!”. Houve evacuações forçadas e separações das famílias. Comunidades inteiras foram realocadas. As pessoas do bairro residencial de Pingwang foram transferidas em massa para instalações de quarentena a mais 160 quilômetros de distância. Os milhares de residentes da cidade de Beicai foram obrigados a se mudar para uma acomodação temporária para que a cidade fosse “desinfetada”. As crianças com diagnóstico de covid-19 foram retiradas dos pais. Pessoas ficaram com fome, trancadas em casa e presas por cercas — é impressionante que isso estivesse acontecendo na metrópole moderna e reluzente de Xangai apenas três meses atrás, enquanto o Ocidente seguia sua vida pós-lockdown normalmente.

Os danos da covid zero estão se tornando cada vez mais claros. Como o British Medical Journal comentou, houve até “relatos de moradores de Xangai que morreram de causas não relacionadas à covid porque não tiveram acesso a seus medicamentos habituais”. Todo o juramento da medicina — em primeiro lugar, não causar dano ou mal — é virado do avesso quando a sociedade se dedica de forma tão singular e psicótica a combater um único vírus. A saúde espiritual, a saúde social e até a saúde física — todas foram sacrificadas na cruzada da China para chegar à covid zero. Vamos agradecer que Boris não tenha ouvido o apelo do Guardian sobre a estratégia da covid zero. Na verdade, os horrores de Xangai parecem ter feito até esse mesmo Guardian mudar de ideia. “Medo, paranoia, raiva — essa é a vida sob a estratégia de covid zero da China” anunciou uma manchete em abril.

Chengdu, centro da cidade fechado devido à política de covid zero | Foto: Shutterstock

Tirania

E, mesmo assim, enquanto rejeitamos a tirania na China que se espalha como um vírus em Chengdu, não precisamos imaginar que jamais faríamos algo parecido. Já fizemos. Nossos lockdowns não foram tão severos quanto os da China, mas colocamos drones para espionar pessoas que levavam cachorros para passear durante o primeiro lockdown, em março de 2020. Restringimos o direito das pessoas de saírem de casa. Reprimimos as críticas à estratégia de combate à covid nas redes sociais, assim como a China está fazendo agora. Os gigantes das mídias sociais do Vale do Silício ficaram em pé de igualdade com Pequim em termos de reprimir a “desinformação” sobre a covid-19 e o lockdown. E, sim, prejudicamos a saúde dos nossos cidadãos ao transformar a covid-19 na única questão na pauta. Cânceres não diagnosticados e problemas de saúde mental são apenas duas das crises de saúde pública que parecem ter sido exacerbadas pelo lockdown.

Aliás, a impostação ocidental do autoritarismo à moda chinesa foi uma das coisas mais preocupantes da era da covid-19. Quem consegue esquecer Neil Ferguson, do Imperial College London, dizendo que ele e outros defensores do lockdown nunca imaginaram que fossem “conseguir” o que a China fez em Wuhan — mas então “a Itália o fez, e nós percebemos que também podíamos fazer”. Em julho em 2020, Jeremy Hunt, membro do Parlamento e ex-líder do Partido Conservador britânico, pareceu elogiar a abordagem chinesa e sugerir que também deveríamos ter mirado na “infecção zero e na erradicação da doença”. Vá dizer isso para a gestante em Xangai que postou um mensagem desesperada nas redes sociais dizendo que só tinha o suficiente para se alimentar por mais dois dias.

A covid zero foi um ato de autossabotagem para a China. Seu impacto está sendo enorme na estabilidade política e na economia chinesas. Isso tudo é um lembrete útil e deprimente do que acontece quando o Estado coloca a ideologia acima da razão. Quando os cidadãos são reduzidos a vetores de uma doença que precisam ser administrados e controlados, em vez de serem tratados como indivíduos sábios e bons, dignos da confiança de que vão agir com responsabilidade. O pesadelo na China é uma denúncia do regime de Pequim, assim como de alguns fanáticos do lockdown aqui no Ocidente que teriam nos conduzido alegremente pelo mesmo caminho de destruição social.


Brendan O’Neill é repórter-chefe de política da Spiked e apresentador do podcast da SpikedThe Brendan O’Neill Show. Ele está no Instagram: @burntoakboy

Leia também “O autoritarismo escondido numa “emergência climática”

Revista Oeste

Indicado ao STF por Temer, vice de Dilma, laranja de Loola, Moraes manda derrubar sites da juíza Ludmila Lins Grilo

 Juíza é alvo do Conselho Nacional de Justiça

O ministro do STF Alexandre de Moraes
O ministro do STF Alexandre de Moraes | Foto: Nelson Jr./SCO/ST

O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), mandou a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) tirar do ar dois sites da juíza Ludmila Lins Grilo, do Tribunal de Justiça de Minas Gerais. A magistrada é alvo de investigação do Conselho Nacional de Justiça.

“Determino a intimação do presidente da Anatel, Carlos Manuel Baigorri, para que adote, imediatamente, todas as providências necessárias para a completa retirada dos sites”, determinou Moraes.

Ludmila Lins Grilo na mira do CNJ

Na quarta-feira 21, o corregedor-geral do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Luís Felipe Salomão, abriu uma investigação contra a juíza Ludmila Lins Grilo, do Tribunal de Justiça de Minas Gerais.

O CNJ apura a conduta da magistrada, por ter participado de atos supostamente políticos, criticar decisões de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e divulgar canais do jornalista Allan dos Santos.

Por determinação do STF, perfis do jornalista estão bloqueados — ele é alvo do inquérito inconstitucional das fake news, movido pela Corte, assim como outros apoiadores do presidente, que estão na mira da investigação do STF. Portanto, compartilhar o conteúdo seria ir contra a lei, o que teria feito a magistrada.

Ao abrir a investigação contra a juíza por também criticar o STF, o CNJ sustentou que Ludmila “atacou” a Corte “com o propósito de externar juízo depreciativo sobre decisões proferidas por órgãos de cúpula do Judiciário”, postura que “pode ter violado deveres funcionais inerentes à magistratura”.

Cristyan Costa, Revista Oeste

'Uma solução interessante para o problema', Theodore Dalrymple

 

Rainha Elizabeth II | Foto: Shutterstock



Elizabeth II foi muito além das limitações burocráticas da vida


Vivi toda a minha vida adulta, assim como vivi a maior parte da minha infância, sob uma única chefe de Estado: a rainha Elizabeth II. Ela não foi democraticamente eleita nem foi uma tirana. O cidadão britânico médio tem muito mais medo de sua Câmara Municipal do que de seu monarca: a Câmara Municipal (eleita, claro) tem poder real de transformar a vida num inferno. Dos poderes do governo central (eleito democraticamente), quase não ouso falar, caso alguém de lá leia isto.

A finada rainha conseguiu um feito impressionante: ela se manteve popular por 70 anos. Claro, ajudou muito o fato de que ela não tinha poder de decisão político, portanto, não foi responsável pelas dificuldades nem pelos desastres que se abateram sobre o país durante seu reinado. Mesmo assim, não seria exatamente surpreendente, dado o respeito com que era tratada, se a rainha tivesse sido uma figura egocêntrica, mimada, petulante e desagradável, e não a pessoa modesta, com um sentimento de dever inabalável, que foi (e me apresso em acrescentar, com um senso de humor excelente). Esse foi um incrível sinal de caráter. Ela cumpriu uma obrigação oficial dois dias antes de sua morte, aos 96 anos, e sempre entendeu que não era importante como pessoa, e sim na função que foi conclamada a desempenhar.

Esta não é uma maneira muito moderna de ser no mundo. Ela foi maior que seus súditos, mas também menor: durante 70 anos, a rainha Elizabeth II nunca esteve livre de suas obrigações, nem por um minuto. Ela sabia que era alguém comum e, assim, conteve a tendência moderna (da qual não estou totalmente isento) da autoimportância. A maioria de nós não teria tanto autocontrole quanto ela teve por 70 minutos, quanto mais por 70 anos.

Multidões se reúnem do lado de fora do Palácio de Buckingham, em homenagem à falecida rainha Elizabeth II (9 de setembro de 2022) | Foto: Howard Cheng/Shutterstock

Seu funeral, que ocorreu no dia que escrevo este texto, foi muito diferente do da princesa Diana. O funeral de Diana foi dramático, emocionalmente kitsch e tão honesto e sincero quanto a estratégia de vendas de um comerciante de tapetes. Mas o da rainha foi um evento solene. Quando o arcebispo da Cantuária (um homem por quem não tenho muita admiração) afirmou que nenhum juramento foi tão bem cumprido quanto o feito por ela, aos 21 anos, há 75 anos, de dedicar a vida a servir, ele estava totalmente correto. Claro, suas condições de trabalho eram bastante boas, mas a boa sorte é um teste de caráter tanto quanto o azar.

Sem dúvida ter vivido durante a guerra ajudou, assim como o fato de seu pai, o rei George IV (que Elizabeth venerava), ter se recusado a tirar as duas filhas do país por uma questão de segurança. Ele e a esposa ficaram em Londres e se negaram a se mudar do palácio, apesar de terem sofrido mais de um bombardeio. A rainha, que na época era obviamente uma princesa, insistiu em servir nas Forças Armadas assim que pôde e fez treinamento de mecânica. Ela teve um exemplo muito bom no pai, claro, mas quantos de nós seguem os bons exemplos que nos dão? (Incidentalmente, um mau exemplo é um bom exemplo quando observado da maneira correta.)

A feiura e a banalidade

Bem, chega de falar da rainha: quilômetros quadrados de artigos foram escritos sobre ela, e não vou acrescentar nada original. Como não tenho um aparelho de TV (abri mão da televisão mais de 50 anos atrás), fui até a casa do vizinho para assistir ao funeral no seu televisor do tamanho de uma tela de cinema, e uma coisa me impressionou, à minha revelia: a beleza do centro de Londres, a nobreza de seus parques e edifícios, até que os prédios modernos ao fundo se tornassem visíveis no enquadramento da câmera, quando a pura incompetência, a feiura e a banalidade da arquitetura modernista e pós-modernista na Inglaterra não puderam mais ser ignoradas.

Também não é mais possível ignorá-las em outros lugares. Sempre que ando pela Rue de Rennes, em Paris, por exemplo, e vejo a Torre Montparnasse, penso: “Onde está a Al-Qaeda quando ela pode fazer algo de bom?” (imagino que, nesses dias de literalidade, seja necessário acrescentar que eu não desejo de fato que a Al-Qaeda jogue um avião contra ela, por mais que eu a abomine.)

Fila para visitar o caixão da rainha Elizabeth II, em Westminster Hall, Londres (14 de setembro 2022) | Foto: Alexey Fedorenko/Shutterstock

Se você perguntar a um arquiteto por que é preciso fazer construções que não são compatíveis com toda a arquitetura anterior da história, e por que todos os estilos arquitetônicos anteriores, apesar de muito diferentes entre si, encontraram uma forma de ser coerentes com tudo o que veio antes, ele vai responder: “Por razões técnicas, não podemos continuar construindo como fazíamos antes”. E, quando você comenta que é perfeitamente possível fazer isso, pelo menos na aparência externa dos edifícios (não que ninguém esteja exigindo repetições exatas), ele vai mudar de argumento e dizer que, de todo modo, os prédios novos na verdade são melhores que os antigos e representam o progresso. Como se houvesse algum progresso de Veneza para, digamos, Novosibirsk.

A indiferença à beleza

O pai de um amigo meu, um imigrante da União Soviética nos tempos de Leonid Brejnev, vinha a Londres quando isso era politicamente possível e se interessava apenas pelos horríveis prédios modernistas que causaram muito mais dano ao tecido da cidade do que Luftwaffe o fez durante a guerra. Ele era engenheiro de profissão e continuava sendo um verdadeiro homem soviético. Olhava para as placas de vidro e concreto por um momento e dizia: “É uma solução interessante para o problema”. As belezas da cidade não tinham apelo para ele.

Hoje em dia, acreditamos que existem pessoas que nascem sem a capacidade de estabelecer um contato normal com as outras e que, por carecerem de empatia, parecem estranhamente distanciadas da existência social; existem também os psicopatas que carecem da capacidade de se solidarizar com os demais e são indiferentes ao sofrimento que causam, ou obtêm prazer nele. Parece que existe mais uma categoria: a das pessoas indiferentes à beleza, que são incapazes de reconhecê-la (e, portanto, seu oposto), assim como pessoas sem ouvido musical não conseguem reconhecer a genialidade de Mozart.

O pai do meu amigo era uma dessas pessoas: elas floresceram durante o regime soviético, com os marxistas desconfiados de que a demanda por beleza era apenas uma cortina de fumaça para a contrarrevolução. Mas o capitalismo e a social-democracia têm, por razões diferentes, muitas figuras parecidas e que obtiveram muito poder e influência: se você duvida, venha a Londres.

Revista Oeste



'Os italianos votaram pela mudança', por Loriane Comeli

 

Giorgia Meloni, futura primeira-ministra da Itália | Foto: Piero Tenagli/IpaAgency/Shutterstock


A eleição de Giorgia Meloni é uma resposta dos eleitores às políticas desastrosas que arruinaram a Itália


Durante um discurso político em Roma, em 2019, a futura primeira-ministra da Itália, Giorgia Meloni, na época com 42 anos, ganhou destaque no país ao afirmar: “Sou mulher, sou mãe, sou italiana, sou cristã”. A clara posição conservadora e as promessas de mudanças fizeram com que, três anos depois, no último domingo 25, a coalizão encabeçada pelo seu partido, o Irmãos da Itália (Fratelli d’Italia), fosse a grande vencedora das eleições parlamentares. Giorgia será a primeira mulher a ocupar o cargo de premiê italiana.

Ao assumir a terceira maior economia da União Europeia (UE), atrás apenas da Alemanha e da França, ela terá desafios enormes e, de maneira geral, muito parecidos com os enfrentados por toda a Europa, como inflação alta, risco de recessão, escassez de energia e alta dos preços, crise demográfica, imigração em massa, desemprego, violência. Parte dos problemas, especialmente a crise econômica, é reflexo das medidas restritivas adotadas pelos governos da UE para combater a pandemia de covid-19 e das sanções impostas à Rússia pela invasão da Ucrânia.

Considerada uma eurocética, a italiana deverá adotar um postura mais rígida e crítica em relação à UE, especialmente quanto a repasses e tentativas de alteração das leis de imigração. Um “Brexit” italiano, contudo, está fora de cogitação, uma vez que a Itália é um dos países fundadores do bloco.

Uma conservadora no comando da Itália

O fato, porém, de ser a primeira mulher a comandar a Itália não despertou comoção da imprensa mundial. Pelo contrário. Os meios esquerdistas falam em “temor” pelas posições políticas conservadoras da futura primeira-ministra, que, durante a campanha, fez discursos claros contra as ideologias ditas “progressistas”, que se alastraram pelo Ocidente, sobretudo pela União Europeia e pelos Estados Unidos.

Ao discursar para conservadores na Espanha, em junho deste ano, Giorgia inflamou a plateia ao anunciar suas bandeiras, de forma explícita: “Ou se diz sim ou se diz não. Sim à família natural, não aos lobbies LGBT. Sim à identidade sexual, não à ideologia de gênero. Sim à cultura da vida, não ao abismo da morte. Sim à universalidade da cruz, não à violência islâmica. Sim às fronteiras seguras, não à imigração em massa. Sim ao trabalho para nossos cidadãos, não às grandes finanças internacionais. Sim à soberania dos povos, não aos burocratas de Bruxelas. Sim à nossa civilização, e não àqueles que querem destruí-la”.

O trecho do discurso abarca um sentimento de muitos conservadores, que se veem representados por posições diferentes do pensamento único de esquerda, dominante na UE. Um dos focos é a política migratória europeia, que promove um processo descontrolado. Hoje, de acordo com o Departamento de Estatísticas da Itália (Istat), o país registra pouco mais de 5 milhões de estrangeiros residentes, que somam cerca de 10% da população, de um total de 59 milhões. É um porcentual muito elevado. Conforme dados do Eurostat de 2021, a UE tem 5,3% de estrangeiros na população de 447,2 milhões de habitantes nos 27 Estados membros. A título de comparação, o Brasil tem 0,4% de estrangeiros.

Os imigrantes custam muito para o Estado. De acordo com a lei nacional e tratados internacionais com a União Europeia, o governo deve garantir moradia e alimentação enquanto o estrangeiro permanecer em solo italiano. A maioria é formada por imigrantes econômicos, e não por exilados políticos, e, portanto, não teria direito de permanecer na Europa. Porém, enquanto não são identificados, o governo deve garantir aos forasteiros uma estada digna.

Carlo Cauti, cientista político e jornalista italiano que mora Brasil, lembrou a existência de cidades do sul da Itália — a linha de frente para a chegada de imigrantes do norte da África, especialmente Tunísia, Líbia e Argélia, e do Oriente Médio — que já têm mais moradores estrangeiros do que italianos. “Isso não é apenas uma migração, mas uma substituição da população. É inaceitável para qualquer país.”

Em Prato, por exemplo, uma cidade na Toscana, região central do país, há uma comunidade de 29 mil chineses, que corresponde a 15% da população total. Nesse caso, a prefeita, Adriana Nicolina Rosaria Cogode, disse que mais da metade dos chineses vive como fantasma. “Nada sabemos, nem onde trabalham, nem em que condições vivem”, declarou à comissão bicameral do Parlamento italiano, em fevereiro deste ano. “São pessoas que chegam com visto de turista e vão ficando, sem se preocupar com a legalidade.” Segundo a prefeita, em 2021 apenas um imigrante chinês fez a solicitação para adquirir cidadania italiana. “A Europa está sendo invadida por milhões de pessoas que não querem se integrar, que, muitas vezes, olham a cultura europeia com hostilidade”, resumiu Cauti, cuja família mora na Itália.

O mesmo fenômeno ocorre com os islâmicos, mencionados por Giorgia em seu discurso, que chegam à Europa e continuam vivendo com suas próprias regras sociais e culturais. “A abordagem inteligente é: ‘Você entra na minha casa de acordo com as minhas regras’”, afirmou Giorgia, ao jornal The Washington Post.

Apesar de ser uma sigla que usa cores e símbolos associados ao Movimento Social Italiano, partido fundado por apoiadores do ditador italiano Benito Mussolini, o grupo nunca defendeu o fascismo

Na campanha, ela chegou a propor asilo a imigrantes venezuelanos — castigados pela ditadura de Nicolás Maduro — que são cristãos, em vez de receber islâmicos. “Duvido fortissimamente que consiga”, avaliou o cientista político Adriano Gianturco, coordenador do curso de Relações Internacionais do IBMEC de Belo Horizonte. “É uma fala de propaganda eleitoral”, Giorgia também associou a migração desordenada ao aumento da criminalidade. “Permitir a entrada de centenas de milhares de pessoas e depois deixá-las traficando drogas ou se vendo forçadas a se prostituir nas margens da nossa sociedade não é solidariedade.” Em Prato, a maior Chinatown da Europa, dados apresentados na comissão parlamentar revelam que 59% dos acusados de crimes e 68% dos presos em 2021 eram estrangeiros.

Em relação à pauta feminina, Gianturco lembrou que Giorgia não é apenas a primeira mulher eleita para o cargo, mas a primeira candidata entre os principais partidos italianos. “Quem defende pautas ligadas à igualdade de gênero, que são os partidos de esquerda, nunca lançou uma candidata mulher”, observa. “Como ela é de direita, isso não conta”, diz o professor, lembrando que Giorgia pertence a um partido chamado pela oposição de ultraconservador de extrema direita e o preside há oito anos. “É muita hipocrisia.”

Apoiadores com bandeiras do Irmãos da Itália durante a viagem eleitoral de Giorgia Meloni em Caserta, para as eleições políticas italianas (18 de setembro de 2022) | Foto: M. Cantile/Shutterstock

A imprensa mundial publicou manchetes condenando Giorgia Meloni aos títulos de “extremista”, “fascista” e “totalitária” e acusou o Irmãos da Itália de ser um partido pós-fascista. Gianturco explicou que se trata, de fato, de uma sigla herdeira do velho Partido Fascista, de Benito Mussolini. No entanto, evidentemente não é fascista, ideologia cuja apologia é proibida na Itália, assim como o nazismo é proibido na Alemanha e em diversos países.

Apesar de ser uma sigla que usa cores e símbolos associados ao Movimento Social Italiano, partido fundado por apoiadores do ditador italiano Benito Mussolini, o grupo “nunca defendeu o fascismo”, disse Henry Olsen, colunista do Washington Post. “O fascismo é um fenômeno histórico que acabou com a morte de Mussolini”, acrescentou Carlo Cauti. “A Giorgia Meloni não é fascista. É conservadora, é de direita, o que é perfeitamente legítimo. Não há nenhum risco de ruptura democrática ou rompimento da ordem pública.”

Os estragos da pandemia e os desafios econômicos 

Na área econômica, Giorgia terá um enorme obstáculo a transpor: fazer o país crescer, em meio a uma crise global. Desde que a UE adotou o euro como moeda única, em 2002, a economia italiana estagnou — a Itália nunca cresceu mais de 2% ao ano, exceto pelo salto pós-pandemia do ano passado. Também nunca se recuperou da crise financeira de 2008; de lá para cá o desemprego nunca ficou abaixo de 8%, e seu PIB real per capita permanece mais baixo do que era em 2007.

E é exatamente por isso — mas não só — que os italianos votaram pela mudança. Eles também ficaram descontentes com as medidas draconianas adotadas durante a pandemia. “Entre os países democráticos, foram as medidas mais restritivas do planeta”, afirmou Gianturco. Além da supressão de direitos, as medidas arrasaram com a economia. O Irmãos da Itália foi um crítico assíduo dos desmandos do então primeiro-ministro, Giuseppe Conte, que, com a crise gerada pela pandemia, perdeu apoio no Parlamento e acabou renunciando, em fevereiro de 2021. O sucessor, Mario Draghi, também não aguentou a pressão e renunciou, em julho deste ano, mas continua interinamente no cargo.

Enquanto ainda se recuperava dos efeitos da pandemia, a Itália precisou enfrentar uma seca severa, a pior em 70 anos, no verão deste ano. A falta de chuvas e o calor extremo castigaram o Vale do Rio Po, no norte da península, lar do arroz arbóreo e responsável por um terço de toda a produção agrícola. A seca também reduziu a produção e a distribuição de dois itens tradicionalíssimos da gastronomia italiana  — o azeite e a passata (polpa de tomate cozida), que começaram a faltar no país.

A mudança nas urnas

No domingo 25, o desejo de mudança ficou claro. O partido de Giorgia recebeu 26% dos votos; a Liga, do senador e ex-ministro do Interior (2018-2019) Matteo Salvini, 8,8%; e o Força Itália, do ex-primeiro-ministro Silvio Berlusconi, 8,1%. Somados, os três partidos terão 237 das 400 cadeiras na Câmara dos Deputados. A coalizão também terá maioria no Senado, com 115 cadeiras de 200.

O apoio dado à coalizão, que terá 60% das cadeiras do Parlamento — um número inédito na história da República italiana —, pode não garantir todas as reformas prometidas na campanha, mas traz uma esperança: “Será um governo mais duradouro”, disse Gianturco. “Isso é praticamente uma certeza”. A média de duração dos governos dos primeiros-ministros italianos é de um ano e meio. O forte apoio ocorreu depois de mudanças na legislação eleitoral, que tinham justamente o objetivo de garantir mais governabilidade ao país.

Gianturco lembra que o Movimento 5 Estrelas (M5S), da base do atual governo, tinha uma posição contrária aos Estados Unidos, à Organização do Tratado do Atlântico Norte e à UE. “Quando chegou ao governo, reviu totalmente essas posições”, comentou. Isso faz com que ele acredite que Giorgia dificilmente conseguirá manter a postura defendida em campanha. “Muitas coisas são discursos de campanha. Quando se chega ao governo, aí se enxerga a realidade.” Isso porque seu governo dependerá, no âmbito econômico, em grande parte, do apoio da União Europeia e do Banco Central Europeu. Quanto à visão mais conservadora, a italiana poderá enfrentar resistência no Parlamento Europeu. A França, depois da vitória de Giorgia, já declarou que “estará atenta” a eventuais mudanças legislativas na Itália, para proteger o acesso das mulheres ao aborto.

Para Carlo Cauti, a vitória da direita italiana se soma a uma tendência mais conservadora na Europa, com Suécia, Hungria e Polônia, natural nas democracias, mas revela que a UE “terá de mudar, sob pena de mais europeus continuarem votando em partidos críticos em relação a Bruxelas [sede da UE]. Tem de dar um sinal positivo para que os cidadãos voltem a acreditar que a União Europeia é solução, e não parte do problema”.

Como observou o jornalista J.R. Guzzo, colunista de Oeste, “Giorgia Meloni, acima de tudo, comete o desafio imperdoável de pensar com a própria cabeça, propor medidas que os seus eleitores aprovam, e não levar a sério, como mandam as leis religiosas da mídia mundial, a política miúda das merkels, macrons e outras nulidades absolutas, com pose de estadista, que levaram a Europa à situação em que ela está no momento — recessão, inflação recorde, mendicância energética e medo do frio no próximo inverno”.

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Revista Oeste