terça-feira, 31 de janeiro de 2017

"Regalias judiciárias", editorial da Folha de São Paulo

Há poucas dúvidas de que o Judiciário brasileiro esteja entre os mais caros do mundo. Conforme as cifras oficiais mais atualizadas, as cortes federais e estaduais custaram R$ 79,2 bilhões aos contribuintes em 2015, o equivalente a 1,3% da renda do país. As estatísticas internacionais raramente reportam proporções acima de 0,5%.

O percentual extravagante decorre em grande parte das benesses de que magistrados e servidores desse Poder desfrutam, incompatíveis com o patamar de desenvolvimento econômico nacional —nem se mencione a conjuntura de depauperação dos orçamentos públicos.

Tal contexto deveria ser mais que suficiente para desaconselhar a expansão das despesas com pessoal nos tribunais. Ainda pior é que os juízes se valham de subterfúgios pouco transparentes para elevar os vencimentos das corporações.

Conforme noticiou esta Folha, o pagamento de benefícios extrassalariais —que incluem penduricalhos tão diversos quanto auxílio-moradia, auxílio-educação, diárias e passagens aéreas— elevou-se em espantosos 30% no Judiciário de 2014 para 2015, em pleno agravamento da crise que ainda assola o país.

Nada menos que R$ 7,2 bilhões em um ano foram destinados a regalias do gênero, mais do que foi investido, por exemplo, nas rodovias federais. Parcela considerável desse dispêndio, ademais, escapa ao teto remuneratório do serviço público, de R$ 33,8 mil mensais.

Bastará notar que, de acordo com levantamento do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a despesa média com cada magistrado atingiu R$ 46,2 mil por mês. Ridiculariza-se, assim, um instrumento que deveria pôr freio às demandas de uma categoria já privilegiada.

Maus exemplos começam pela cúpula. Um caso especialmente escandaloso é o do auxílio-moradia de quase R$ 4.400 mensais concedido em 2014 a todos os magistrados por meio de decisão provisória do ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal.

Recorde-se que, por ironia, a medida surgiu de um propósito moralizador: ao mesmo tempo em que estabeleceu-se um limite para vetar valores ainda mais abusivos, o auxílio —cuja concessão nem mesmo leva em conta o local de trabalho do beneficiário— acabou sendo autorizado em Estados onde inexistia.

De imediato, o mínimo que se exige da mais alta corte brasileira é o exame às claras, de maneira definitiva, de tema que já se encontra pendente há mais de dois anos. Idealmente, o Judiciário deveria se impor a tarefa mais ampla de se ajustar à realidade nacional.

Será melhor fazê-lo por iniciativa própria do que forçado pelas pressões da opinião pública e da escassez orçamentária.